Alô? É do futuro

15 anos depois do primeiro smartphone moderno, o que o futuro reserva para os nossos celulares?

Lucas Carvalho De Tilt, em Barcelona

Pelos últimos 15 anos, o celular foi nossa principal ferramenta de acesso à internet. Mais fácil de usar e mais acessível, ele substituiu o computador de mesa e virou o eletrônico mais importante em nossas vidas. Mas qual é o futuro do telefone móvel?

O que tem sido visto nos últimos anos é que o celular já não é mais o convidado de honra de grandes eventos de tecnologia e inovação. E isso pôde ser comprovado em duas das principais feiras de tecnologia do ano, a CES 2022 (Consumer Electronics Show), realizada em janeiro em Las Vegas, e a MWC (Mobile World Congress), em Barcelona no início de março.

Maior, pesado, mais poderoso e sem tanta inovação externa, o smartphone está mais parecido com um computador do que nunca: ainda imprescindível, mas cada vez menos um sonho de consumo.

"Entre 2016 e 2017, quando começamos a ver a China, o último grande mercado [de smartphones], deixar de crescer dois dígitos altos por ano, o mundo inteiro deu uma parada", explica Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa da consultoria IDC Brasil. "Atingimos a capacidade máxima do segmento."

O que vem a seguir? Com o metaverso batendo à porta, a aposta da indústria é de que o celular será nossa âncora de acesso à internet, cada vez mais complexo e potente. Porém, a verdadeira porta de entrada para os mundos virtuais serão os óculos inteligentes.

Embarque com Tilt numa jornada pelo passado, presente e futuro do smartphone, e conheça o seu substituto.

O que vem por aí

  • Carregador mais rápido

    O sonho da bateria que dura uma semana está distante. Mas o mercado investe em carregamento mais rápido. A chinesa Oppo mostrou na MWC 2022 um carregador de 240 W capaz de levar o celular de 0% a 100% em 15 minutos. A empresa Anker anunciou na CES um carregador de 100 W que permite o uso de três dispositivos juntos. Há projetos que também buscam praticidade: a Motorola trabalha numa recarga sem fio, feita pelo ar, sem contato entre o aparelho e a fonte de energia.

  • Selfie "invisível"

    Hoje a câmera de selfie costuma ocupar um furo (ou uma 'franja', como no iPhone) na tela do celular. Com displays cada vez maiores, a saída para não atrapalhar a experiência de uso é conseguir um jeito eficiente para torná-la invisível. A Samsung já usa essa tecnologia no Galaxy Z Fold3, escondendo o sensor com um painel de pixels que fica transparente quando você tira uma foto. A próxima etapa é melhorar o resultado dessa selfie, que ainda sofre com baixa qualidade e resolução.

  • Câmera traseira gigante

    A tendência é encontrar celulares com sensores maiores e com maior quantidade de megapixels (tem a ver com a resolução e tamanho da foto que a câmera irá formar). Na MWC, a marca chinesa Honor lançou um modelo com quatro lentes, sendo duas de 50 MP e outras duas de 64 MP. O mais comum hoje é ter apenas uma das câmeras com muitos megapixels. Recentemente, a Samsung anunciou um sensor de 200 MP, que deve começar a aparecer em celulares ainda em 2022.

  • "Monte" você mesmo

    Nos Estados Unidos e na Europa, leis que forçam as empresas a facilitar políticas de reparo e atualização de dispositivos podem abrir caminho para telefones modulares. Quando o seu começar a ficar lento, em vez de trocá-lo, será possível só aumentar a memória ou substituir o processador, como ocorre num PC. O Project Ara, do Google, encerrado em 2016, tentou popularizar o conceito, mas fracassou. Será que agora, por pressão legislativa, a ideia decola?

  • Tela enrolável

    A ideia dos celulares dobráveis é a de expandir o tamanho da tela sem perder mobilidade e qualidade de resolução. Pois é aí que entram os telefones enroláveis, que ainda não existem no mercado, mas já estão em fase de desenvolvimento em diversas empresas. A TCL apresentou na CES deste ano um protótipo que permite a pessoa esticar o display até virar um pequeno tablet.

  • Desbloqueio com veias

    Os métodos de proteção e desbloqueio têm ficado cada vez mais criativos. Desde a introdução do Face ID no iPhone X, de 2017, a indústria se dividiu entre os que apostam no reconhecimento facial e os que investem em leitores de impressão digital mais rápidos. Mas há ideias mais extravagantes, como o escaneamento das veias da mão, patenteado pela Oppo.

