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Nicolelis diz que estudo com exo está concluído e aguarda exibição na Copa

Do UOL, em São Paulo

30/05/2014 08h44Atualizada em 30/05/2014 09h32

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis divulgou que os estudos clínicos com um exoesqueleto comandado pelo cérebro, que faz um paraplégico andar só com comandos da mente, foram concluídos nesta semana em São Paulo. Assim, toda a parte técnica está pronta para a Copa do Mundo.

"Após 17 meses de trabalho científico intenso e centenas de horas de testes clínicos realizados em um laboratório localizado na cidade de São Paulo, Brasil, o projeto Andar de Novo anuncia oficialmente a conclusão dos objetivos científicos, clínicos e tecnológicos desta sua primeira fase", afirma o comunicado.

Na abertura da Copa do Mundo do Brasil, em 12 de junho, haverá uma demonstração pública da pesquisa, quando um voluntário paraplégico irá dar o primeiro chute da Copa.

Segundo o pesquisador, os testes foram concluídos com sucesso no último dia 28 de maio: "o exoesqueleto, sobre comando da atividade cerebral de um operador, realizou movimentos naturais e fluidos que produziram, em todos os pacientes, a sensação de que eles estavam caminhando com as próprias pernas".

A nota diz ainda que os resultados serão apresentados à comunidade científica por meio de publicação em revistas científicas nos próximos meses. Agora estão previstos testes em ambiente semelhante ao da abertura da Copa.

A interface cérebro-máquina é feita por meio de uma touca com eletrodos que captam os sinais elétricos do couro cabeludo, com a técnica do eletroencefalograma (EEG), de forma não invasiva. De acordo com Nicolelis, esse procedimento é suficiente para impulsionar, com o exoesqueleto, a realização de movimentos de membros inferiores. Os sinais cerebrais dos pacientes que usaram o exoesqueleto foram processados em tempo real, decodificados e utilizados para mover condutores hidráulicos.

O Projeto Andar de Novo é um consórcio formado por universidades e institutos de pesquisa do mundo todo, sob o comando científico do neurocientista brasileiro. O objetivo do projeto é desenvolver uma tecnologia de interface cérebro-máquina que permita pessoas com mobilidade restringida – como paraplégicos – a voltar a andar usando a mente para controlar um equipamento externo, que substituiria os membros inferiores. 

O pesquisador ressalta que a demonstração na abertura da Copa é apenas um modo de popularizar a ciência, mas que o objetivo do trabalho é aperfeiçoar a tecnologia para que a veste robótica evolua a ponto de permitir que qualquer pessoa com paralisia possa andar livremente se torne acessível.

Fase 1: desenvolvimento da interface cérebro-máquina

A partir de 2001, o pesquisador brasileiro começou na Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos, a primeira etapa do projeto, que foi desenvolver uma interface cérebro-máquina, uma tecnologia que fosse capaz de ler os sinais elétricos produzidos pelos neurônios do cérebro e, a partir deles, propiciar o controle motor que pudesse ser usado por uma máquina. Como o experimento em que um macaco vê pontos no computador e mexe braços mecânicos ou virtuais na direção dos pontos.

O segundo passo foi a chamada resposta tátil, ou seja, mandar os sinais de volta do robô para o cérebro.

Os primeiros testes foram feitos em animais, ratos e macacos. Em outro estágio do desenvolvimento das pesquisas, pela primeira vez esses animais conseguiram diferenciar texturas diferentes dos objetos, por meio da estimulação elétrica dos seus cérebros.

Fase 2: o exoesqueleto

Então, foi a hora de criar uma espécie de robô, chamado de exoesqueleto (esqueleto externo), para sustentar a pessoa em pé e realizar os movimentos. Ele permite a interação em tempo real entre o cérebro e a roupa.

As pesquisas para o desenvolvimento da roupa robótica começaram em 1999 e contaram com pesquisadores de todo o mundo. O trabalho de robótica foi coordenado por Gordon Cheng, da Universidade Técnica de Munique. O sistema foi desenvolvido na França e testado no Brasil.

O exoesqueleto foi batizado de "BRA-Santos Dumont I", em homenagem a quem Nicolelis considera o maior cientista brasileiro de todos os tempos.

Funciona como um controle compartilhado, em que o cérebro gera mensagens que expressam o desejo do operador de movimento, como por exemplo “eu quero andar”, “eu quero parar”, “eu quero chutar a bola”. Esses comandos mentais interagem com os controles das articulações do exoesqueleto para fazer com que os movimentos sejam gerados. E este dá respostas ao cérebro como: "pisei", dei um passo".

