Entregador tirou uma foto minha ao entregar pacote; pode isso?

Consumidores relataram nas redes sociais que descobriram ter sido fotografados no momento da entrega de encomendas de algumas plataformas, como forma de comprovar que o produto foi entregue. Especialistas ouvidos por Tilt apontam que a prática pode ser problemática, já que envolve a coleta de um dado pessoal sem o devido consentimento do consumidor.

Consumidores brincaram com os registros

Shopee afirma que pede foto dos produtos e da fachada do local de entrega, mas não dos clientes. "Esclarecemos que nossas políticas de entrega não preveem e nem orientam a captação de imagens de nossos consumidores. Vale destacar que orientamos continuamente os entregadores parceiros sobre as melhores práticas", disse a empresa em nota.

Alguns compradores publicaram a "descoberta" das imagens nas redes sociais. Muitos brincaram com as condições em que foram flagradas nas imagens, como foi o caso da consumidora Paloma Cristina que, em fevereiro, escreveu que nunca mais sairia no portão de casa sem se arrumar após ser flagrada por um trabalhador que fazia uma entrega da Shopee. A imagem apareceu no campo de "comprovante de entrega" no aplicativo. O relato dela no TikTok ultrapassou mais de 6,9 milhões de visualizações.

@paloma_cristina52 Nunca mais vou no portão sem me arrumar kkkkkkkkkkkkkk #shopee #entrega #foto #fyy #fouryou ? som original - Ryuw

Outros compradores também contaram que se depararam com as fotos deles em comprovações de entrega na plataforma da Shein ou no Uber Delivery. "Gente, socorro. Nunca mais atendo de pijama. Fui conferir o meu [comprovante], e socorro", escreveu uma pessoa na postagem de Paloma. "O entregador tirou uma foto minha parecendo o lobo mal vestido de vovózinha. Eu de touca de cetim e pijama, e cheia de olheiras kkkkkk", brincou outra. Entretanto, outros internautas disseram que nunca tiveram fotos tiradas ao receber entregas.

@ferrrrrrrrrrd pior que a shoppee tirar foto sua e saber que tem como acessar #fyp #viral #foryoupage ? som original -

Especialistas apontam problemáticas

Não há na lei nenhuma proibição legal sobre tirar uma foto do cliente no momento da entrega, mas... Como se trata de um dado pessoal, a empresa e o profissional deveriam pedir autorização ao consumidor antes de fazer o registro, explicaram a Tilt os advogados Lucas Marcon, do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) e Luiz Fernando Plastino, especialista em Direito de Informática do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

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A foto do rosto também pode ser entendida um dado biométrico e, por isso, é classificada pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) como um dado sensível, explica Marcon. Isso acontece porque se trata de uma característica física única, que pode ser usada para identificar uma pessoa de forma permanente —ao contrário, por exemplo, de uma senha que pode ser trocada.

A fotografia tem um peso maior na privacidade do que, por exemplo, anotar o nome, o número do CPF ou até coletar uma assinatura. Em princípio, não deveria ser usada.
Pedro Saliba, coordenador na Data Privacy Brasil

Segundo Marcon, esse tipo de dado, quando exposto, pode ser explorado por criminosos em fraudes. Um dos exemplos é a realização de empréstimos em nome da vítima. Ele relembrou o caso de um funcionário de uma loja que é suspeito de coletar indevidamente a biometria facial de 80 clientes cometer crimes, segundo a Polícia Civil de Santa Catarina.

Marcon entende que os funcionários querem comprovar a entrega, porém, destaca que há outras formas de fazer isso sem coletar um dado que pode ser sensível. Um dos exemplos é tirar uma foto das mãos de quem recebeu ou fazer um uso de código para liberação da entrega, sem colocar em risco a informação do consumidor. Ele reforça que clientes podem recusar que sejam tiradas fotos do seu rosto e sugiram um meio alternativo de comprovação. Todavia, como indicado por alguns internautas nas redes sociais, muitos deles nem perceberam que o registro foi feito.

Investigação pode ser aberta pelos órgãos competentes em caso de registro sem o devido consentimento. Os especialistas recomendam que os consumidores, nessas situações, abram reclamações na ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e nos Procons (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) estaduais, para que os casos sejam apurados.

Infelizmente a gente vê que muitas violações de proteção de dados são um pouco normalizadas. A gente escuta: 'Ah, mas todos os nossos dados já estão vazados'. Mas existe [a proteção] justamente por isso, porque hoje em dia, as empresas e governo mesmo, com o Gov.br, tem utilizado muito a biometria. A biometria é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que ela protege, uma vez que esse dado é vazado, ele coloca em risco consumidor para sempre.
Lucas Marcon, do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec

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O que as empresas dizem?

Shopee afirma que pede foto dos produtos e da fachada do local de entrega, mas não dos clientes. "Esclarecemos que nossas políticas de entrega não preveem e nem orientam a captação de imagens de nossos consumidores. Vale destacar que orientamos continuamente os entregadores parceiros sobre as melhores práticas", disse a empresa em nota.

Uber diz que não orienta os entregadores parceiros a fotografar os usuários. "Caso isso ocorra, a empresa orienta que o problema seja relatado ao suporte ao cliente por meio do aplicativo", disse a empresa, em nota a Tilt.

A Shein disse que "atua em parceria com operadores logísticos independentes e orienta que o tratamento de informações siga sempre as melhores práticas de mercado". E empresa não informou, no entanto, se pede ou não que os entregadores tirem fotos dos clientes.

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