A Griaule é um caso de simbiose entre iniciativa privada e academia. Fundada em Goiânia, em 2002, a ainda startup se mudou no ano seguinte para Campinas (SP), onde foi incubada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Nunca mais voltou.

"O conhecimento é o pilar da empresa, é o que embasa nossa tecnologia. O motivo de termos continuado em Campinas é exatamente o acesso a pessoas qualificadas e ao ecossistema tecnológico que ocorre na Unicamp", diz Weber. As soluções nascem na empresa, mas contam com pesquisa de professores e alunos da universidade.

Tilt - Você tem ideia de quantos brasileiros têm a biometria submetida à tecnologia da Griaule?
João Weber - Olha, quase toda população está na tecnologia Griaule. Só no TSE, temos metade da população. Hoje, ela é a maior base biométrica do Brasil, com 120 milhões de pessoas cadastradas. No setor bancário, temos algum dos principais bancos do Brasil, como Caixa Econômica e Santander. Quando você vai a um caixa eletrônico sacar dinheiro pela biometria, está passando pelo sistema Griaule. Quase a totalidade da população já teve contato com a nossa tecnologia. Às vezes sem saber.

Tilt - E o que pode ser feito com a tecnologia da Griaule?
João Weber - A nossa solução envolve desde a coleta da biometria, por exemplo, quando você faz seu cadastro para tirar um documento de identificação, um RG, quanto a parte de identificação digital ou facial. Quando a polícia encontra um vestígio na cena do crime, um perito vai lá, aplica um pozinho sobre esse vestígio de impressão digital, tira uma foto e lança esse fragmento no sistema para identificar a pessoa. O sistema pega essa imagem e compara contra toda a base de dados para ver de quem é aquela biometria. Com o reconhecimento facial, você pode ter vigilância por vídeo. Se tiver uma câmera de segurança e um suspeito for filmado, posso fazer o reconhecimento dele.

Tilt - Como a perícia da polícia usa sua tecnologia?
João Weber - A Griaule fornece para policiais tanto o reconhecimento facial quanto as outras biometrias também. Algumas polícias estaduais usam nossa tecnologia para investigação forense, como o Distrito Federal e Minas Gerais. O TSE também está começando a disponibilizar a tecnologia deles para polícias, que ainda não têm orçamento para adquirir a solução. O TSE coleta a biometria dos eleitores e faz o processamento no servidor para identificar se há falsidade ideológica nos cadastros eleitorais. Ou seja, se uma pessoa tenta usar uma identidade falsa para votar mais de uma vez. Nos servidores, essa biometria é processada para ver se não há nenhuma biometria diferente já cadastrada [em nome daquela pessoa]. Com isso, o TSE já encontrou mais de 40 mil coincidências biométricas no seu sistema. O mais famoso é o caso de um indivíduo que tinha 58 identidades falsas e tentou ter 58 títulos falsos de eleitor. Ela poderia ter 58 contas no banco, fazer 58 empréstimos. O impacto é muito grande.

No cenário criminal, as parcerias do TSE com as polícias federal, estaduais e civis viabiliza pesquisas na base. Isso permite que elas não só tenham acesso a muitos dados, pois é a maior do Brasil, mas também que resolvam crimes de forma mais facilitada.

Um caso que aconteceu recentemente foi no Piauí. A polícia localizou no fim de 2019 dois cadáveres em uma agência dos Correios. Eles foram assassinados. Como não conseguiram identificar, entraram em contato com o TSE, enviaram as biometrias dos cadáveres e graças a isso conseguiram identificá-los, porque estavam na base nacional. Veja o impacto que a tecnologia traz para a sociedade: a família pode ser notificada, e esses cadáveres foram enterrados com uma identidade, em vez de dados como indigentes.

