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Parece a Terra, mas chove lava: planeta 'vizinho' será explorado pela Nasa

Representação artística do 55 Cancri e, o planeta onde chove lava, segundo hipótese estudada por cientistas - ESA/Hubble, M. Kornmesser
Representação artística do 55 Cancri e, o planeta onde chove lava, segundo hipótese estudada por cientistas Imagem: ESA/Hubble, M. Kornmesser

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

05/06/2022 15h15

Cientistas da agência espacial norte-americana Nasa estão se preparando para usar o potente telescópio James Webb para explorar um planeta relativamente próximo da Terra e com características semelhantes. Só tem uma grande diferença: é possível que as chuvas lá sejam feitas de lava.

Batizado de 55 Cancri e, este exoplaneta (como são classificados planetas fora do Sistema Solar) orbita uma estrela que fica a apenas 40 anos-luz de distância, tão perto que dá para vê-la a olho nu no céu, na constelação de Câncer.

Um tuíte comentando suas características viralizou nas redes sociais, mas a descoberta do 55 Cancri e não é recente: astrofísicos já sabem da existência dele desde 2004. A novidade é que a Nasa vai usar o telescópio James Webb para estudá-lo mais de perto.

E não só ele: no último dia 26 de maio, a Nasa anunciou que vai usar o James Webb para estudar também o LHS 3844 b. Os dois exoplanetas são chamados por cientistas de "super Terras" por serem rochosos e pelo tamanho próximo ao do nosso planeta, mas com condições geológicas e climáticas extremas.

Super Terra, super quente

O 55 Cancri e fica a apenas 2,4 milhões de quilômetros de distância da sua estrela, que também é parecida com o nosso Sol. Isto significa que, por lá, um ano termina em 18 horas.

Por estar tão perto de sua estrela, o calor é tão extremo que, mesmo sendo este um planeta rochoso, qualquer mineral na superfície ultrapassaria o ponto de fusão. Por isso, cientistas acreditam que ele é coberto por oceanos de lava.

Acreditava-se que, por estar tão próximo de sua estrela, o 55 Cancri e não tivesse movimento de rotação (girar em torno do próprio eixo), mas ficasse sempre com um lado virado para o seu "Sol" e o outro na eterna escuridão.

Mas observações feitas com o telescópio espacial Spitzer, da Nasa, trouxeram mais perguntas do que respostas sobre esta super Terra. Astrônomos notaram que o ponto mais quente da superfície do 55 Cancri e não é o ponto que mais recebe o calor do Sol diretamente. Além disso, a temperatura no suposto "lado diurno" do exoplaneta varia com o passar do tempo.

Uma explicação para isso é a de que o planeta tem uma atmosfera dinâmica que movimenta o calor. "55 Cancri e pode ter uma atmosfera espessa dominada por oxigênio ou nitrogênio", diz Renyu Hu, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, que lidera uma equipe que usará a câmera infravermelha do James Webb (a NIRCam) para estudar o espectro de emissão térmica do lado diurno do planeta. "Se ele tiver uma atmosfera, o Webb tem a sensibilidade e o alcance de comprimento de onda para detectá-la e determinar do que ela é feita".

james webb - Divulgação/Nasa - Divulgação/Nasa
Ilustração do telescópio James Webb armado e pronto para observação espacial
Imagem: Divulgação/Nasa

A outra possível explicação é a que agitou os tuiteiros: o 55 Cancri e pode não estar travado sempre na mesma posição, mas sim estar girando em torno do próprio eixo com lentos ciclos de dia e noite. É o que acontece com Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol no nosso Sistema Solar, que completa três rotações a cada duas órbitas em torno da nossa estrela.

Neste cenário, a superfície aqueceria, derreteria e até vaporizaria durante o dia. À noite, o vapor esfria e condensa para formar uma chuva de lava. As gotas voltariam à forma sólida conforme chagassem ao solo.

"Isso poderia explicar por que a parte mais quente do planeta está deslocada", explicou Alexis Brandeker, pesquisador da Universidade de Estocolmo que lidera outra equipe que estuda o planeta. "Assim como na Terra, levaria tempo para a superfície aquecer. A hora mais quente do dia seria à tarde, não ao meio-dia."

A equipe de Brandeker planeja testar essa hipótese usando o NIRCam do James Webb para medir a temperatura do lado iluminado do exoplaneta durante quatro órbitas diferentes. Se ele for como Mercúrio, cada hemisfério vai ser observado duas vezes. Assim, os cientistas poderão detectar as diferenças de temperatura entre os hemisférios.

Super Terra, sem lava

lhs - NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (IPAC) - NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (IPAC)
Representação artística do LHS 3844 b, planeta rochoso sem ar que o James Webb vai investigar
Imagem: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (IPAC)

Menos impressionante que o planeta onde chove lava é a outra super Terra que a Nasa vai investigar. O LHS 3844 b é mais frio, e por isso a sua superfície rochosa deve estar em estado sólido. O diferencial é que lá provavelmente não existe ar.

Observações anteriores mostraram que este exoplaneta, descoberto em 2019 e localizado a 49 anos-luz da Terra, não parece ter uma atmosfera — ou, pelo menos, não uma densa o bastante para ser detectada pelos nossos telescópios.

Para a Nasa, isso é uma vantagem: permite estudar com mais clareza a sua superfície rochosa. Laura Kreidberg, do Instituto de Astronomia Max Planck, na Alemanha, vai usar o instrumento de médio-infravermelho (MIRI) do James Webb para analisar a espectrometria de emissão térmica do lado diurno do LHS 3844 b.

Em seguida, ela pretende comparar os resultados com a espectrometria de rochas conhecidas, como basalto e granito, para descobrir que tipo de rocha há na superfície do LHS 3844 b. Se o planeta for vulcanicamente ativo, o experimento também pode revelar a presença de vestígios de gases vulcânicos por lá.

Por que isso importa?

Dos mais de 5.000 exoplanetas confirmados na galáxia, com as mais diversas características e composições, por que a Nasa resolveu estudar logo esses dois?

Planetas rochosos como o LHS 3844 b e o 55 Cancri e são mais difíceis de se achar do que gigantes gasosos, sobre os quais sabemos muito mais. Além disso, "super Terras" como estas podem nos dar mais dicas sobre a formação do nosso próprio planeta.

"Eles nos darão novas perspectivas fantásticas sobre planetas semelhantes à Terra em geral, ajudando-nos a aprender como a Terra primitiva poderia ter sido quando era quente como esses planetas são hoje", disse Kreidberg, à Nasa.

O estudo também é uma forma de testar o telescópio James Webb, que só recentemente completou seu alinhamento e ficou pronto para fotografar o universo.