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Inteligência social faz cães se destacarem como espécie bem-sucedida

Maurício Kanno

Do UOL, em São Paulo

01/04/2013 06h00

Tornou-se um ditado popular dizer que “o cão é o melhor amigo do homem”. De acordo com Brian Hare, antropólogo evolutivo na Universidade Duke (EUA) e líder do centro para cognição canina, os cães são uma das espécies mais bem-sucedidas no planeta.

“Há mais cachorros no mundo do que quase qualquer outro mamífero”, diz o pesquisador. “Eles vivem onde quer que você encontre pessoas.” Para Hare, boa parte da razão desse sucesso são as habilidades cognitivas destes animais.

QUEM DOMESTICOU QUEM?

Os cães seriam mesmo lobos que o ser humano domesticou?

As pesquisas indicam o contrário: segundo Brian Hare, a iniciativa teria sido dos próprios animais. A princípio, os cães teriam começado a se desenvolver a partir dos lobos, há cerca de 15 mil anos, como resultado da seleção natural entre eles e não uma seleção artificial feita pelos homens.

Aparentemente, certos lobos mais “sociáveis” foram percebendo que era mais vantajoso para sua sobrevivência aproximar-se de grupos humanos. E os homens eram bastante auxiliados pelo “sistema de alarme natural” que os lobos ofereciam. Pois, assim como muitos cães latem sem parar nos portões de suas casas quando avistam estranhos se aproximando, o mesmo se passava com seus ancestrais dessa época, bastante sensíveis a forasteiros.

Apesar disso, a maioria das raças caninas que se tem hoje são bastante novas (principalmente as europeias), em média, de 150 anos de existência. E neste caso, de fato, foram resultado de seleção humana intencional. Mas durante os cerca de 15 mil anos anteriores não se sabe bem o quanto houve de influência direta humana para a formação destes “lobos-cães”, até se chegar às raças contemporâneas.

Basicamente, eles se tornaram especialistas em empatia e comunicação, principalmente com os seres humanos. E muitas das habilidades são aprendidas até os três meses de idade.

Laurie Santos, psicóloga na Universidade de Yale, EUA, e uma das maiores autoridades em inteligência canina, detalha: "a maior diferença entre a cognição dos cães e dos primatas não-humanos, em minha opinião, é que os cães são muito mais afinados com o que outros indivíduos estão pensando e fazendo."

Os cães parecem ter ficado muito bons também em reagir aos estados emocionais humanos. Um estudo produzido pela pesquisadora Alexandra Horowitz, da Columbia University, também nos EUA, mostrou que os cachorros reagem mostrando-se “culpados” para um humano que pareça bravo, mesmo que eles não tenham feito nada errado. O objetivo? Evitar problemas, sem crises de orgulho ferido.

Como crianças

A pesquisadora de Yale acrescenta que há evidências de outros tipos de capacidades cognitivas caninas. Um exemplo seria que os cães conseguem “rastrear” objetos que não podem ver – ocultos deles por algum obstáculo –, assim como crianças humanas aprendem a fazer.

Até mesmo palavras humanas os cães podem entender. E as aprendem da mesma forma que humanos o fazem: com inferências e associações a objetos. O livro "Genius of Dogs", de Hare e sua mulher, Vanessa Woods, conta o trabalho conduzido por Julianne Kaminsky, da Portsmouth University, no Reino Unido, que demonstrou que alguns cães conseguem aprender os nomes de centenas de objetos, algumas vezes depois de ouvir o nome deles apenas uma vez. O recordista foi um cachorro chamado Chaser (Perseguidor, em tradução livre), que  memorizou os nomes de mais de mil objetos.

Mas onde os cães realmente ficaram excelentes é no domínio social – lendo sinais sociais e aprendendo com eles. É especialmente nisso que esses animais se parecem mais com as crianças humanas. E há razão para essa aptidão ter sido aperfeiçoada nos últimos tempos. “Cães crescem no mesmo ambiente ou um semelhante aos dos humanos, com bastante acesso às suas ideias e sinais sociais”, diz Laurie.

Aliás, note-se que os cães já ficaram tão acostumados com os humanos que seu “habitat natural”, como diz Brian Hare, virou mesmo… as casas das pessoas. O pesquisador ressalta inclusive que todos os cães estudados por seu centro de cognição canina são animais de estimação de famílias comuns, nunca animais de laboratório.

Seguimos exatamente o mesmo modelo que psicólogos do desenvolvimento utilizam quando estudam crianças”, conta o antropólogo. “As pessoas gentilmente trazem seus cachorros, jogamos com os animais e verificamos suas escolhas.”

César Ades, falecido professor na USP (Universidade de São Paulo), dizia, segundo o site do Instituto de Psicologia da Universidade, que se você isola o cão e não o deixa interagir, ele não vai aprender. Então, ele precisa viver em um meio humano para adquirir essa incrível sensibilidade para a face do ser humano, para o gesto do ser humano.