Potinho cheio de likes

Na onda da nostalgia, Tupperware volta à moda graças às redes sociais - e até lança plataforma própria

Letícia Naísa De Tilt, em São Paulo

O TikTok da engenheira de alimentos Maria Fernanda Malagutti, 32, não é dominado por dancinhas, animais de estimação ou vídeos de viagem. A estrela é um produto de plástico, criado há quase cem anos e nada digital: a Tupperware.

Os potinhos de plástico, cujo nome virou sinônimo no Brasil para qualquer recipiente para guardar comida, estão voltando à moda com a ajuda do TikTok, Instagram, YouTube e WhatsApp.

"Eu posto e falo sobre as 'tuppers', faço sorteios, consórcios, rifas", explica Maria Fernanda, que se tornou consultora (como são batizadas as revendedoras) para complementar a renda e vencer uma depressão.

"Eu não queria fazer nada. Foi a Tupperware que me ajudou a levantar. Comecei a vender e me empolguei", conta.

A mãe de Maria Fernanda também já foi consultora e sua avó era daquelas que escrevia o nome nos potinhos para ninguém levar embora. "Ela falava que era melhor ter uma Tupperware boa do que comprar vários potes baratos que ficavam quebrando", diz.

Essa "herança afetiva familiar" é comum em vários outros influenciadores-consultores. As redes sociais transformaram as lembranças em conteúdo, vínculo com outros fãs da marca e, principalmente, vendas.

"É uma tendência que a gente observa há algum tempo, principalmente diante de um mundo onde o futuro é uma grande incógnita", diz Michel Alcoforado, antropólogo e colunista do UOL. "A gente se agarra ao passado para dar sentido ao presente", reflete.

Herança da vovó

A coleção de tupperwares na casa da consultora Sueli Guimarães, 52, foi herança da avó. Neta única, sobraram para ela vários potes de tons suaves, como amarelo e azul-bebê. "Eu ficava encantada com as cores", relembra a publicitária carioca.

Em seu canal no YouTube, ela fala com orgulho de algumas de suas peças com mais de 40 anos - e aproveita para dar dicas de economia doméstica. Ela também é ativa no Instagram e em um dos vários grupos no Facebook onde fãs e consultoras trocam receitas, catálogos e preços.

De certa maneira, ela está revivendo, virtualmente, as tradicionais "festas de Tupperware": encontros nos anos 60 e 70 em que as consultoras apresentavam os produtos na própria casa, para amigas, vizinhas ou colegas de trabalho. (Até recentemente, algumas revendedoras ainda organizavam esse tipo de evento, mas suspenderam com a pandemia de covid-19.)

A própria Sueli acompanhava a avó em reuniões assim, na casa da tia-avó. "A Tupperware era diferente de tudo o que tinha no mercado na época. Não existiam potes de plástico que iam no gelo. A inteligência por trás do uso de cada peça me fascinava", conta.

"São peças que remetem à minha infância, a festas de Natal em que a gente levava bolos e pratos nesses recipientes", explica. "As araras [um dos modelos de pote] me acompanham no uso diário desde 1977. Hoje, faço comida e separo para congelar."

Catálogo no Face

A própria empresa já percebeu o poder das redes sociais e lançou uma plataforma própria para ajudar as consultoras a criar conteúdo e trocar informações. E, claro, como brasileiro adora rede social, a TuppSocial se deu bem por aqui. Somos o país com mais cadastrados: quase 74 mil.

Entre elas está Laura Helena, 60 anos, consultora há 36. Mesmo se considerando uma "dinossaura" nas redes sociais, percebeu a tendência e migrou parte do seu trabalho: "Tenho clientes antigas e mando as novidades pelo Facebook."

Laura é Empresária - o título mais alto que pode ser alcançado na hierarquia das consultoras. Durante décadas, foi a rainha das "demonstração domiciliares" na região da sua cidade, Rio Verde (a 230 km de Goiânia).

"Uma vez, fiz uma reunião na cidade vizinha e era uma moça que, pelo nome, achei que seria muito velha. Mas quando cheguei lá, era uma jovem casada que morava numa mansão muito chique!", recorda. O encontro rendeu muitas vendas.

Quem conhece a marca, sabe que não são produtos tão acessíveis. Alguns conjuntos podem sair mais de R$ 400. Por isso, tem até quem entre em consórcio para conseguir comprar uma coleção completa. Nesse sentido (e em tempos de pandemia), as redes sociais acabaram se tornando a ferramenta ideal para demonstrar as qualidades do produto e justificar seu preço.

O que é meu é meu!

"Existe quase uma jornada de compra baseada no caminho das redes sociais", explica Alcoforado. "Os millennials já cresceram com as mães e avós usando Tupperware, mas foi uma coisa que saiu de moda. O TikTok e o Instagram têm esse lugar de trazer de volta, despertar o interesse, enquanto o YouTube tem o papel de mostrar a versatilidade do produto", completa.

Já o Facebook e o WhatsApp são usados para reforçar o senso de comunidade. "Você encontra gente muito parecida com você, que vive as mesmas coisas e compartilha como aquele produto pode ajudar a melhorar a sua vida", explica. "O que os objetos de consumo geram é essa capacidade de vínculo", observa.

E isso não está muito distante da própria história do produto, cujo boca-a-boca era muito baseado na troca ou empréstimo entre amigas.

"O pote já era uma ferramenta de vínculo de confiança. Ele ia e voltava com outra coisa", afirma o antropólogo. "Agora a troca é de dicas e de usos individualizados na internet, não se empresta mais o objeto em si.".

De fato, as consultoras foram categóricas quando questionadas se emprestavam seus itens da marca. "Guardo pote de sorvete e de margarina para emprestar", diz Laura. Já Sueli tem outra tática: compra vasilhas de qualidade inferior. Maria Fernanda foi a mais flexível: "Não empresto, mas já mandei para a minha mãe e falo: 'vai e volta logo!'"

Recém divorciada, Maria Fernanda brinca que suas Tupperwares não entraram na divisão de bens da separação. "Tenho ciúmes!", brinca. Na sua cozinha, tudo é Tupperware, exceto os talheres, e todas as amigas ganham os potes quando ela quer presentear alguém. "Elas são tão bonitas, a gente pega carinho, é um xodó. Meu vício é Tupperware."

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