Hora de trocar o cadeado

Para Thorsten Stremlau, da Lenovo, senhas são ultrapassadas, e computador quântico trará desafios de segurança

Rodrigo Trindade De Tilt, em São Paulo

Quando um brasileiro pensa em Lenovo, o que vem na cabeça é um tipo de produto: notebook. A empresa chinesa é a líder neste mercado, que perdeu pompa ao longo desta década com o lançamento de smartphones e tablets. Mas a Lenovo não se restringe a computadores. Ela é dona dos smartphones da Motorola — ajudou, por exemplo, no desenvolvimento do recém-revelado Razr — e também produz acessórios inteligentes para a casa, uma tendência que chegou ao Brasil neste ano.

Antecipando essas novidades, Tilt teve uma conversa ampla com Thorsten Stremlau, diretor de tecnologia (CTO, da sigla em inglês) da marca. Mas o papo não se prendeu ao que temos hoje: especialista em segurança, Stremlau projeta o futuro com tecnologias que estão começando a se concretizar, como o 5G e a computação quântica. Quer um spoiler? Tem mudança a caminho.

Fora conhecimento técnico, Stremlau é um ótimo personagem que exemplifica como aparelhos como Google Nest Mini e Amazon Echo podem mudar nossa rotina. O executivo é alemão, mas vive há anos em Morrisville, Carolina do Norte (Estados Unidos), onde fica a sede ocidental da Lenovo.

Como nos contou, Stremlau tem uma residência repleta de alto-falantes inteligentes, prontos para atender a quase todo pedido da família. Isso compromete privacidade? Para o executivo, não, embora ele considere válida a preocupação de quem implica com essas tecnologias — e notícias recentes justificam essa paranoia.

Entusiasta das assistentes virtuais, ele acompanha a evolução da tecnologia de reconhecimento de voz desde o final dos anos 1990, quando trabalhou em um produto do tipo — hoje antiquado. Na época, Stremlau era um consultor de segurança da IBM, uma área que ele não abandonou.

Além de executivo da Lenovo, o alemão é membro fundador do TCG (Trusted Computing Group), um consórcio criado em 2003 para estabelecer padrões de segurança em tecnologias corporativas. Por conta dessa experiência, Stremlau alerta que a computação quântica traz um risco para a forma que guardamos nossos arquivos na atualidade.

O executivo também acredita que senhas são coisa do passado. Segundo ele, já existem alternativas mais seguras e convenientes para você no presente —falta apenas uma adoção em maior escala.

Como se escolhe uma assistente de voz?

Tilt: A Lenovo tem uma série de produtos que funcionam ou com a Alexa ou com o Google Assistente. Como vocês escolhem entre cada assistente virtual para produtos distintos e como negociam com essas empresas?

Thorsten Stremlau: Em todos os aspectos das tecnologias que trabalhamos, adotamos uma estratégia que chamamos de abraçar e expandir. Há líderes de mercado nessa indústria: Microsoft em sistemas operacionais e plataformas de nuvem como o Azure; a Amazon, com o AWS (Amazon Web Services) e a Alexa; e o Google também é líder em várias dessas tecnologias. Não é realista para a Lenovo entrar nesses mercados. Por isso abraçamos a tecnologia desses líderes, mas as estendemos com nossa própria tecnologia. Criamos em cima da tecnologia deles para fazer melhor, para tornar mais fácil ao usuário e melhorar o uso.

Por exemplo, temos um relógio inteligente, que usa uma parceria e a estende para um espaço de baixo custo, atendendo uma necessidade de usuário que não foi identificada pelo Google, Amazon ou Microsoft. Temos um time dedicado de experiência do consumidor que busca o dia inteiro o feedback de produtos da Alexa, do Google, Microsoft, Chrome, dos nossos produtos. Olhamos fóruns, as análises de usuários na Amazon, recebemos todas essas informações e, baseado no retorno do público, determinamos que esse é um bom produto e que vamos usá-lo.

Tilt: Atualmente, qual é a assistente virtual mais avançada para você?