O exoesqueleto está equipado com vários giroscópios que impedem quedas durante o movimento.

Fase 3: sensação tátil de andar novamente

Para que o ato de caminhar seja o mais próximo da realidade, os pesquisadores também desenvolveram uma forma de restabelecer a sensação tátil nos membros paralisados. Para isso, foi desenvolvido uma tecnologia de feedback tátil, ou pele artificial, peça fundamental para propriocepção (capacidade de reconhecer a localização espacial do corpo) dos membros inferiores dos pacientes que usarão o exoesqueleto para caminhar novamente.

A pele artificial, desenvolvida pelo grupo de pesquisadores de Gordon Cheng, é formada por placas flexíveis de circuitos integrados, cada uma delas contendo sensores de pressão, temperatura e velocidade. Ela é aplicada na planta dos pés para que o paciente, ao andar com o exoesqueleto, receba, a cada toque dos pés no chão, um estímulo tátil enviado a uma região da parte superior do corpo, como os braços.

Com essa transmissão dos pés para os braços, o cérebro dos pacientes é induzido a remapear as sensações táteis e reestabelecer a sensação de pisar o chão caminhando como se não possuísse paralisia.

O paciente vestirá uma camisa durante a demonstração na cerimônia de abertura da Copa do Mundo, para receber as informações táteis gerada pela pele artificial na superfície dos braços. Essa camisa foi desenvolvida pelo grupo do Dr Hannes Bleuler, da EPFL, em Lausane, Suíça.

Fase 4: os testes com pacientes

O próximo passo foi testar o exoesqueleto com pessoas. Os primeiros testes clínicos do grupo de oito pacientes começaram a ser realizados em janeiro de 2014, no laboratório AASDAP/AACD, inaugurado em novembro de 2013 em São Paulo. Os procedimento de treinamento clínico foram coordenados por uma equipe clínica liderada pela médica brasileira Lumy Sawaki, da Universidade do Kentucky.

Inicialmente, esses pacientes interagiram com um simulador virtual, gerado por computador. Nesse ambiente, os pacientes puderam usar um simulador robótico de marcha que os permitiu andar sobre uma esteira ao mesmo tempo em que viam, usando um óculos de realidade virtual, um avatar que reproduzia os mesmos movimentos.

Durante esse treinamento, os pacientes também receberam feedback tátil dos passos do avatar por meio da pele artificial que emite impulsos vibratórios mecânicos na região do corpo em que eles têm sensibilidade, como o antebraço, por exemplo. Com isso, seus cérebros aprenderam novamente a sentir as pernas e pés. Os testes também incluíram simulações em um ambiente virtual com os mesmos ruídos verificados numa partida de futebol com o estádio lotado.

Após a conclusão dos testes virtuais, começaram os treinamentos com o exoesqueleto. No dia 29 de abril de 2014 um dos pacientes conseguiu dar os primeiros passos com a veste robótica, usando somente o cérebro para os comandos. Até o dia 20 de maio, os pacientes já tinham dado, em média, 120 passos com o exoesqueleto cada um. 

Demonstração na Copa do Mundo

Na cerimônia de abertura da Copa do Mundo haverá uma demonstração de todas as tecnologias produzidas pelo projeto Andar de Novo nos últimos 17 meses. Um dos oito pacientes da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) que participaram dos testes clínicos será encarregado de um “chute simbólico” da Brazuca (nome da bola oficial do torneio) movimentando o exoesqueleto somente com a atividade cerebral, assim como ocorreu no laboratório na fase de testes com humanos.

A iniciativa será uma apresentação da pesquisa e não faz parte do estudo científico. O objetivo é aproximar a ciência da população brasileira e de todo o mundo: uma audiência estimada na casa dos bilhões de pessoas.

Para realizar essa proeza, todo o sistema desenvolvido pelo projeto Andar de Novo passou por inúmeros testes de segurança, um deles realizado em 15 de março no estádio do Pacaembu. No gramado, neuroengenheiros do projeto obtiveram registros da atividade elétrica cerebral antes, durante e após a partida Palmeiras x Ponte Preta, pelo Campeonato Paulista.

Financiamento

No Brasil, a operação do Andar de Novo é liderada pelo IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra) e conta com a parceria da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), em São Paulo.

Em janeiro de 2013, o projeto recebeu investimento da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que propiciou os recursos necessários para a realização da fase clínica do projeto e a organização do laboratório AASDAP/AACD em São Paulo, onde um grupo formado por neurocientistas, engenheiros e pessoal clinico trabalha diuturnamente no desenvolvimento de uma nova tecnologia de neuroreabilitação conhecida como exoesqueleto controlado pela mente.