  • Adeus, portas

    A entrada para fones já vem sumindo e, conforme a tecnologia de carregamento sem fio avança, a entrada para carregador também deve desaparecer. Em 2019, o celular chinês Meizu Zero surpreendeu ao chegar sem entrada para fios ou cabos. Não tinha nem botões: sensores de pressão serviam para ligar, desligar ou mudar o volume. Há rumores de que a Apple seguirá o mesmo caminho em breve.

  • Adeus, cartão SIM

    Esqueça o chip de operadora: no futuro, celulares usarão por padrão o eSIM, uma espécie de chip virtual, que só existe em códigos dentro do sistema. A Apple já prepara um iPhone que funciona exclusivamente com eSIM, e a próxima versão do sistema operacional Android já possui os códigos necessários para um telefone funcionar sem um chip físico.

Os números não mentem: o smartphone moderno está ficando mais parecido com um PC. Desde o lançamento do primeiro iPhone, em 2007, até o mais recente dobrável da Samsung, o Galaxy Z Fold3, os celulares inteligentes têm ficado maiores, mais grossos e mais pesados.

O iPhone 3GS, por exemplo —primeiro smartphone moderno sem teclado físico vendido no mundo inteiro, inclusive no Brasil, em 2009—, tinha uma tela "gigante" para a época: 3,35 polegadas (8,89 centímetros de um canto ao outro na diagonal). Hoje, essas medidas já são consideradas ultrapassadas. O dobrável Galaxy Z Fold3, primeiro a ser vendido em larga escala em todo o mundo, em 2021, tem uma tela interna de 7,6 polegadas (19,3 centímetros).

As câmeras também ficaram maiores e mais sensíveis. Elas se multiplicaram em sensores duplos, triplos ou quádruplos, giratórios ou escondidos em furos na tela. O Lumia 1020, lançado pela Nokia em 2013, foi pioneiro em usar lentes profissionais e um sensor de 41 megapixels; mas acabou superado pelo LG G5 (2016), que popularizou os telefones com mais de uma câmera, e pelo Zenfone 6 (2019) que inovou com uma câmera tripla que girava para ser usada atrás ou na frente.

A bateria foi outra configuração que só cresceu com os anos. Em 2020, a popular Xiaomi surpreendeu ao lançar o Poco X3 com nada menos que 6.000 mAh (carga suficiente para quase três dias).

Os processadores ficaram tão potentes que já podem ser comparáveis aos de notebooks. Alguns celulares têm mais memória RAM (que ajuda no desempenho) e espaço interno de armazenamento que muito PC.

Essa evolução toda custou estética: celulares nunca foram tão grandes e pesados como hoje. O primeiro iPhone (2007) pesava só 136 gramas; o gigante iPhone 13 Pro Max (2021) pesa 240 gramas. A espessura também mudou: os 7,7 milímetros de um LG G5 (2016) viraram os 15 milímetros de um dobrável fechado, como o Galaxy Z Fold3.

Acima vemos como celulares estão adquirindo configurações próximas ao de notebooks. Na imagem, comparamos dois modelos de referência em suas respectivas categorias: o Dell XPS 13, um dos notebooks Windows mais vendidos e poderosos disponíveis no Brasil; e o Galaxy S22 Ultra, top de linha mais popular entre os Androids atualmente no mundo.

Ambos possuem telas que exibem milhões de pixels. A vantagem de um PC, porém, é que ele ainda consegue rodar jogos e programas de edição bem mais complexos do que os aplicativos e games num celular. Além disso, ele trabalha em conjunto com uma placa de vídeo mais poderosa (que simplesmente não cabe no formato compacto de um telefone).

O mesmo vale para o processador. Os modelos de celulares mais avançados executam cada vez mais tarefas complexas e rápidas. Porém, a finalidade de uso é o que vai contar na hora da comparação. O notebook de quatro núcleos do XPS 13 acaba sendo melhor do que o chip de oito núcleos do Galaxy S22 Ultra para editar profissionalmente uma imagem ou vídeo com altíssima resolução. Ao mesmo tempo, é muito mais burocrático usar redes sociais pelo computador. Logo, o uso do smartphone é mais adequado.

