Elon Musk destruiu o Twitter e fará de tudo para eleger Trump, diz autor
A vida de Elon Musk é alternar de uma obsessão a outra. Este é o retrato do homem mais rico do mundo em "Limite de caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter" (Ed. Todavia).
O livro revela bastidores caóticos da compra da rede social, por US$ 44 bilhões, e dos caprichos inacreditáveis do empresário, que fizeram o valor de mercado desabar para US$ 8 bilhões em menos de dois anos.
Prejuízo fica em segundo plano. O poder que acumulou em duas outras empresas, Tesla e Space X, é tão absurdo que Musk não precisa se preocupar com governantes ou com rombos bilionários que ele mesmo provoca nos demais negócios.
"Ele chegou a um ponto em que é tão poderoso que não liga mais", resume o jornalista norte-americano Ryan Mac, coautor do livro com a jornalista Kate Conger.
O Brasil é uma das obsessões. Segundo os autores, Elon Musk agiu diretamente para proibir moderadores do Twitter de apagarem mentiras de bolsonaristas sobre a eleição de 2022.
A atual fixação de Musk é eleger Donald Trump. Ele criou um sorteio diário de US$ 1 milhão para seus potenciais eleitores. A Justiça americana já questionou a "loteria eleitoral", mas claro que Musk não recuou.
"As coisas ficam mais loucas a cada dia", diz Ryan; leia a entrevista
UOL - O ponto do livro é que o Twitter não só mudou de nome, mas foi destruído pela obsessão de Elon Musk. O que leva a dizer isso?
Ryan Mac - Ele comprou por US$ 44 bilhões e a empresa hoje é avaliada entre US$ 8 e 9 bilhões. É uma destruição de valor incrível.
Ele eliminou muitos empregos e deu espaço contas que promovem ódio. No Brasil, ele deixou de existir por muitos dias. Não digo que ele destruiu tudo, mas mudou dramaticamente, degradou e tornou efetivamente pior.
Mas você acha que os princípios de liberdade de expressão do Twitter foram destruídos no X? O livro mostra que antigos líderes do Twitter admiram Musk. Jack Dorsey [fundador] o ajuda.
O Twitter sempre teve uma relação difícil com a liberdade de expressão. Ela era um mantra na criação da empresa. Mas os diretores descobriram que tinha muita coisa que as pessoas não queriam ver: racismo, abuso, ódio. Isso piora a experiência e afasta os usuários.
Então eles se mexeram para moderar o conteúdo. Claro que não era um ambiente perfeito, mas eles tinham conseguido algo importante para uma rede baseada em publicidade.
Quando Elon Musk veio com essa ideia de liberdade total, pareceu boa. Quem não apoia liberdade de expressão? Mas sua aplicação às vezes não é possível. Você não pode ter pessoas gritando umas com as outras, usando insultos raciais. Foi uma mistura de ingenuidade, equívoco e inexperiência.
Qual foi o golpe mais importante nesta destruição do Twitter, o ponto de não retorno?
Foi o dia da primeira rodada de demissões. Musk chegou à sede da empresa e garantiu aos funcionários que não haveria grandes mudanças ou demissões. Nos bastidores, porém, já planejava os cortes.
Quando as pessoas começaram a ser desconectadas de computadores e seus crachás pararam de funcionar, a ficha caiu. Ele prometeu proteger os funcionários, mas agiu como um açougueiro que tranquiliza a vaca antes de abatê-la. E sabia o que faria desde o início.
Ele vai demitindo todo mundo e chega um momento do livro em que eu fico na dúvida se o objetivo é otimizar os custos ou só ter zero moderação mesmo. O que acha?
É interessante esse vaivém, e nem ele parece saber a resposta. No início, ele faz uma nota simpática para os anunciantes. Diz que não vai fazer do Twitter um "esgoto", vai ser responsável e continuar a ter moderação pois os anunciantes são importantes para ele.
Nas semanas seguintes ele deixou entrar defensores de Hitler, supremacistas brancos, teóricos da conspiração. Não sabemos se ele queria acabar com a "censura" do antigo Twitter, como dizia, ou só cortar custos. No fim, ele fazia o que era conveniente.
Em muitos momentos o livro vira uma comédia corporativa. Como você lidou com essas coisas absurdas que as pessoas contavam?
Fico feliz que você tenha apreciado o humor do livro. É uma comédia sombria, afinal as pessoas perderam seus empregos e seus planos de saúde. Mas tinha mesmo esse clima de "o que está acontecendo aqui?". Era tudo muito louco.