Thorsten Stremlau: Cada uma delas tem pontos fortes em diferentes áreas. Depende muito no ecossistema que uma família já tem em casa. Uma "família Apple" usa FaceTime, usa Siri e está usando o iPhone provavelmente vai se prender a isso. Uma família que adotou a Alexa provavelmente vai se prender a isso pela integração com a Amazon, com as músicas e outros recursos. De novo, nós apenas abraçamos uma preferência de ecossistema definida pelo usuário. Não há nada de mais positivo, da nossa parte, que tenhamos visto em cada um desses [concorrentes].

Tilt: A Lenovo vende esses produtos nos EUA, mas não no Brasil. Começamos a receber alto-falantes inteligentes neste ano. Existe o interesse de trazer esses produtos para cá? E a Lenovo vê o Brasil e países em desenvolvimento como mercados para essas novidades?

Thorsten Stremlau: Deixa eu ser bem claro: o Brasil e até a América Latina são regiões extremamente importantes para nós. Eu sou alemão, mas tem alguns produtos que nunca lançaram na Alemanha e temos nos EUA e na China, ou que lançamos em outros lugares. Um exemplo é que lançamos vários produtos da Motorola no Brasil.

Tilt: A Motorola é a segunda maior no nosso mercado de celulares...

Thorsten Stremlau: E estamos trabalhando para virar o número um! Tem muitos produtos da Motorola que lançamos primeiro no Brasil e depois vão para os Estados Unidos e outros lugares. Cada produto, seja um assistente inteligente, um relógio inteligente, um Think Pad, quaisquer que seja, fazemos uma análise de mercado muito cuidadosa. Segurança e conformidade são da maior importância para nós. Isso significa que temos que passar por todas as certificações, toda a legislação de importação e tudo que acompanha isso, o que tipicamente determina se conseguimos lançar em um país.

Quando lançamos um celular da Motorola em um país, temos que pagar de US$ 50 mil a US$ 60 mil dólares em custos de certificação. Não inclui os impostos de importação, ou os custos de fabricação. Temos que considerar essas coisas sempre que vamos lançar em qualquer lugar do mundo. Tem mais um aspecto, que é: quão estratégico aquele produto é para nós naquele país? A nossa posição de liderança com a Motorola significa que o Brasil provavelmente será um país onde lançamos muitos produtos dela, em relação a desktops tradicionais.

Tilt: Você falou do processo de certificação. Como você avaliaria o brasileiro? É diferente de outros países ou similar? Imagino que cada país tenha suas especificidades.

Thorsten Stremlau: É caso a caso. Uma coisa que fazemos é trabalhar muito de perto no Brasil. Temos fábricas, pesquisa e desenvolvimento aqui para tornar a certificação mais fácil. Não é mais fácil ou difícil. Eu diria, como você comentou, específico para cada caso. Mas há outros países, não vou citar nomes (risos), em que é bem difícil certificar, mas o Brasil não está no topo dessa categoria.

Além do notebook: o que a Lenovo tem, mas não no Brasil

Lâmpada inteligente

Pela voz ou por app, você consegue controlar a iluminação de um ambiente

Tomada inteligente

Em vez de levantar e desligar o abajur no interruptor, basta pedir para a tomada fazê-lo

Smart Tab

Em vez de um tablet comum, este vira um alto-falante inteligente com Alexa quando colocado na estação

Smart Display

Funciona com o Google Assistente e é parecido ao Echo Show 5, da Amazon, que chegou ao Brasil em outubro

Para melhorar é preciso compartilhar

Tilt: Google Assistente, Amazon Alexa e até a Siri foram criticados recentemente por violarem a privacidade dos usuários. Isso é feito para melhorar o reconhecimento de voz, mas como a Lenovo se sente por usar esses serviços em seus produtos? Existe uma maneira de melhorar essas tecnologias sem essas violações?

Thorsten Stremlau: Infelizmente, para você conseguir reconhecimento de voz bom com a tecnologia que temos hoje, precisamos de uma amostragem muito, muito grande. E isso vale para Cortana, Alexa, Siri, Google Assistente. Toda a inteligência artificial precisa de uma amostragem grande para reconhecer voz.