"As peças são praticamente as mesmas. Eu posso fazer quase as mesmas coisas no celular e no computador, só que de uma maneira mais restrita [no smartphone] por conta até da interface. A tela é menor, eu não tenho um teclado para escrever grandes textos... mas poderia até ter, usando um teclado externo", diz Angelo Sebastião Zanini, coordenador do curso de engenharia de computação do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia).

Igualmente, o volume de memória de um celular tem funções diferentes da memória de um PC. "As arquiteturas são similares, porém as memórias RAM de um celular são projetadas para consumirem pouca energia, oferecendo taxas de transferência de dados elevadas e tamanho reduzido", explica Nuncio Perrella, professor no curso de engenharia da computação do IMT.

Já o armazenamento é parecido: com 1 TB, você pode guardar muitos programas e arquivos no PC, enquanto, no celular, a maior parte é ocupada por fotos e vídeos gravados com o próprio aparelho e compartilhado em apps de mensagens e redes sociais. Para muitos, o armazenamento do computador não passa de um backup. Já o do celular é quase uma extensão da nossa memória.

Nos últimos anos, a diferença entre essas peças também vem diminuindo. A Apple, por exemplo, já usa nos computadores a mesma arquitetura dos seus processadores de celular, feitos para consumir menos energia. E já há marcas de telefone, como Xiaomi e Lenovo, usando unidades de armazenamento em estado sólido (SSDs), comuns em PCs, para armazenamento de celular.

O que vem depois do smartphone?

Após 15 anos como protagonista da nossa vida digital, em breve o celular deve começar a dar lugar a um novo eletrônico: os óculos inteligentes. É a aposta de alguns gigantes da tecnologia, da Apple ao Facebook.

"Investimos nessa tecnologia há 10 anos por causa dessa visão de que eventualmente ela pode se tornar tão grande quanto ou até substituir o smartphone", diz Cristiano Amon, presidente executivo da Qualcomm, que desenvolve os chips dos principais smartphones do mundo.

"Se você olhar hoje no seu smartphone, verá que está limitado pelo tamanho da tela. Os nossos processadores têm uma capacidade de processamento muito maior do que o que você pode ver com essa tela. Por que não eliminar essa restrição?"

Mark Zuckerberg, fundador da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, já investiu mais de US$ 10 bilhões no seu projeto de metaverso, que passa pelo desenvolvimento de óculos que nos permitam ver, sem esforço, o mundo digital em três dimensões.

Até agora a aposta só rendeu protótipos e um par de óculos, feito em parceria com a Ray-Ban, que permite tirar fotos e gravar vídeos curtos. Vale reforçar que os smart glasses que Zuckerberg quer são diferentes de óculos de realidade virtual (RV) para games, que a empresa já vende por meio da subsidiária Oculus, comprada em 2014 por US$ 2 bilhões.

É um setor que deve atrair (e gastar) ainda muito dinheiro até chegar aos consumidores finais. Algumas apostas para os óculos são:

  • Lente transparente que também seja capaz de reproduzir gráficos em alta definição para quem usa o dispositivo.
  • Medidores de saúde a partir de sensores variados.
  • Câmeras de monitoramento para que os óculos alertem de eventuais perigos caso a pessoa se distraia com o que está vendo dentro do óculos.
  • Som por condução óssea em que uma pequena vibração na cabeça é usada para reproduzir sons de músicas e vídeos sem precisar de fones de ouvido.

Quando isso acontecerá?

Fazer todas essas tecnologias funcionar no formato leve e compacto de um par de óculos ainda é um enorme desafio. Por isso, é provável que se leve alguns anos até dispositivos do tipo passem a fazer parte do nosso dia a dia.

A expectativa do setor é de que o segmento começará a decolar de verdade quando a Apple anunciar o seu aguardado visor de realidade aumentada, em desenvolvimento secreto há anos.

Para Reinaldo Sakis, da IDC, os óculos inteligentes só têm um rival na linha sucessória do smartphone: os smartwatches, relógios inteligentes que também vêm crescendo em vendas nos últimos anos, principalmente pelas funções de saúde que ganharam mais relevância durante a pandemia.

Sejam óculos ou relógios, a aposta de Sakis é que o sucessor do smartphone será mesmo um aparelho para ser usado no corpo. Mas não pense que o celular irá sumir de vez no futuro. "Armazenamento e capacidade ainda são uma limitação para os vestíveis, por conta de espaço. O celular ainda vai ter mais bateria, mais antenas para 5G... Vai continuar como uma âncora da nossa vida digital, assim como o PC", conclui.

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