Tilt - Como o software de vocês foi parar no FBI e no Departamento de Defesa dos EUA?
João Weber - Foi uma grande vitória. A gente se enche de orgulho quando vê os resultados que está atingindo em projetos nesse nível no principal mercado de tecnologia, que é o dos EUA. O projeto veio com nossa expansão no mercado norte-americano. Hoje, temos escritório lá, com funcionários e estrutura. Isso refletiu no contrato com o Pentágono, que atualmente possui um dos maiores sistemas de biometria com enfoque militar do mundo. É hoje o que mais pega terrorista. Traz muito resultado para a sociedade.

Nos EUA, o uso do sistema é para segurança nacional. O nosso sistema é usado para dois países, Iraque e Afeganistão. É um contrato muito grande tanto de tecnologia quanto de capacidade do sistema.

Tilt - O sistema de vocês faz parte dessa caça a terroristas?
João Weber - Ele é usado para identificar terroristas também. O sistema é usado para cadastrar a população, assim como terroristas e criminosos. Vou dar um exemplo para ficar mais fácil de entender: quando a polícia ou o Exército dos EUA, Iraque ou Afeganistão encontram bombas de beira de estrada, desarmam e fazem uma perícia no artefato. O perito tenta identificar fragmentos de impressões digitais nessa bomba. Quando lança no sistema, pode localizar esse terrorista ou, caso não haja registro daquela pessoa, armazena a impressão no sistema. Se a polícia encontra um segundo ou terceiro artefato explosivo e encontra neles a mesma biometria, consegue saber que foi o mesmo terrorista que implantou essas bombas. É uma ferramenta muito poderosa para a investigação policial e para a segurança nacional.

Tilt - Imagino que, para fornecer tecnologia pro Pentágono, qualquer empresa tenha de passar por um grande escrutínio técnico. Como foi?
João Weber - Foi um processo bem extenso, de vários meses. O Pentágono analisou tecnicamente as soluções das várias empresas que fizeram a proposta para ver qual era a que melhor se encaixava para a aplicação deles. Foram centenas e centenas de páginas descritivas e de informação técnicas. Com isso, ele verificou:

• a acuracidade de cada algoritmo de reconhecimento facial, impressão digital ou palmar, sejam eles encontrados em vestígios ou fragmentos em cenas de crime;
• as principais certificações que a tecnologia detém;
• a capacidade de a empresa estar em outros projetos;
• os resultados que a empresa teve em outros projetos de biometria internacional;
• a arquitetura do sistema, se é um sistema que não fica offline;
• a contabilidade e a segurança de informação do sistema.

Tilt - Qual é o projeto mais desafiador?
João Weber - Cada cliente tem seu desafio. Tem projetos em que o sistema tem de ficar online 100% do tempo, não pode se desligar. No cenário bancário, por exemplo, se o sistema fica offline, o cliente não vai conseguir sacar o dinheiro. Isso tem impacto grande. Cenários como o do projeto do Pentágono envolvem desenvolvimento e instalação da solução lá no Iraque e Afeganistão. Isso é feito na companhia de militares e pessoal habilitado pelo governo americano com acesso a informação privilegiada, em um ambiente muito desafiador. Além disso, você é acompanhado de pessoal armado.

Tilt - Por outro lado, vocês também têm tecnologia para identificar bebês.
João Weber - Esse projeto de reconhecimento neonatal é muito bacana. Hoje, no Brasil, a questão de troca de bebês em maternidade é um problema muito presente. Infelizmente, ocorre de forma muito frequente. Há sequestros de crianças em maternidades, vendas de crianças, tráfico internacional.

Tilt - Você se sente responsável por uma família não ser desintegrada?
João Weber - É um problema muito sério e não tem a repercussão que deveria ter. Cria um transtorno enorme para as famílias e para o próprio bebê. Volta e meia, você vê notícias de pessoas que foram trocadas na maternidade e descobrem 30 anos depois. A biometria para identificar o recém-nascido traz um benefício enorme para a sociedade, porque a mãe que sai da maternidade tem certeza de que o bebê realmente é o dela, além de prevenir ações criminosas. Garantir a segurança e o direito à identidade dos recém-nascidos desde o nascimento é primordial e essencial.