Eu trabalhei no primeiro produto de reconhecimento de voz da IBM, que era chamado Via Voice Gold, e também estava disponível no Brasil (risos), em 1996. Foi há muito tempo e ele, aliás, era uma droga (risos). Quer dizer, em 1996 era o melhor que você podia ter, mas se comparado com o que temos hoje, esquece. A taxa de falha no reconhecimento de voz era de 10%, o que significa que a cada dez palavras, uma estava errada e precisava ser corrigida manualmente.

Infelizmente, a infraestrutura da nuvem e o compartilhamento é uma necessidade. E, sim, algumas pessoas consideram isso uma violação de privacidade. Eu acho isso ok. Mas também estamos trabalhando em um número de tecnologias que permitirão reconhecimento de voz local no futuro próximo, sem necessidade da nuvem, o que é importante para áreas em que a privacidade é muito sensível, como hospitais.

Tilt: Sinto que as assistentes virtuais não são muito úteis. Às vezes peço para Siri me dizer qual é a música que está tocando e, enquanto estou dirigindo, mandar uma mensagem ou ligar para alguém. Você considera que as assistentes precisam evoluir para se tornarem mais úteis para o usuário ou que elas já são?

Thorsten Stremlau: (risos) Minha resposta pessoal é: tente usar o Google e a Alexa. Eu uso ambos em quase todo dia, toda manhã. Eu tenho uma Alexa em todos os cômodos da minha casa, até nos meus banheiros! Tenho dois filhos, um de 14 e outro de 15 anos. Eu acordo eles pelo comunicador da Alexa. Quando eu digo "Alexa, estou saindo", ela aciona o sistema de alarme da casa automaticamente. Minha mulher usa para tocar música com o iHeartRadio ou Spotify.

Quanto ao Google Assistente, eu entro no carro — e eu sempre tenho um problema para falar Ei, Google em vez de Alexa — peço para navegar para lá, pergunto como está o trânsito, quanto tempo vai demorar a viagem, como está o clima. Sem brincadeira, antes de vir para cá, eu perguntei "qual é o clima em São Paulo". E vi que não estava quente, era inverno. Assistentes de voz já são uma parte muito importante da minha vida e eu as uso em quase todo lugar, assim como minha família. É preciso se acostumar.

O 5G vai mudar as assistentes como conhecemos?

Tilt: Já que falamos de aparelhos inteligentes, quão rápido você acha que eles irão mudar quando a tecnologia 5G se tornar popular e se espalhar pelo mundo?

Thorsten Stremlau: Isso é uma das coisas que temos avaliado. Eu não acredito que assistentes de voz vão mudar muito com o 5G. As coisas especiais do 5G não vão afetar muito o reconhecimento de voz: não é algo que necessite baixa latência, ou uma alta capacidade de banda, mesmo hoje. Mas suspeito que um reconhecimento mais avançado não só de voz, mas de câmeras que sentem se você está feliz, triste, chateado, qual é seu batimento cardíaco, sua pressão arterial... Não estou brincando, isso são coisas que, em um futuro próximo, você poderá fazer com uma câmera.

Com a tecnologia que temos hoje, podemos detectar se você está chateado. Dá até, dependendo de quão alto o som estiver, ouvir seus batimentos por meio do microfone. Isso não é usado. Hoje, com a câmera infravermelha podemos acompanhar o movimento dos seus olhos, detectando se você está nervoso ou tranquilo. Conforme a tecnologia de sensores vai avançando, é aí que eu acredito que o 5G se torna mais importante. Mas nas assistentes de voz e nos sistemas tradicionais de tecnologia de assistência por voz...

Tilt: Nos dispositivos inteligentes que temos em casa hoje, 5G não vai mudar muito, além da velocidade de conexão.

Thorsten Stremlau: Correto, mas você tem que lembrar que se olharmos a adoção do 5G, ele não vai se tornar popular da maneira que estamos falando até 2025. O custo de entrada no 5G ao equipar um sensor na câmera, equipar um relógio inteligente com 5G, vai aumentar o preço dele em US$ 150. Isso não vai ocorrer até a tecnologia se tornar mais presente.

