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Por que a Apple 'escondeu' novos usos de IA nos iPhones, Vision Pro e Macs

Apple evitou termo "inteligência artificial" durante WWDC; empresa, no entanto, embarca tecnologia em vários apps e programas - Mike Segar/Reuters
Apple evitou termo "inteligência artificial" durante WWDC; empresa, no entanto, embarca tecnologia em vários apps e programas Imagem: Mike Segar/Reuters

De Tilt, em São Paulo

10/06/2023 04h00Atualizada em 11/06/2023 12h04

A Apple não usou em nenhum momento as palavras-chave do momento na tecnologia, como inteligência artificial ou chatbot, durante sua conferência anual para desenvolvedores, quando apresentou os óculos Vision Pro e o iOS 17, que aposentou iPhones antigos.

Isso não quer dizer que a empresa não esteja surfando o "verão da inteligência artificial", como tem sido apelidada este momento de efervescência destas tecnologias. Ela está, mas bem discretamente. Em vez de criar modelos de linguagem, que estão por trás de robôs que conversam como Bard (do Google) ou ChatGPT (da OpenAI), a Apple foca em funções invisíveis, menos sexy, mas úteis, como melhorias na privacidade e de recursos em seus sistemas, como a autocorreção do iPhone.

Tim Cook, CEO da Apple, resumiu a abordagem da empresa em IA dessa forma em entrevista ao programa norte-americano Good Morning America: "Nós a integramos em nossos produtos, e as pessoas não pensam nisso e apenas utilizam", disse.

Uma empresa de hardware

As big tech como Microsoft, Google e Meta atuam com software e serviços na nuvem, com uma ou outra iniciativa no mundo do hardware. A Microsoft tem console (Xbox) e computadores (Surface), enquanto o Google tem telefones (Pixel), tablets e computadores, e a Meta, os óculos de realidade virtual (Quest).

A Apple primariamente fabrica hardware, mas cria sistemas para seus equipamentos. Se a maior fonte de receita das outras é a publicidade ou os serviços, o item mais vendido pela empresa da maçã é o iPhone - dos US$ 94,8 bilhões faturados no 1º trimestre deste ano, US$ 51,3 bilhões vieram da venda do celular.

A maior parte das ações de IA são de empresas de software, pois veem ganho significativo nas aplicações e na experiência do usuário. Empresas de dispositivo costumam se ver mais como 'habilitadoras', ou seja, é por meio dos seus aparelhos que as pessoas vão usar IA Reinaldo Sakis, diretor de Pesquisa e Consultoria de Consumer Devices da IDC Brasil

É por isso que, nos anúncios da WWDC, a Apple falou bastante de inteligência artificial, mas escondeu o quanto pode que estivesse fazendo isso. Focou no que ocorre dentro de recursos de software dos seus vários sistemas.

Por isso, o termo usado para ressaltar avanços tecnológicos foi "machine learning" (aprendizado de máquina, que é a capacidade de o algoritmo de IA aprender e executar ações). A técnica consiste em treinar um sistema para ele ter melhor desempenho, seja para classificar fotos ou corrigir textos automaticamente no teclado do iPhone.

Onde está a IA nas novidades da Apple

Óculos Vision Pro e o reconhecimento de gestos dos dedos das mãos: para executar comandos no ambiente digital/com elementos reais, os óculos de realidade mista identificam gestos do usuário como pinçar, segurar ou arrastar com os dedos. Segundo um porta-voz da Apple disse a Tilt, os algoritmos foram treinados com quatro ou cinco movimentos manuais. A partir disso, o sistema usa as câmeras integradas ao aparelho para rastrear as mãos do usuário e reconhecer quando ele faz ação similar ao que pode ser um comando.

Mapeamento facial e recriação de "avatar": o aprendizado de máquina é usado para criar a chamado Persona, que ocorre quando uma pessoa tem o rosto escaneado pelo Vision Pro, que cria uma representação digital para ser usada em chamadas de vídeo.

Autocorreção e ditado: a Apple diz que seu novo sistema de correção "adivinha" as palavras enquanto você digita no teclado para mostrar sugestões mais precisas. Além disso, o sistema de ditado (que transforma voz em texto) está mais preciso. Os dois recursos são possíveis com aprendizado de máquina (no primeiro, submetendo mais textos; no segundo, tendo mais modelos de voz e sotaques).

Live Voicemail - ios 17 - Reprodução - Reprodução
Live Voicemail vai transcrever recados que caem na caixa postal; serviço é feito com ajuda de aprendizado de máquina
Imagem: Reprodução

Imagens virando figurinhas animadas: desde o ano passado, dá para criar figurinhas ao tocar mais demoradamente sobre a imagem, copiá-la e colá-la em chat no app Mensagens. O recorte da pessoa para apagar o fundo é outra coisa feita com aprendizado de máquina. A diferença é que o iOS 17 vai permitir guardar as figurinhas e animá-las.

'Protagonizando apresentações online': o novo sistema para seus computadores, o macOS Sonoma, permitirá que, durante uma apresentação, as pessoas se insiram nela. Um sistema de aprendizado de máquina recorta o fundo do apresentador e o colocar na frente dos slides, por exemplo.

Recurso do macOS Sonoma recorta fundo e permite que pessoa se "insira" em apresentação online - Divulgação - Divulgação
Recurso do macOS Sonoma recorta fundo e permite que pessoa se "insira" em apresentação online
Imagem: Divulgação

Chips inteligentes: o processador M2 Ultra, que equipa os computadores mais sofisticados da Apple, é descrito como capaz de "treinar cargas massivas de aprendizado de máquina em um sistema, e com mais poder que uma GPU [placa de vídeo] discreta [quando ela não está integrada à placa-mãe]".

Um detalhe importante é que, segundo a companhia, o processamento de aprendizado de máquina é feito dentro dos aparelhos. Ou seja, não há troca com servidores externos, o que eleva a segurança dos usuários ao evitar que os dados possam vazar para terceiros.

Cook, o chefão da Apple, já disse várias vezes que a abordagem da empresa com inteligência artificial é ponderada. Por isso, talvez estejamos longe de poder trocar uma ideia com a assistente de voz Siri, como interagimos com o ChatGPT.

*Colaborou Bruna Souza Cruz, de Tilt em Cupertino (EUA); a jornalista viajou a convite da Apple