Falamos com mais de 100 pessoas e tivemos acesso a gravações internas, documentos, mensagens de texto e outros materiais. Algumas histórias eram tão absurdas que precisávamos de muita confirmação.
Por exemplo, Musk pediu uma auditoria de todos os empregados pois achava que o Twitter tinha contratado funcionários falsos ou fantasmas. Ele fez o RH confirmar se todos existiam. Isso é simplesmente ridículo. Tivemos que verificar essa história com várias fontes.
Como você avalia o resultado da briga com a Justiça do Brasil? Foi uma derrota completa para Musk, ou provou o ponto que ele queria sobre suposta "censura"?
Ambos. Musk se alinhou a Bolsonaro e nutriu um relacionamento com ele, e a situação permitiu que ele levantasse a bandeira da liberdade de expressão. Mas ao ceder à pressão, Musk passou um recado contraditório. Demonstrou que, sob pressão, está disposto a ceder.
Por outro lado, a empresa precisa muito de anunciantes, e o negócio está afundando. O Brasil é importante, o 4º maior mercado deles. A receita no país é crucial para o X. Tanto que ele não falou nada sobre o Brasil após o retorno.
Ao longo do livro, Musk vai se interessando mais por Bolsonaro e o Brasil. Por quê?
O interesse precede a compra do Twitter. Ele queria expandir a Starlink para a Amazônia. Bolsonaro, por sua vez, via vantagem em se ligar a um empresário de renome como Musk. Esses interesses mútuos levaram à vinda dele ao Brasil em maio de 2022.
Após comprar o Twitter, Musk notou que muitos criadores de desinformação eleitoral eram apoiadores de Bolsonaro. Essa percepção parece ter solidificado a aliança e levado Musk a se envolver diretamente na moderação relacionada à eleição e aos atos antidemocráticos.
A Starlink é bem-sucedida no Brasil. Mas ele arruma essas brigas obcecadas que prejudicam os próprios negócios. Por que ele continua fazendo isso?
Ele diz que segue princípios que vão além dos seus interesses comerciais. E vai continuar fazendo. Do ponto de vista empresarial, a maioria das pessoas não faria isso. Se você apoia um governo ou um partido e um novo entra, sua situação fica difícil em qualquer país.
Ele chegou a um ponto em que é tão poderoso que não liga mais. A Starlink é muito funcional. Talvez ele saiba que, não importa o que diga, os países ainda dependerão dele na tecnologia, porque ele é o único que pode fornecer.
Pense na Ucrânia, onde a Starlink é fundamental na guerra contra a Rússia. Mesmo assim, Musk está dizendo coisas boas da Rússia, repetindo falas do Putin. A Ucrânia não gosta, mas tem que tolerar, porque ele fornece uma tecnologia indispensável. Ele percebe isso.
Além do dinheiro perdido, a relevância do Twitter também parece diminuir. Acha que o futuro do X é virar a versão Musk do Truth Social [a 'rede social' de Donald Trump]?
Em certo sentido, o X já é o Truth Social do Elon Musk. É a plataforma que ele quer. Ele virou o usuário mais seguido, mais de 200 milhões de seguidores. Se você vai na aba "For You" (recomendações), só da ele. É o megafone de Musk, mesmo que você não o siga.
Redes sociais dependem de inovação e aumento de usuários. Nesse sentido, não vejo o X crescer. Aqui nos EUA nós temos o Yahoo, uma empresa antiga. Mas muita gente acaba ficando lá, porque já tem um Yahoo Mail.
O X pode virar algo assim. Um grupo de pessoas que já usa, vê algum valor, e continua lá. Mas aquele plano de virar uma plataforma de massa, um ponto de encontro onde pessoas de todo tipo vão se juntar e debater, aquilo já era.
O quão longe Musk ainda pode ir para ajudar Donald Trump?
Ele já foi muito longe, e está testando os limites das leis eleitorais nos EUA. A gente nunca viu uma coisa como esse sorteio antes neste país. Ele está subindo no palco para Trump.
Ele já doou US$ 75 milhões [o valor subiu para US$ 118 milhões após a entrevista --menos de 0,05% de sua fortuna]. Ainda temos alguns dias para ele fazer de tudo.
Ao fazer o livro você notou alguma ambição de Musk entrar para o governo?
Ele já é uma pessoa com um poder imenso sobre o governo dos EUA, seja ou não membro de um gabinete. Entendemos isso quando fizemos o livro, por isso não imaginamos que ele fosse pedir para trabalhar num governo Trump dessa forma.
Mas as coisas ficam mais loucas a cada dia. Não está claro o que isso significa até agora, eles estão só falando sobre essa tal "comissão de eficiência" de um eventual governo.
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