Um exemplo é o que aconteceu no Distrito Federal. Acharam um recém-nascido abandonado em um beco. Como reconhece? É difícil. Se não tem biometria do bebê, não dá. Neste caso, pegaram a fralda e encontraram o hospital de onde ela vinha. Fizeram uma perícia e acharam um fragmento de impressão digital da mãe. Graças a isso, identificaram a mulher que abandonou a criança. Se já tivesse um sistema que cadastrasse a impressão da palma do bebê, teria mais facilidade para prevenir casos de abandono. Os hospitais de Minas Gerais foram os primeiros [a instalar esse recurso], mas hoje há outros que estão aderindo à nossa tecnologia.

Tilt - Como isso funciona?
João Weber - A gente usa a palma da mão, porque as impressões digitais do recém-nascido são muito pequenininhas ainda. Você precisa de um equipamento muito caro e muito difícil de encontrar para fazer a leitura da impressão do dedinho. A gente usa leitores mais baratos, aqueles para cadastrar impressão digital de adultos. Cabe certinho a palma do bebê.

A coleta da impressão palmar é feita na hora do nascimento e é vinculada à Declaração de Nascido Vivo da criança. O sistema também vincula as informações biométrica da mãe já registradas. Isso garante que, na hora de sair da maternidade, você saiba quem é o bebe e quem é a mãe responsável pela criança.

Tilt - Sempre ouço que a biometria das impressões digitais é mais confiável do que o reconhecimento facial. Isso ainda é verdade?
João Weber - Hoje, no estado da arte da tecnologia, a impressão digital ainda tem maior acuracidade do que o reconhecimento facial. A grande vantagem é que ela não muda. Sua impressão digital é a mesma desde quando você nasce até sua morte. Há uma garantia maior. Ainda assim, o reconhecimento facial vem avançando de forma acelerada nos últimos anos e sua assertividade aumenta a cada dia. O mercado de reconhecimento facial cresce, mas a maioria dos usos no Brasil quanto e no exterior é de impressão digital. Também vem surgindo o alinhamento das várias biometrias para fazer uma análise multibiométrica.

Tilt- Sempre quando se fala em reconhecimento facial, associa-se a políticas de monitoramento. É possível dissociar uma coisa da outra?
João Weber - O reconhecimento facial é relativamente recente. Como qualquer tecnologia nova, as aplicações vêm evoluindo também e o monitoramento, videovigilancia, é um dos diversos cenários em que ela é usada. Mas há outros. Com a crise do coronavírus, ela pode ser usada como ferramenta para garantir bons resultados das políticas de distanciamento social. É possível, por exemplo, verificar as pessoas que estão usando máscara e analisar a aglomeração de pessoas. Dá também para monitorar pessoas infectadas e aliar o reconhecimento facial com a medição da temperatura das pessoas. São diversos usos que podem ser explorados para atingir resultados distintos.

Tilt - Você falou em uso multibiométrico. Um dado biométrico só não é suficiente para identificar uma pessoa?
João Weber - Você até pode usar uma modalidade biométrica apenas. Entretanto, uma pessoa possui diversas biometrias. Cada uma delas tem um melhor cenário de uso. O reconhecimento facial é muito útil para videovigilância, monitoramento de lugares. A impressão digital ajuda no reconhecimento de fragmentos em cenas de crime ou detectar fraudes ideológicas. Você pode usar só uma modalidade, mas, quando alia diversas ao mesmo tempo, tem capacidade maior de identificar a pessoa.

Tilt - Qual o futuro das tecnologias biométrica?
João Weber - A tecnologia está caminhando para cada vez mais ter facilidade e tornar algumas modalidades, como o reconhecimento facial, mais populares, mas sem ser muita invasiva e exigir interação do usuário. O caminho é permitir a identificação da biometria remotamente.