A história revisitada

Telescópio James Webb chegou com sucesso ao espaço; agora veja os mistérios que ele pode desvendar

Renata Baptista e Bruna Souza Cruz De Tilt, em São Paulo Nasa/MSFC/David Higginbotham

O 25 de dezembro de 2021 não foi apenas mais um dia de Natal. Astrônomos e fãs do espaço lembrarão da data como o pontapé de uma grande revolução científica: o lançamento do Telescópio Espacial James Webb. Após quase 30 anos de desenvolvimento, o equipamento de US$ 10 bilhões já está posicionado para ser os nossos novos olhos no espaço.

Tilt já mostrou em detalhes como ele foi montado e como funcionará fora da Terra. Agora, contamos como essa jornada rumo ao desconhecido aconteceu e o que os cientistas esperam das primeiras imagens.

O James Webb deve desvendar a formação das primeiras galáxias e nos dar pistas sobre possíveis origens da vida. A expectativa é grande!

Terra, mar e ar

A primeira parte da viagem durou 16 dias e percorreu 9.300 km. O motorista do caminhão que carregava o telescópio saiu da Califórnia (EUA) e manteve uma velocidade de 11 km/h, desviando de semáforos e com todos os buracos nas ruas já mapeados.

Quando chegou ao mar, o navio MS Colibri assumiu o transporte, mas, como não podia balançar muito, manteve uma velocidade de 27 km/h. Ainda existiam sete pontes entre o aeroporto de Caiena, capital da Guiana Francesa, e a base espacial europeia em Kourou, na Guiana Francesa, mas todas foram cruzadas com sucesso.

A segunda parte da viagem foi mais longa, mas com menos obstáculos: a nave andou 1,5 milhão de km até sua órbita final, mas em linha reta e sem baldeações.

Show de abertura

O telescópio então precisou cumprir uma série de procedimentos complexos até chegar ao Ponto de Lagrange L2, onde os objetos celestes sofrem menor influência gravitacional da Terra e do Sol e ficam "estacionados".

Para caber na estrutura do foguete, foi compactado. Já no espaço, abriu-se como um origami até ficar do tamanho de uma quadra de tênis.

Eram cerca de 7.000 peças, incluindo 400 polias e oito motores, no corpo do telescópio e só seu escudo de proteção solar tinha cerca de 150 mecanismos diferentes de abertura.

Veja a abertura das asas no vídeo abaixo:

Jogos de espelhos

O James Webb usará seus 18 espelhos hexagonais — que juntos formam um grande espelho dourado — e uma série de sistemas eletrônicos avançados para enxergar o passado usando luz infravermelha, uma onda que não pode ser percebida por nossos olhos, explica o astrônomo Thiago Gonçalves, do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As imagens geradas serão enviadas para a Terra, processadas por computadores e então analisadas por cientistas de diferentes partes do mundo — do Brasil, inclusive.

"Por usar luz infravermelha, ele consegue captar muita luz dos objetos mais fracos [em luminosidade] e ver mais coisas. Por causa da expansão do Universo, a luz vai ficando cada vez mais vermelha, digamos assim, então as galáxias mais distantes, as primeiras do Universo, poderão ser vistas por ele", explica Gonçalves, que também é colunista de Tilt.

Com essa habilidade inédita, os cientistas pretendem achar respostas para muitos mistérios. Veja abaixo alguns exemplos.

Explorar galáxias e...

  • Descobrir a origem do Universo

    Quanto mais antigo um objeto, mas distante ele está e mais tempo sua luz leva para chegar até nós. O material coletado pelo James Webb ajudará os cientistas a terem muito mais informações sobre a origem e evolução do Universo e como as primeiras galáxias se formaram, há bilhões de anos.

  • Encontrar o centro da Via Láctea

    O centro da nossa galáxia é um buraco negro 4 milhões de vezes mais pesado que o Sol com milhões de estrelas girando ao seu redor, em velocidade vertiginosa. Esse ambiente é banhado por intensa luz ultravioleta e radiação de raios-X. Hoje, não conseguimos ver essa atividade por causa das vastas faixas de poeira interestelar, mas o James Webb é capaz de enxergar os objetos escondidos ali.

Explorar o Sistema Solar e...

  • Marte

    Em 2018, uma tempestade de poeira cobriu Marte --inclusive os painéis solares do rover Opportunity, da Nasa, que estava ali e foi afetado. O James Webb será capaz de monitorar o clima do planeta e coletar informações sobre tempestades de poeira, sem risco.

  • A Grande Mancha Vermelha de Júpiter

    O James Webb usará seus recursos infravermelhos para estudar a maior e mais famosa tempestade de Júpiter: a Grande Mancha Vermelha. A ideia é criar mapas multiespectrais do fenômeno e analisar suas estruturas térmicas, químicas e de nuvens.

  • A atmosfera dos 'gigantes de gelo'

    O James Webb poderá detectar as impressões digitais químicas únicas presentes nos gases das atmosferas superiores de Urano e Netuno. Isso servirá para responder como elas se formaram e se foram, por exemplo, produzidas pela interação da luz do Sol com esses gases.

