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Inteligência canina se desenvolve mais nos três primeiros meses

Maurício Kanno

Do UOL, em São Paulo

01/04/2013 06h00

Os cães se destacam como espécies bem-sucedidas por sua inteligência social ao conviver com os humanos. E, segundo Carolina Rocha, veterinária especialista em comportamento animal e mestranda no Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), ressalta que há um período crítico e mais sensível na vida do cão para seu aprendizado. Trata-se do intervalo entre as 2 e 13 semanas de vida – ou seja, aproximadamente seus primeiros três meses.

“Principalmente nesta época, o cachorro deve conhecer todos os estímulos possíveis, aberto às experiências mais variadas, incluindo contato com: barulhos – como trovão –, outros cães e pessoas diferentes”, explica. “Isso tem tudo a ver com a inteligência do animal. Bem socializado, pode desenvolvê-la muito mais que os outros. O que ele aprende na vida é muito importante, e às vezes isso se sobressai em relação ao que é comum para a espécie ou a raça.”

Para o professor Stanley Coren, da Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá, há três “dimensões da inteligência” a se considerar para os cães. A primeira seria a instintiva  Esta seria uma referência “ao que o animal foi criado para fazer”. Por exemplo, “cães pastores terão facilidade para cuidar de rebanhos”, “cães de guarda tomam conta de algo”, “sabujos rastreiam”, “cães de companhia percebem melhor sinais humanos e respondem ao nosso comportamento para fornecer conforto”. Não faria sentido comparar uma habilidade destas com a outra para saber que cachorro é “o melhor”. São apenas diferentes.

A segunda dimensão da inteligência canina seria a “adaptativa”. Essa seria a medida do que o animal é capaz de aprender por conta própria. “Inclui aprendizado e usufruto da experiência com o ambiente que o rodeia, resolver novos problemas, e assim por diante”. Ela pode variar entre indivíduos até da mesma espécie.

TESTE DE INTELIGÊNCIA

A empresa Dognition (dognition.com), fundada pelo pesquisador Brian Hare, oferece, por US$ 60, para todo o mundo, o serviço de avaliação do tipo de inteligência de seu cachorro – por meio de exercícios que você mesmo faz com o animal.

Desde sua fundação, no meio do ano passado, eles dizem já ter avaliado mais de 2.000 cães em quase 40 países. No entanto, ainda estão trabalhando nos dados para obter resultados conclusivos, que podem sair “nas próximas semanas”.

Segundo a empresa, haveria cinco principais categorias para as aptidões cognitivas caninas, divididas em categorias maiores: - Resolução independente de problemas 1)– Memória (guardar experiências passadas para fazer escolhas futuras) 2)– Raciocínio (deduzir a solução para novos problemas) - Resolução social de problemas 3)– Empatia (ler e responder às emoções alheias) 4)– Astúcia (utilizar informação alheia para evitar detecção) 5)– Comunicação (utilizar informação alheia para aprender sobre o ambiente)

Desse modo, ressalte-se que não é um teste para verificar quanto melhor ou pior o seu cachorro é em relação aos demais; é para verificar basicamente quais aptidões ele utiliza mais e menos.

A terceira dimensão seria “inteligência de trabalho e obediência”, que seria correspondente à “habilidade de aprendizado escolar”. Indicaria o que o cão pode aprender quando ensinado pelos humanos. É no que pensamos no caso de animais altamente treinados, como cães policiais, de resgate ou os cães-guia para cegos. Foi por meio desta inteligência que Coren dividiu 110 raças quando publicou seu mais famoso livro, “A Inteligência dos Cães”, cuja primeira edição foi lançada em 1994.

Para o autor, não fosse esta aptidão, “os cachorros não seriam capazes de realizar as tarefas pelas quais foram utilitariamente valorizados, nem seriam domesticados ou estariam entre nós agora”.

Coren só ressalta que nem sempre vale a pena ter como companhia um cão com “a melhor inteligência de trabalho e obediência”. Pois o animal costuma aprender tudo com seu companheiro humano, até mesmo o que ele às vezes não desejaria. Por exemplo, ele relata o caso de uma mulher cujo cachorro era tão inteligente que “aprendeu” a urinar no quarto dela toda vez que um homem jovem a visitava – pois percebeu que assim ganhava mais atenção.

Obediência e aprendizado

Falando de obediência, outro fator interessante é que os cães decidem quando obedecer, dependendo da percepção deles de que em dada situação será útil. A esse respeito, o livro “Genius of Dogs”, de Brian Hare e sua esposa Vanessa Woods, cita um estudo de Christine Schwab, da Universidade de Viena, na Áustria. A pesquisadora verificou que o critério maior para a obediência do cão era se os humanos com quem os animais lidavam estavam olhando diretamente para eles ou não – lendo um livro, por exemplo.

A observação é tão importante para os cães que é o modo como podem, por exemplo, aprender alguma tarefa complicada. Durante outro experimento citado pelo livro de Hare e Woods, cães tiveram, em relação a lobos, 10 vezes mais dificuldades para conseguir passar por um obstáculo com uma cerca em formato inusitado. Mas, se eles vissem um humano passando pelo desafio primeiro, resolviam rapidamente o problema em seguida.

Raças

No livro “Genius of Dogs”, os autores Brian Hare e Vanessa Woods apontam problemas em se diferenciar raças de cães pela cognição. Uma delas é que não há consenso quanto ao que seria uma “raça”. Se o Kennel Club (organização que lida com os cães) dos EUA reconhece 170 raças, o britânico reconhece 210, por exemplo.

Além disso, o principal critério hoje usado para a maioria das raças é a aparência. “Um retriever que não recupera alguma coisa [significado do verbo “retrieve”, em inglês], mas se parece como um retriever, ainda será classificado como um retriever”, exemplifica o casal de pesquisadores.

“Nem sempre os genes para a aparência acompanham os do comportamento”, explica a veterinária Carolina Rocha. O que demonstra a complicação de se fazer divisões cognitivas por “raças”. Apesar disso, historicamente as raças de fato eram divididas pelas funções.

A teoria que parece melhor aceita hoje a respeito, indicada tanto por Hare/Woods como por Carolina, é a de um grupo de pesquisadores húngaros, entre eles a bióloga Eniko Kubinyi, da Eötvös Loránd University. Eles dividem as raças de cachorros entre cinco conjuntos.

O primeiro grande grupo seria das (1) raças antigas (africanas e asiática). Todas as demais seriam “raças modernas europeias”. Dentre estas, estariam os (2) galgos (corredores observadores) / pastores; (3) cães de caça; (4) mastiffs/buldogues; e (5) cães de montanha.

Isso sem falar dos vira-latas, que no Brasil são especialmente misturados, bem mais que na Europa e Estados Unidos, segundo a veterinária.