Discord: o que é a rede social usada para crimes contra adolescentes?

Criado para reunir jogadores online, o Discord virou uma plataforma onde adolescentes são recrutados, manipulados e, em alguns casos, expostos a abusos sexuais —cenário que levou autoridades brasileiras a abrir investigações sobre apologia à violência digital.

O que aconteceu

O Discord nasceu como uma ferramenta de comunicação entre gamers, mas hoje é uma rede social com mais de 150 milhões de usuários ativos por mês. Lançado em 2015, o aplicativo permitia chats de voz, texto e vídeo durante partidas de jogos online. A pandemia de covid-19 acelerou seu crescimento e consolidou sua transformação em um espaço usado por comunidades de todos os tipos, incluindo públicos juvenis.

A estrutura da plataforma é baseada em "servidores" criados pelos próprios usuários. Cada servidor funciona como um fórum temático, com canais de bate-papo privados ou públicos. Essa descentralização e a ausência de uma moderação ativa permitiram o surgimento de comunidades voltadas para os mais variados assuntos —inclusive temas sensíveis e ilegais.

O Discord possui cerca de 560 milhões de contas registradas globalmente. Dessas, segundo o site Business of Apps, 220 milhões são usuários ativos mensais. No Brasil, de acordo com o World Population Review, o Discord é especialmente popular, com aproximadamente 56,4 milhões de contas registradas, tornando o país o segundo maior mercado da plataforma —atrás apenas dos Estados Unidos, que somam cerca de 234,4 milhões de contas.

No Brasil, o aplicativo se popularizou entre crianças e adolescentes. Relatos mostram o uso frequente por jovens de 10 a 17 anos, que veem o app como um espaço para socializar, consumir conteúdo e buscar até vagas de trabalho. Uma reportagem do UOL revelou que crianças usam o Discord como um "LinkedIn mirim", tentando vagas como atendentes ou desenvolvedores dentro do jogo Roblox.

Especialistas alertam para os riscos de exposição precoce a ambientes não supervisionados. A ausência de verificação de idade e o anonimato favorecem a entrada de predadores sexuais, aliciadores e grupos radicais. Segundo a socióloga Alex Goldenberg, o Discord é "o habitat natural dos renegados online" por permitir a formação de comunidades fechadas e hostis à vigilância externa.

Casos de abuso, chantagem e indução à automutilação já foram registrados no Brasil. O UOL revelou em 2023 que adolescentes foram apreendidos por cometer estupros e incentivar mutilações em meninas dentro de servidores do Discord. As vítimas, em geral, acreditavam estar participando de desafios ou comunidades inofensivas.

A resposta da plataforma é baseada em denúncias manuais e colaboração com autoridades, mas enfrenta críticas. A empresa afirma que combate conteúdos ilegais e aprimora seus sistemas internos, mas não divulga números por país. Ferramentas como a "Central da Família", lançada em 2023, ainda têm alcance limitado e dependem da adesão voluntária de pais e responsáveis.

Para especialistas, o uso do Discord por crianças e adolescentes exige acompanhamento contínuo. Eles recomendam diálogo frequente com os filhos, uso de ferramentas de monitoramento e, sempre que possível, participação ativa nos espaços virtuais frequentados pelos jovens. A combinação de anonimato, liberdade e desinformação torna o ambiente especialmente sensível.

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Inquérito policial

A Polícia Civil de São Paulo instaurou um inquérito para investigar o Discord por suspeita de apologia à violência digital.
Segundo apuração da Folha de S.Paulo, a plataforma teria descumprido uma solicitação emergencial das autoridades para derrubar uma transmissão ao vivo com cenas de violência direcionadas a crianças e adolescentes. A situação foi detectada durante o monitoramento de um grupo com centenas de usuários, conduzido por equipes especializadas da polícia.

A empresa responsável pelo aplicativo afirmou ter conduzido uma investigação interna e colaborado com as autoridades brasileiras. O Discord disse manter diálogo com o Ministério da Justiça e com a Polícia Civil de São Paulo, além de atuar na remoção de grupos e usuários que promovem ideologias de ódio ou exploração infantil. Um relatório elaborado pelas autoridades foi encaminhado ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, que oficializou o inquérito em 28 de março.

*Com informações da Folha de S.Paulo e matérias publicadas em 13/04/2023, 27/06/2023, 11/10/2024

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