Problemas quânticos de segurança

Tilt: Andamos por aí com um monte de dados pessoais armazenados nos nossos celulares, como conversas de WhatsApp e Telegram, que são criptografadas. A computação quântica vai afetar a maneira que protegemos nossas várias contas de internet?

Thorsten Stremlau: Certamente. A maioria da nossa tecnologia de criptografia de hoje depende de pares de chaves assimétricas e criptografia pública de chaves, que são tipicamente vulneráveis à computação quântica. Computadores quânticos são extremamente bons em encontrar números primos. Eles não são tão bons em algoritmos simétricos, como o AES-256, que é o algoritmo usado criptografar uma mensagem — esse está bem seguro, não temos que nos preocupar.

Algoritmos assimétricos que necessitam de números primos são uma das áreas chave afetadas pela computação quântica. As coisas que estamos fazendo não são só para o plano corporativo, mas estamos trabalhando muito no plano de segurança para alertar empresas dessa mudança e garantir que elas entendam que, talvez, mudar para um algoritmo diferente, como um de curva elíptica, que é mais forte contra a computação quântica.

Mas o que criptografamos hoje e colocamos na prateleira, pensando que está tudo certo e não precisamos nos preocupar, são coisas que, quando a computação quântica evoluir, talvez tenhamos que olhar de novo no futuro. Um advogado ou empresa que armazena meu testamento... imagina se eu guardo isso em uma chave de USB, criptografada. Eu espero viver bastante, mas em 20 anos, a computação quântica pode estar em um nível em que permitirá a leitura do que eu escrevi. Mesmo em situações como essa, como usuário final, eu talvez precise revisitar as chaves que usei para criptografá-lo.

Tilt: Computação quântica parece muito distante do usuário final que tem um smartphone ou notebook. Essa tecnologia vai chegar ao mercado consumidor no futuro ou será apenas uma ferramenta corporativa ou de pesquisa?

Thorsten Stremlau: Certamente. Você usa o Office 365? Aí você já está em um modelo híbrido, usando alguma da tecnologia Azure da Microsoft. Eles estão rodando isso nos servidores deles — sim, você também está usando seu PC —, mas é híbrido. A computação quântica é muito boa hoje para uma carga de trabalho bem específica. Se você vai a outras áreas, não é tão boa. Ela é ótima para números grandes e processamento rápido, mas não para jogos. Jogar em um computador quântico seria uma porcaria.

O que enxergamos para o futuro é que você terá uma nuvem híbrida que terá computadores quânticos e computadores comuns, e, basicamente, conforme você utiliza seu dispositivo, você estará usando essa infraestrutura híbrida de nuvem para otimizar a computação no seu aparelho. Mesmo num celular, se você fizer algo que necessita de algoritmos ou capacidades de computação quântica, a nuvem vai se voltar para a computação quântica para fazer isso, mas depois mudará para a infraestrutura normal para realizar outras coisas. Eu acredito que a computação quântica vai entrar no espaço do consumidor muito em breve.

A tela dobrável vai mudar o celular

Tilt: Você acha que a tecnologia da tela dobrável para celulares vai se firmar ou se será apenas uma moda temporária?

Thorsten Stremlau: Não respondo pela Motorola, mas pela Lenovo como uma empresa de tecnologia. Telas dobráveis são muito importantes para nós. Acreditamos que vai transformar a sua forma de trabalhar. Seu PC é muito grande hoje. Imagina se você pudesse dobrá-lo? E você tem isso [mostra um celular], um dispositivo bem pequeno que eu posso carregar na minha jaqueta. Mas quando preciso, posso abri-lo. Também posso convertê-lo em um aparelho dobrado ao meio, com o teclado na parte de baixo e o monitor no topo.

Estamos investindo muito dinheiro e tempo em tecnologias de tela dobrável e como elas vão alterar a forma como as pessoas trabalham, porque acreditamos que ela vai mudar muito o trabalho, mais do que qualquer outra tecnologia recente. Um pouco como telas sensíveis ao toque mudaram nossa forma de interagir com tecnologia. As telas dobráveis são a próxima evolução desse dispositivo.

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