CEOs das big techs vendem a alma para quem pagar mais, diz especialista

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A verdadeira ideologia das redes sociais é o dinheiro. Este é o ponto de partida do pesquisador bielo-russo Evgeny Morozov, 40, para entender as recentes mudanças anunciadas pelas grandes corporações de tecnologia em aceno ao presidente norte-americano, Donald Trump.
Em entrevista ao UOL, o autor de "Big Tech: A Ascensão dos Dados e a Morte da Política" (Ubu Editora) não se mostrou surpreso ao ver os CEOs de parte das maiores empresas no planeta na posse de Trump e fez um alerta sobre como o monopólio das grandes corporações pode ser danoso para a democracia, em especial com o enfraquecimento da checagem.
"Abandonar as medidas de checagem de fatos num ecossistema controlado por um grupo de plataformas dominantes é extremamente arriscado", afirma o pesquisador, radicado nos Estados Unidos.
Sem mecanismos de verificação sólidos, a desinformação pode se espalhar sem controle, corroendo a capacidade das pessoas de distinguir fontes confiáveis de discurso. Esta vulnerabilidade cria um terreno fértil para narrativas autoritárias, mesmo em democracias estabelecidas.
Big techs e o poder: 'Para quem pagar mais'
Neste ano, dias antes da posse de Trump, na última segunda-feira (20), algumas das principais empresas do mundo começaram a anunciar mudanças. A Meta (dona do Facebook e do Instagram) decidiu acabar com o mecanismo de checagem nos EUA e a Amazon disse que vai acabar com sua política interna de diversidade.
As mudanças foram consideradas radicais, indo contra o que as empresas vinham pregando até então, mas não pareceram surpreender Morozov.
No Vale do Silício, 'verdade' é o que gerar mais audiência —e o Facebook mostrou, agora, que toda aquela conversa sobre a verificação de fatos era apenas uma forma de camuflar esta realidade.
Os algoritmos das plataformas amplificam os conteúdos que provoquem fortes reações emocionais, dando um alcance desproporcional a pontos de vista extremos. Sob este raciocínio, não importa para as plataformas se o conteúdo é falso ou conspiratório, basta que ele engaje e prenda mais as pessoas.
Isso acaba por agradar políticos e lideranças, geralmente de extrema direita, com discursos semelhantes ao de Donald Trump. Logo, não é por acaso que os CEOs da Meta, do Alphabet (dona do Google), da Amazon, da Apple e do X estavam aplaudindo o novo presidente na posse —o último deles, Elon Musk, inclusive, foi empossado como parte do governo do republicano.
Ainda que não tenhamos provas definitivas de parcialidade deliberada [por parte das empresas em relação à extrema direita], a natureza lucrativa destas plataformas as torna mais suscetíveis a amplificar material sensacionalista.
Embora estas empresas promovam frequentemente uma imagem de neutralidade e progressismo, são muito hábeis em se alinhar com as forças políticas dominantes para assegurar seus próprios interesses.
É uma relação de ganha-ganha. "Por exemplo, só o Elon Musk doou cerca de US$ 277 milhões para candidatos republicanos, incluindo Donald Trump. Esta parceria reflete a forma como as grandes empresas tecnológicas se entrincheiraram nos círculos políticos, levantando sérios questionamentos sobre o controle democrático", afirma o pesquisador.
Em última análise, a principal ideologia do Vale do Silício é o capitalismo. Seus CEOs estão dispostos a vender, felizes, suas almas a quem pagar mais.
Monopólio das redes
Morozov defende que as grandes empresas de tecnologia subvertem a lógica de liberdade na internet e não só não contribuem como são danosas para o debate democrático. Para ele, o crescimento acelerado destas companhias, que já representam três das dez maiores empresas do planeta, só deixou este efeito danoso "mais transparente".
A tecnologia tem a promessa de expandir a liberdade, mas a forma como as big techs funcionam atualmente leva muitas vezes ao oposto: minam os processos democráticos e o envolvimento da população.
É o que ele chama "solucionismo tecnológico". "O discurso público é despolitizado [pelas empresas]. As discussões críticas sobre poder, desigualdade e governança são desviadas por promessas de soluções rápidas e algorítmicas."
Com a globalização quase total do meio digital, poucas e grandes empresas têm o "poder de quase monopólio sobre o discurso público", o que seria prejudicial ao debate democrático. "Esta concentração de poder significa que estas plataformas podem moldar os fluxos de informação e as agendas políticas [dos países] mais do que nunca, tornando as consequências da sua influência extremamente visíveis", avalia o pesquisador.
Este efeito é "ainda mais desestabilizador" para democracias mais novas ou pouco estabelecidas, como o Brasil ou Belarus, ex-país soviético em que Morozov nasceu.
Em países onde as instituições democráticas são frágeis, as intervenções 'solucionistas' das big techs podem agravar as divisões sociais e políticas, impondo ferramentas digitais de tamanho único a comunidades com contextos muito diferentes, enfraquecendo o poder do Estado e impedindo a procura por soluções alternativas e mais democráticas.
Quando o fluxo de informação é controlado por um pequeno número de plataformas globais, as autoridades nacionais perdem tanto o poder de supervisão como o de negociação. Este desequilíbrio compromete a soberania local, uma vez que os políticos e instituições lutam para acompanhar a rápida expansão destas gigantes empresariais.

"Gesto de Musk abre precedente preocupante"
Ao tomar posse na segunda, Musk fez um gesto semelhante à saudação nazista: ele bateu no peito com a mão direita e estendeu o braço em direção à plateia, repetindo o gesto para as pessoas atrás dele. Embora o próprio tenha negado, para Morozov não há dúvida de que tenha sido uma referência nazista e diz que "abre um precedente preocupante".
A normalização de símbolos extremistas sob o pretexto de provocação ou 'liberdade de expressão' corrói as normas democráticas e fomenta uma cultura em que ideologias nocivas ganham legitimidade.
O imenso poder econômico e tecnológico de Musk e a sua aparente impunidade são emblemáticos no sentido de como os interesses privados podem ofuscar o interesse público. A ausência de mecanismos significativos de controle e equilíbrio para figuras com este nível de influência é profundamente perigosa para qualquer democracia.
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