EUA podem mudar internet com fim do monopólio do Google em anúncio online
Entrou na fase final o julgamento nos Estados Unidos que pode definir o futuro da máquina de anúncios online do Google e, de quebra, redesenhar a internet como a conhecemos e os negócios que dependem dela.
Em abril, a Justiça norte-americana concluiu que o Google exerce um monopólio ilegal em duas etapas da distribuição de propaganda na internet. Agora, está nas mãos da juíza Leonie Brinkema decidir quais serão as ações a serem tomadas pela empresa para remediar a situação e restabelecer a concorrência no setor. A Casa Branca, autora da ação, quer obrigar o Google a ser desmembrado.
Não é tarefa fácil para a juíza, porque, de um lado, foi justamente essa máquina que permitiu muito site, sobretudo os de notícia, a sobreviver até hoje liberando conteúdo de graça. Por outro lado, a ausência de competição na distribuição de anúncios estrangulou a receita publicitária de boa parte da imprensa. Seja qual for, a decisão vai definir novos nortes para a internet e para a visão sobre negócios dominantes a ponto de prejudicar a concorrência.
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Pyr Marcondes, ex-diretor da Meio e Mensagem, fundador e CEO da Macuco Tech Ventures e sócio da Pipeline Capital
O que rolou?
A seu favor, o Google conta com uma vitória recente em outra ação de monopólio -condenado pelo domínio ilegal nas buscas online, se livrou de vender o navegador Chrome. Contra seus interesses, está a postura da juíza, aparentemente mais à vontade em tomar uma decisão desagradável para a empresa, já que:
- Em abril, Brinkema considerou que o Google ergueu um monopólio em duas áreas da publicidade online: 1) ferramentas usadas por sites para vender espaço publicitário e; 2) software para conectar editores a marcas em busca de espaço para anunciar. Porém...
- ... Ela desconsiderou que a empresa infringiu as leis antitruste com sua ferramenta para anunciantes. Mas...
- ... Em maio, durante uma audiência, ela sinalizou considerar obrigar a empresa a vender parte da tecnologia de publicidade. Acontece que...
- ... A inclinação da juíza vai ao encontro dos desejos do Departamento de Justiça: venda do software que conecta compradores e vendedores --o AdX exchange, para entendidos-- e disponibilização do código-fonte das ferramentas de leilão de espaços publicitários --a DFP (Doubleclick for Publishers).
Nada menos que um desinvestimento estrutural é suficiente para trazer mudanças significativas
Julia Tarver Wood, advogada do Departamento de Justiça
- ... Na semana passada, a juíza passou a ouvir testemunhas para decidir o que fazer. E a impressão que ficou é que se trata de uma decisão com desdobramentos sem precedentes, já que...
- ... Andrew Casale, CEO da Index Exchange, afirmou que o Google está "no coração do que financia a internet", já que a DPF atua como "uma moeda extra-oficial da internet" ao gerenciar o espaço para anúncios online de boa parte dos EUA. Detalhe: ele lidera uma rival do Google. Nem todo mundo foi tão reverente, visto que...
- ... Grant Whitmore, vice-presidente da Advance Local, que gerencia sites locais pelos EUA, argumentou que decisões judiciais mornas não dariam conta da situação.
Grant Whitmore, VP da Advance Local
Por que é importante?
Toda vez que páginas da web são carregadas, um leilão mais rápido que um piscar de olhos ocorre para definir quais anunciantes ocuparão os espaços publicitários presentes naquele site. O Google é dono das mais populares engrenagens dessa operação: a ferramenta em que donos dos sites mostram quais espaços estão à disposição, o serviço em que empresas brigam para ocupar os lugares mais vistosos e o sistema que conecta as duas pontas.
Como a inteligência artificial mudou o jeito de buscar informação na internet, alguns observadores acreditam que as adaptações a este cenário ditarão as mudanças daqui para frente. É o caso de Pyr Marcondes, ex-diretor da Meio e Mensagem, fundador e CEO da Macuco Tech Ventures e sócio da Pipeline Capital. Para o jornalista e empresário, os chatbots de IA já desestabilizam o tráfego do Google que abastecia diversos sites, sobretudo os de notícias.
Uma decisão da juíza Brinkema, no entanto, pode cortar parte dos negócios de US$ 3,1 trilhões da big tech. Pyr Marcondes avalia que um potencial desmantelamento da empresa atingiria as empresas em ondas de:
- curto prazo: publishers bastante dependentes dos gerenciadores do Google para tocar seus negócios sofrerão para se adaptar aos serviços concorrentes da big tech, podendo ver um desequilíbrio dos preços;
- médio prazo: gerenciadores de plataforma rivais do Google ganharão espaço, o que aumentará a concorrência;
- longo prazo: com dependência menor de uma só empresa, os leilões de anúncio tenderão a ser mais transparentes e os custos de intermediação, menores.
Pyr Marcondes, empresário e jornalista
Não é bem assim, mas tá quase lá
Se a Casa Branca quer obrigar um desmembramento do Google, a empresa propõe uma solução menos drástica:
- alterar as regras para os leilões de anúncios e;
- abrir o código do software para concorrentes tornarem suas plataformas compatíveis.
Nesse mesmo julgamento, o Google fez um contraponto importante e que indica a espinha dorsal da argumentação que virá a seguir. Afirmou que a web aberta está em rápido declínio, o que alterou o setor de publicidade online. Se, no passado, anúncios veiculados em sites compunham um ecossistema maior e mais amplo, agora parte do dinheiro para comprar publicidade migrou desse ambiente para plataformas fechadas, de redes sociais a streamings de vídeo. Depois, a companhia se corrigiu: referia-se à "publicidade na web aberta".
Como o argumento deve voltar a dar as caras, o Google parece querer usar o "declínio da publicidade na web aberta" com o mesmo efeito que a IA exerceu no julgamento das buscas online: o livramento de um mal maior. No outro caso de monopólio ilegal enfrentado pelo Google neste ano, o juiz Amit Mehta considerou a empresa uma ameaça à concorrência nas pesquisas online, mas avaliou que a IA mudou o jogo de tal maneira que aplicar um remédio mais duro não seria justo. Em vez de obrigá-la a vender o navegador Chrome, ordenou que a empresa compartilhasse com rivais os dados do resultado de seu motor de buscas.
Gente que conhece das decisões ?e indecisões? sobre concorrência nos EUA não aposta no raio caindo duas vezes no mesmo lugar.
William Kovacic, ex-presidente da FTC (Comissão Federal do Comércio) e professor de direito da Universidade George Washington, em entrevista ao Yahoo Finance
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
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