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Pobreza diminui capacidade mental das pessoas, segundo estudo de Harvard

Em Washington

29/08/2013 20h44

Os esforços para enfrentar problemas materiais básicos esgotam a capacidade mental das pessoas mais pobres, o que as deixa com pouca energia cognitiva para se dedicar à sua educação, destacou um estudo publicado esta quinta-feira (29) nos Estados Unidos.

Esta mobilização de capacidades cerebrais para superar situações estressantes, como a incógnita de saber se haverá dinheiro suficiente para alimentar a família ou pagar o próximo aluguel, pode representar uma redução de 13 pontos no coeficiente intelectual (CI) de uma pessoa, isto é, uma queda de 10% com relação à média da população.

Uma diminuição deste tipo das capacidades mentais equivale àquela que um indivíduo sofre ao perder uma noite de sono, explicaram os cientistas, cujo estudo foi publicado na revista americana Science.

"Para muitos pobres, estes problemas se tornam tão persistentes que é difícil se concentrar em outras coisas como educação, formação profissional ou inclusive a organização do tempo", explicou Sendhil Mullainathan, economista da Universidade de Harvard (EUA), um dos principais autores do estudo.

"Isto não significa que os pobres sejam menos inteligentes que os demais, mas que a pobreza mobiliza muita energia mental", insistiu. "É como um computador que é lento porque está carregando um vídeo longo demais".

"A pobreza costuma ser vista como resultado de fracasso pessoal ou a consequência de ter sido criado em um ambiente desfavorável, mas nosso estudo mostra que a falta de recursos financeiros pode, por si só, deteriorar as funções cognitivas", disse Jiayingt Zhao, professor adjunto de psicologia da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.

Para este estudo, os cientistas fizeram experimentos com 400 pessoas escolhidas ao acaso em um centro comercial de Nova Jersey, no Leste dos EUA, entre 2010 e 2011, com renda anual média de US$ 20 mil a US$ 70 mil (cerca de que varia de R$ 47.220 a R$ 165.270).

Aliviar preocupações

Os cientistas submeteram os participantes, divididos em dois grupos, um formado por ricos e outro por pobres, a situações diferentes, como ter que fazer um grande conserto no carro, ao custo de US$ 1.500 (R$ 3.540) ou pagar uma conta muito mais barata, de US$ 150 (R$ 354), e os submeteram a testes cognitivos e de controle.

Confrontados a problemas financeiros facilmente superáveis, os pobres obtiveram resultados comparáveis aos ricos nestes testes. Mas com problemas econômicos onipresentes, os menos favorecidos registraram resultados claramente inferiores às provas, com uma diferença de até 13 pontos de CI.

Os autores do estudo repetiram este experimento na Índia com agricultores que cultivavam cana-de-açúcar e que recebiam o fruto de seu trabalho uma vez por ano. Eles comprovaram que ficavam mais ricos um mês depois da colheira e muito pobres um mês antes de terminar seus ganhos do ano anterior.

Quando submetidos aos mesmos testes cognitivos feitos pelos grupos de Nova Jersey, nos EUA, os agricultores indianos vieram aumentar seu CI em quase 10 pontos depois da colheita em relação ao mês anterior, afirmaram os cientistas.

Os resultados destes trabalhos poderiam ter implicações no campo das políticas sociais e inspirar soluções para problemas vinculados à pobreza, sem aumentar ao contrário a quantia de ajuda financeira. Segundo eles, se trataria sobretudo de atender às preocupações que fazem reduzir a carga cognitiva dos pobres.

"Um dos grandes desafios nos Estados Unidos para as famílias de baixos rendimentos é encontrar uma creche para seus filhos", informou à AFP Eldar Shafir, professor de psicologia da Universidade de Princenton, outro coautor do estudo.

"É um enorme peso sobre suas capacidades mentais que, se não existisse, permitiria a estas pessoas ir trabalhar e aumentar seu CI", avaliou, destacando que "o sistema de apoio aos pobres está mais desenvolvido na Europa" do que nos Estados Unidos.