  • O sistema climático de Plutão

    O telescópio pode dar respostas mais concretas sobre a atividade geológica na superfície de Plutão e sobre as chances de ele abrigar um oceano em seu interior, complementando as observações feitas pela nave espacial New Horizons, da Nasa, em 2015.

Explorar estrelas e buracos negros...

  • Calcular a massa dos buracos negros

    A maioria das galáxias contém um buraco negro supermassivo e medir a massa dos corpos celestes mais brilhantes do Universo é importante para determinar como eles se alimentam e afetam os arredores. Como é possível que esses corpos tenham se tornado tão gigantescos? Por que e como se tornaram tão brilhantes? A compreensão sobre os buracos negros é considerada uma caça ao tesouro cósmico.

  • Investigar o nascimento das estrelas

    Para entender como estrelas (como o Sol) se formaram, precisamos conseguir olhar bilhões de anos no passado. E é isso que o James Webb deve fazer: funcionar como uma espécie de máquina do tempo e revelar a formação de estrelas em seus estágios iniciais, quando tudo envolvia gás e poeira cósmica.

Explorar exoplanetas e...

Os astrônomos calculam que existam milhares de planetas que orbitam outras estrelas que não o Sol. Hoje, não conseguimos registrar esse grande volume em fotografias, mas o novo telescópio vai ajudar nisso.

"As imagens vão ser muito mais nítidas", diz Thiago Gonçalves.

O astrônomo explica que dará para ver as moléculas presentes nas atmosferas de planetas e exoplanetas. Se alguma indicar presença de vida, o telescópio será capaz de registrar. E é aí que começarão estudos mais aprofundados de vida extraterrestre.

Detectar vida fora da Terra

O espectrógrafo de infravermelho, instrumento usado para medir a intensidade da luz de um corpo celeste em diferentes comprimentos de onda, vai coletar dados sobre a composição química de exoplanetas e avaliar se eles atendem requisitos que indiquem vida fora da Terra — como presença de oxigênio.

"Quando um planeta passa na frente de uma estrela, a luz da estrela passa pela atmosfera do planeta", explica a Nasa.

Essa luz é absorvida por diferentes elementos e moléculas. Se um planeta tiver, por exemplo, sódio, metano ou água, poderemos detectar essa "assinatura".

Encontrar novos planetas

Tradicionalmente, cientistas descobrem exoplanetas ao capturar imagens usando instrumentos chamados coronógrafos, que bloqueiam o brilho das estrelas da mesma forma que você usaria sua mão para bloquear a luz do Sol.

Apesar de a técnica ser avançada e ter ajudado na exploração espacial, ela é limitada. O James Webb foi construído para capturar imagens com mais precisão, filtrando essa luminosidade intensa, e poderá visualizar se ao redor das estrelas orbitam planetas.

Durante a construção do telescópio pela equipe da NASA | Foto: Chris Gunn

Missões brasileiras

Duas propostas brasileiras foram aprovadas pela Nasa na concorrência para usar o novo telescópio espacial.

A pesquisa da astrônoma Catarina Aydar, da USP (Universidade de São Paulo), vai explorar galáxias de quando o Universo era bem jovem.

E o Grupo de Astrofísica da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), liderado pelo professor Rogemar André Riffel, vai observar os ventos dos buracos negros —junto com os pesquisadores Marina Bianchin, Thaisa Storchi-Bergmann e Rogério Riffel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e a pesquisadora Nadia Zakamska, da Johns Hopkins University, dos Estados Unidos.

  • Galáxias

    Como se formaram os buracos negros supermassivos e como se relacionam com suas galáxias hospedeiras? É isso que Catarina Aydar busca responder. O infravermelho do James Webb facilitará a análise do perfil de ionização, da metalicidade (propriedades que caracterizam o metal), da densidade e até da massa do buraco negro central.

  • Buracos negros

    Qual o papel dos ventos de gás molecular, da radiação e do disco de acreção (acumulação de matéria na superfície de um astro pela ação da gravidade) nos buracos negros supermassivos. Este é o foco do segundo projeto, que usará o telescópio para mapear a cinemática do gás -- ou seja, a pressão que ele exerce em outros corpos-- em diferentes temperaturas.

Estamos influenciando as próximas gerações. As pessoas veem que é possível chegar lá e trabalhar com tecnologia de ponta para desvendar os mistérios do Universo antigo e de onde viemos. Quando estudamos o passado, conseguimos caracterizar as atividades daquela época. Estamos tentando entender a nossa história e o que aconteceu no Universo até chegarmos no instante em que estamos.

Catarina Aydar, física e pesquisadora da USP

Foram programadas cerca de 16,2 horas de telescópio para as observações a partir de maio de 2022. Os objetos [a serem estudados] são candidatos a apresentarem ventos de gás molecular potentes e a cinemática será estudada a partir de uma região somente acessível por telescópios espaciais, já que a atmosfera terrestre bloqueia a maior parte da radiação nessas frequências.

Rogemar André Riffel, doutor em física e professor da UFSM

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