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Carrefour e Shopee vendem aparelho ilegal que pirateia sinal de TV paga

TV Box MXQ Pro 4K não é homologado pela Anatel, mas é encontrado em marketplaces - Divulgação/MXQ
TV Box MXQ Pro 4K não é homologado pela Anatel, mas é encontrado em marketplaces Imagem: Divulgação/MXQ

De Tilt, em São Paulo

16/03/2023 04h00Atualizada em 16/03/2023 08h40

Foi só a TV Box comprada na loja online do Carrefour chegar, e o professor Renato Ribeiro, 36, teve uma surpresa. "Liguei e vi que passava canais como Telecine, HBO, dentro outros, fora filmes em cartaz no cinema", disse a Tilt. Ribeiro esperava usar o aparelho para fazer sua TV convencional ficar mais esperta, mas se deu conta que comprou um aparelho que, além de não ser homologado pela Anatel, já vinha com acesso a diversos canais e filmes.

Notando que era "esmola demais" e praticamente um "gatonet", ou seja, uma forma de desbloquear canais pagos sem pagar, o professor acionou a loja online. Em um primeiro momento, o Carrefour não reconheceu ser um produto ilegal, mas depois o recolheu, devolveu o dinheiro e removeu o item do site.

O caso de Ribeiro não é isolado. Tilt encontrou modelos ilegais vendidos no Mercado Livre, Shopee e no Carrefour.

Anatel x TV Box

Em março, a Anatel começou a bloquear as TV Box que não fossem homologadas e, por isso, são ilegais. A ação visa que os aparelhos se conectem à internet e, assim, deixem de acessar conteúdo pirata de TV paga e serviços de streaming. A agência argumenta que elas representarem perigo às pessoas, com risco até de roubo de dados sensíveis.

As ações para coibir a venda destes aparelhos, no entanto, começaram antes. Desde 2021, a entidade aciona grupos de e-commerce para coibir a venda de eletrônicos não homologados. Em maio daquele ano, a agência alertou mais de dez plataformas sobre a venda de produtos pirata de telecomunicações.

No ano passado, grupos como Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), Americanas (Americanas.com, Submarino e Shoptime), Magalu e Mercado Livre implementaram sistemas que exigiam o código de homologação dos produtos para evitar a venda de itens piratas.

Os bloqueios iniciados neste ano não inibem que pessoas continuem vendendo TV box não homologadas em centros de comércio popular, como a Santa Efigênia em São Paulo.

Na internet, os varejistas não vendem produtos piratas diretamente, mas permitem que terceiros comercializem esses itens na área de marketplace de suas plataformas — são lugares destinados a outras lojas dentro do site de grandes empresas.

A situação entre marketplaces e varejistas depende muito, segundo Mauricio Salvador, presidente da ABcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico). "Há marketplaces que agem com mais firmeza, outros com menos. Portanto, é importante ressaltar que existem os dois lados. Há plataformas e empresas que realmente estão preocupados em resolver o problema e outras que não tem tanta preocupação com isso, especialmente quando se trata de remoção de produtos".

Ele ressalta que muitas empresas usam inteligência artificial para detectar itens falsificados, mas que nem sempre conseguem identificar todos.

Segundo a Anatel, a comercialização de aparelhos não homologados é passível de sanções que podem ir de advertência à multa, conforme previsto Lei Geral de Telecomunicações (LGT, Lei nº 9.472/1997).

TV box piratas em marketplaces

Mesmo depois do aviso do professor, o Carrefour continua anunciando o mesmo modelo de TV Box comprado e devolvido por Ribeiro. Agora, porém, o aparelho é comercializado por outro vendedor. O modelo Xplus Pro 64 GB e com 4 GB de RAM tem preço sugerido de R$ 961,93.

Há ainda pelo menos outros três links no marketplace da companhia que levam a modelos de caixinhas não homologadas. Um deles é o BTV B13 4K, o modelo mais conhecido do ramo, que oferece assinatura vitalícia de canais e conteúdo pirata de plataforma de streaming. Sai por R$ 1.414,50.

Em comunicado enviado após a publicação da reportagem, o Carrefour diz que os vendedores de marketplace têm diversas obrigações, como "a necessidade de observar as legislações vigentes". Além disso, a varejista diz que conta com um canal de denúncias e processo preventivo com atualização de listas de bloqueios de produtos irregulares.

Não é a primeira vez que Tilt faz um flagra do tipo no Carrefour. Em 2019, a reportagem detectou um aparelho sendo vendido na unidade em uma unidade da zona leste de São Paulo e até anunciado pelo sistema de som.

Captura de tela de página do e-commerce do Carrefour com venda de TV box ilegal BTV - Reprodução - Reprodução
Captura de tela de página do e-commerce do Carrefour com venda de TV box ilegal BTV
Imagem: Reprodução

Em 2021, o Mercado Livre teve seu galpão alvo de apreensão de equipamentos piratas pela Anatel. Entre TV box, smartwatches e câmeras em fio, quase 10 mil produtos foram lacrados, um prejuízo estimado em R$ 1,2 milhão. Ainda assim, Tilt encontrou dois links direcionando a TV Box ilegais em 14 de março.

Um deles era o BTV, cadastrado no site na área de casa inteligente. O outro era uma TV Box Android 4K com 256 GB de armazenamento. No primeiro caso, o Mercado Livre removeu o link no mesmo dia. No segundo, o anúncio foi finalizado no dia seguinte.

Em nota enviada a Tilt, o Mercado Livre informou ser "proibida a venda em sua plataforma de decodificadores, receptores, conversores e equipamentos com antenas que permitam ter acesso a canais pagos". Tão logo tais produtos são identificados, são "excluídos e o vendedor notificado", acrescentou.

Captura de tela de anúncio de TV Box B3 no site do Mercado Livre; página foi retirada do ar - Reprodução - Reprodução
Captura de tela de anúncio de TV Box B3 no site do Mercado Livre; página foi retirada do ar
Imagem: Reprodução

A situação mais emblemática é a da Shopee. A gigante asiática do varejo conta com dezenas de modelos de TV Box não homologados à venda. Uma das opções mais frequentes é o modelo MXQPro. A caixinha Android é acompanhada de controle remoto e sai por preço que varia de R$ 125 a R$ 170, dependendo da capacidade de armazenamento.

Alguns aparelhos são comercializados por vendedores brasileiros, outros são importados da China.

Captura de tela da TV Box MXQPro no site da Shopee - Reprodução - Reprodução
Captura de tela da TV Box MXQPro no site da Shopee; aparelho não é homologado pela Anatel
Imagem: Reprodução

Abordada pela reportagem, a Shopee informou exigir que "todos os vendedores do nosso marketplace cumpram as leis locais e nossos Termos de Serviço, que, entre outras coisas, proíbem a venda de mercadorias irregulares." Afirmou ainda que mantém "colaboração com órgãos reguladores como a Anatel para tornar a plataforma ainda mais segura para todos."

No ano passado, um galpão da companhia asiática foi alvo de fiscalização da Anatel e houve a apreensão de cerca de 2.000 produtos não-homologados, com valor estimado de R$ 53 mil.

Questionada, a Anatel diz que a venda de itens não-homologados pode causar sanções, que podem ir de "advertência à multa", podendo chegar a até R$ 30 milhões "para empresas de grande porte".