'Nasce obsoleto': indústria critica PL da IA e vê lei feita para big tech

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O projeto de lei da inteligência artificial ganhou críticos de peso: a indústria brasileira. Quando o PL da IA (2338/23) chegou à Câmara dos Deputados após ser aprovado no Senado, a presidente da Comissão Especial criada para lidar com ele, a deputada Luísa Canziani (PSD-PR), afirmou a Radar Big Tech que a discussão seria "resetada" e a meta era ouvir diversos setores, incluindo os da indústria.
Empresas farmoquímicas, automotivas, de bebidas, de alimentos, metalúrgicas e de cosméticos relatam o contrário: encontram pouco espaço para diálogo. Diversas ressalvas foram coletadas pelo centro de estratégia e regulação Reglab, que compilou tudo em uma análise setorial obtida com exclusividade por Radar Big Tech. As críticas partiram de um grupo focal de companhias que faturam individualmente entre R$ 35 bilhões e quase R$ 90 bilhões no Brasil. Para elas, o projeto é talhado para lidar com as especificidades das big techs e desconsidera o uso da IA por outros segmentos da economia.
O PL parece ser feito com a mentalidade para quem cria serviços de tecnologia e software, mas, quando olha para a cadeia industrial, a gente não está falando de dois, três fornecedores. E, sim, de dezenas de fornecedores. Tem que tomar cuidado para que isso [o PL da IA] não afete a cadeia. (...) Na extração do metal, a máquina usa IA para identificar o local. Não tem nada envolvendo o consumidor, uma pessoa no final. É máquina com máquina, é puro IA
Pedro Henrique Ramos, diretor executivo do Reglab
O que rolou?
Longe de ser coisa apenas de empresa de software ou de áreas atravessadas pelo ChatGPT, IA já faz parte do dia a dia da indústria de transformação. Segundo o IBGE, 42% das indústrias com mais de 100 funcionários usavam soluções de IA em 2024. E, de acordo com parte do setor, o debate sobre o PL da IA gera apreensão, porque:
- Há pouca participação nas consultas públicas promovidas pela Câmara dos Deputados: representantes da indústria são só 1,1% dos participantes. Isso, no entanto...
- ... É algo abaixo das expectativas do segmento que representa 25% do PIB. Com a ausência de voz no debate, o setor sente que suas demandas são pouco ou nada absorvidas. Em segundo lugar...
- ... Há preocupação com uma importação para o Brasil do modelo europeu de regular a IA, considerado rígido o suficiente para sufocar a inventividade brasileira. A reclamação mira dois pontos do PL 2338/23, já que...
- ... A classificação de risco enquadra aplicações em três faixas (risco excessivo, alto e limitado) para exigir dos desenvolvedores de cada uma delas medidas distintas de segurança. Enquanto a primeira categoria é completamente proibida no Brasil, a segunda precisa seguir regras rigorosas e a terceira é sujeita apenas a requisitos de transparência. Para a indústria...
- ... Essa forma de classificação de risco desconsidera a realidade brasileira, pois impede processos criativos --ou mesmo improvisados-- característicos de empresas nacionais, mas longe dos padrões internacionais. Além disso...
- ... As empresas avaliam que o uso de IA no meio de uma cadeia de montagem possa ser o suficiente para incluir todo o processo em alguma categoria de risco, ainda que a tecnologia esteja distante de afetar o consumidor final. Outro ponto inspirado na Europa...
- ... É a ideia de responsabilidade civil, que atribui tanto a desenvolvedores da IA quanto aos aplicadores a obrigação de responder por danos causados pelos serviços. Aqui...
- ... O conceito central é a responsabilidade solidária. Já presente na legislação brasileira (protege o consumidor ao permitir processar quem vendeu e quem fabricou algo), a ideia é extrapolada na IA para muitos mais casos do que os previstos na lei europeia, diz Ramos, do Reglab. Se lá, os casos citados não chegam a dez, por aqui, o PL da IA estipula 34 situações. E...
- ... Em cadeias industriais, como um produto pode passar por dezenas de etapas (da extração e transformação de um material até fabricação e distribuição) antes de chegar ao consumidor, o receio da indústria é usar IA em alguma etapa dessa longa cadeia e gerar responsabilidade solidária para todas as demais.
Por que é importante?
Na percepção da indústria, o PL da IA tem sido construído com a cabeça voltada às IAs direcionadas ao consumidor. Isso tende a criar regras restritivas para outros segmentos que usam a tecnologia, mas em processos que não afetam pessoas diretamente, já que seus produtos são voltados a outros negócios e empresas.
Quando a gente fala do PL, as pessoas estão muito focadas em chatbot, né? Estão achando que o chatbot é grande parte da IA. Mas, para a indústria, a discussão de IA está dentro da indústria 4.0, que já é feita há 15 anos
Pedro Henrique Ramos, do Reglab
O PL da IA mira especificidades técnicas, dizem as indústrias. Isso não só torna todo o processo de adaptação complexo, como faz a lei absorver desnecessariamente algo como uma obsolescência programada. Há no projeto regras criadas para situações e até plataformas específicas, como grandes modelos de linguagens, chatbots e geradores de vídeos realistas. No entanto, estas são tecnologias usadas hoje por uma conjuntura específica, que pode mudar muito em breve. Ou seja, para as indústrias, focar nos detalhes pode fazer a lei se tornar obsoleta, graças à ágil evolução tecnológica.
Para Ramos, uma anedota dá o tom do tipo de situação produzida por um mal equilíbrio entre excesso de regras descritivas e mudança tecnológica: nos anos 1990, a Receita Federal permitia a entrega do Imposto de Renda em disquete. Quando o CD surgiu, os fiscais podiam recusar a nova mídia, não mencionada na regra, ainda que fosse um formato de armazenamento fruto da evolução industrial.
Não é bem assim, mas tá quase lá
A análise setorial do Reglab constata que, para a indústria, a saída é adotar no PL da IA definições mais amplas. É o que legisladores chamam de abordagem principiológica. Para críticos, esse tipo de visão acaba sendo tão genérico que impossibilita o cumprimento de exigências ao favorecer interpretações permissivas da lei.
Para a indústria, diretrizes mais específicas não deveriam estar na lei, mas, sim, em regras criadas por agências setoriais ou pelo próprio Poder Executivo. Essa seria uma forma de driblar o complexo processo legislativo toda vez que fosse necessário uma atualização para um assunto tão dinâmico quanto a IA e, ainda assim, garantiria a especificidade técnica necessária para cada área econômica.
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
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