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Paralisia de governos coloca luta contra mudanças climáticas nas mãos da sociedade civil

Poluição 2 - BBC
Poluição 2 Imagem: BBC

07/12/2018 11h37

"COP24? Acredito pouco". Assim como Anna Escande, fundadora de uma associação que recupera o desperdício de lojas de alimentos orgânicos em Paris, milhões de cidadãos se mobilizam no mundo diante da urgência climática, conscientes da inadequação da ação política.

Há vários anos, as ações da sociedade civil cobrem todas as frentes: de processos judiciais contra as autoridades por seu papel no aquecimento global - mais de 1.400 foram apresentados no mundo, de acordo com o Sabin Center for Climate Change Law de Nova York - , até a mudança dos hábitos cotidianos: maior consumo de alimentos locais, reciclagem, uso de veículos compartilhados, etc.

As passeatas, como aquelas anunciadas em 18 países para este sábado, e campanhas na Internet proliferam.

"A transformação está vindo de baixo, localmente: na França, nas regiões da Alemanha, Espanha, Grã-Bretanha, na costa leste dos Estados Unidos...", mas também na África subsaariana e no Sahel. As pessoas estão assumindo a responsabilidade, "porque sentem o desejo de agir", aponta o sociólogo francês Francis Chateauraynaud à AFP.

Escande, de 27 anos, cuja associação Éco-Charlie recupera mais de uma tonelada mensal de resíduos orgânicos para famílias carentes, concorda: "Querer participar ativamente da mudança é muito típico da nossa geração. Mas, ao nosso redor, vemos que todas as idades estão se envolvendo", afirma.

"A política global parece muito distante e desencorajadora. Os Estados Unidos deixaram o Acordo de Paris... Por isso, estamos nos concentrando no nível local", acrescenta.

Para Pascal Canfin, diretor-geral da WWF França, a luta contra a mudança climática "não pode se restringir à verticalidade".

"Começa individualmente e, de repente, há 5.000, 10.000 pessoas fazendo o mesmo. Não é uma gota de água", ressaltou Canfin no Global Positive Forum, realizado no mês passado em Paris.

Um caso paradigmático das limitações políticas sobre questões ambientais é o do ex-ministro da Transição Ecológica da França, Nicolas Hulot, que renunciou ao cargo em agosto pela falta de ambição do governo.

"Eu quero ser um dos porta-vozes (...) unir todos esses cidadãos, suas iniciativas. Não há apenas uma maneira de agir (...) há uma sociedade civil, e mesmo que não haja política, não é inútil", disse Hulot.

Mas até que ponto essas ações locais descoordenadas podem se somar no mundo?

A americana May Boeve, diretora-executiva da ONG 350.org, explica à AFP que "o movimento climático fez que cerca de 1.000 instituições no valor de mais de US$ 7 trilhões desinvestissem em combustíveis fósseis: de autoridades locais e universidades, passando por cidades como Nova York e países como a Irlanda".

Entre outras conquistas emblemáticas, Boeve cita a recente decisão judicial de suspender a construção do gasoduto Keystone XL em Montana, nos Estados Unidos, que representava graves riscos para o ambiente, ou campanhas locais no Brasil que conseguiram a proibição em algumas regiões do "fracking' (fratura hidráulica).

Mesmo os governos não podem ignorar o potencial da sociedade civil, segundo Christophe Itier, comissário para a Economia Social e Solidária do Ministério da Transição Ecológica da França.

Os governos estão percebendo que "devem abandonar parte de seu poder e oferecer mais espaço para aqueles que inovam. As políticas públicas tendem a ser 'prêt-à-porter', mas para o clima devem ser feitas sob medida. Essa é uma ambição compartilhada internacionalmente", disse Ither no Positive Planet.

Mesmo assim, Boeve lembra que, embora "a sociedade civil possa ser um motor de mudança, no final, são os políticos que devem mudar as leis".

E, por enquanto, vários indicadores não convidam ao otimismo.

A 24ª Conferência do Clima da ONU, realizada na Polônia, não está parecendo frutífera. No Brasil, está prestes a tomar posse um governo crítico da causa ambiental e, na França, o Executivo teve de abrir mão de um imposto ecológico sobre os combustíveis em razão dos protestos dos "coletes amarelos".

Nesse contexto, Escande prefere olhar para o futuro: "Um dia, serão as pessoas da minha geração que vão estar no poder e que poderão ser mais sensíveis" com a preservação do planeta