Admirável chip novo

Do celular ao carro: CEO Cristiano Amon quer "um pouco de Brasil" em todas as tecnologias da Qualcomm

Lucas Carvalho De Tilt, em Barcelona*

Dizem que dá para encontrar brasileiros em qualquer lugar do mundo. Na MWC (Mobile World Congress), maior evento global de tecnologia móvel, realizado em março em Barcelona, um dos executivos mais badalados era, justamente, um brasileiro: Cristiano Amon, presidente-executivo (CEO) da Qualcomm, empresa há mais de 30 anos no mercado de chips para eletrônicos.

Nascido em Campinas (SP), o engenheiro de 49 anos faz parte do seleto grupo de líderes das maiores empresas de tecnologia. É a Qualcomm que desenha os processadores dos celulares Android mais populares do mercado, da Samsung à Xiaomi, e o modem 5G do iPhone. Há chips da empresa em relógios, notebooks, TVs e até carros.

Para o futuro próximo, o executivo aposta em óculos inteligentes para substituir os celulares. E mesmo que o obstáculo para inovações como essa seja a escassez de chips que afeta toda a cadeia produtiva de semicondutores, ele está otimista: "a oferta deve melhorar à medida que nos aproximamos do segundo semestre de 2022", diz, apostando no fim da pandemia de covid-19.

Há 26 anos nos EUA, o brasileiro não disfarça o sotaque norte-americano e os anglicismos em seu vocabulário. Mas gosta de pensar que, graças a ele, tem um pouco de Brasil em todos os eletrônicos que usamos. "Eu acredito naquela máxima de que o Brasil não é para principiantes", afirma.

O futuro é móvel

Tilt: O que achou da MWC deste ano? Quais tendências chamaram sua atenção?

Cristiano Amon: A primeira coisa é que foi muito bom a feira voltar [ao presencial]. É uma feira importante, sempre foi. Vê-la de novo com várias empresas, várias pessoas e reuniões... todo mundo in-person [em pessoa] é ótimo. É um momento importante para a indústria.

Tilt: Por causa do 5G?

CA: Com certeza. Graças ao 5G, a tecnologia móvel está indo para toda e qualquer indústria e transformando várias outras, como o setor automobilístico, industrial, varejo, energia. Uma das maiores oportunidades na história da nossa companhia está acontecendo agora justamente porque [o 5G] não é mais só relacionado ao setor de telecomunicações e smartphones.

Tilt: Para a Qualcomm, que não tem fábrica e só projeta e desenvolve chips, a escassez de semicondutores ainda é um problema?

CA: A demanda continua forte por todas as nossas tecnologias e continua a ser maior que a oferta. Apesar dos desafios, nossas iniciativas de multisourcing [usar mais de uma linha de montagem ao mesmo tempo] e a expansão de capacidade estão trazendo melhorias para o nosso fornecimento ao longo do ano. A oferta deve melhorar à medida que nos aproximamos do segundo semestre de 2022.

Um pouquinho de Brasil em todos os chips

Amon saiu do Brasil pela primeira vez em 1994, quando foi trabalhar na gigante de engenharia eletrônica japonesa NEC, em Tóquio. Com passagens pela Ericsson e pela massa falida da extinta operadora brasileira Vesper, saiu definitivamente do Brasil em 2003, quando foi trabalhar na Qualcomm em San Diego, nos EUA, e nunca mais voltou. Em português, só conversa em casa, com a família.

Tilt: O que você acha que levou de Brasil para a liderança da Qualcomm?

CA: Eu acredito naquela máxima de que o Brasil não é para principiantes. O jogo de cintura do brasileiro, a capacidade de lidar com mudanças, altos e baixos, o otimismo... esses são fatores que sempre ajudaram muito na minha carreira. O profissional brasileiro tem essa vantagem. Tanto é que eu conheço algumas empresas, até multinacionais, em que parte do processo de desenvolvimento do executivo é passar um tempo no Brasil.

Tilt: E como foi a sua experiência no Brasil?

CA: Nasci e cresci em Campinas, fiz engenharia eletrônica na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. Quando comecei a trabalhar na NEC do Brasil, foi justamente o momento em que estavam se instalando as redes celulares no Brasil. Tive a oportunidade de trabalhar na telefonia móvel desde o comecinho. Lembro que estávamos instalando as redes da Telesp [empresa estatal de telefonia privatizada em 1998] e andava com um celular. As pessoas estranhavam: "o que é isso? Como ele recebe um telefonema?" [risos].

Dos celulares ao PC... e além

É difícil achar um celular que não tenha um chip da Qualcomm, mas no mercado de PCs a situação é diferente. Há anos a empresa tenta popularizar seus chips de arquitetura Arm (menos potentes, mas mais econômicos em termos de energia) em notebooks. Mas a tradicional arquitetura x86 (mais potente e menos econômica) ainda domina o setor, sustentada por gigantes como Intel e AMD.

Tilt: A Qualcomm já domina o setor de chips para celulares, mas e quanto ao PC? Quando a arquitetura Arm vai decolar?

CA: Uma coisa que eu, pessoalmente, tenho me entusiasmado é com as pessoas trabalhando em casa. O computador pessoal virou um dispositivo de telecomunicação. Qual é o laptop para o futuro do trabalho? Mais importante do que essa transição de x86 para Arm, é você ter computadores com funcionalidades e tecnologias que antes não eram importantes, mas agora são.

Quando você fala, por exemplo, das pessoas em casa, trabalhando com Zoom [app de videochamada], algumas tecnologias que não eram importantes para o PC se tornaram fundamentais: câmera, microfones. Estamos no começo dessa transição. Agora vai decolar.

Tilt: Hoje os chips da Qualcomm estão em todo lugar porque celulares estão em todo lugar. O que vem depois?

CA: Óculos inteligentes, com certeza. A Qualcomm começou a investir em tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada faz mais de uma década, por acreditar que eventualmente ela pode se tornar tão grande quanto ou substituir o seu smartphone. Hoje, o celular está limitado pelo tamanho da tela. Os nossos processadores Snapdragon têm uma capacidade de processamento muito maior do que o visto na tela. Por que não eliminar essa restrição?

De olho na concorrência

Tilt: No último ano, a Apple se distanciou de chips terceirizados e começou a usar processador próprio em computadores. O Google criou o Tensor para o celular Pixel 6. Essa tendência te preocupa?

CA: Na verdade, temos visto o oposto. Por exemplo, a Samsung historicamente usava Qualcomm nos EUA, China, Japão —os mercado mais avançados — e seu próprio processador em outros países, como o Brasil. De repente, lançaram um produto mais avançado, como o Galaxy Fold e o Flip, com Qualcomm em todos os mercados. O Galaxy S22 é Qualcomm no Brasil e na Índia.

Temos visto um aumento da participação da Qualcomm, porque temos uma sociedade madura em uso de smartphones, que quer saber qual o processador atrás do vidro.

Linha de montagem

Tilt: O que falta para o Brasil fazer mais parte desse mercado global de semicondutores?

CA: Sempre falamos do Brasil na agricultura, mas o Brasil tem várias outras indústrias competitivas e de escala. Com o surgimento do 5G e a internet das coisas, você tem um reset do clock [reinício do relógio, reorganização]: muitas indústrias sendo transformadas completamente pela tecnologia. Indústrias que antes não eram competitivas se tornaram. É uma oportunidade para vários países que antes não estavam participando da cadeia de valor.

O Brasil precisa continuar construindo uma rede 5G competitiva, com cobertura e capacidade, nem que seja para aplicações industriais. E ter incentivo para as empresas brasileiras passarem por um processo de transformação digital, para aumentar a competitividade e criar espaços para que possam participar em outros mercados.

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