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Pó lunar comido por baratas vai a leilão por R$ 50 mil; mas por quê?

Barata da espécie Blatella germanica Imagem: Eike Karits/3436 Images

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

27/05/2022 15h25

Um leilão raro (e curioso) está rolando: uma pequena amostra de quimo (bolo alimentar parcialmente digerido) com pó lunar, removido curiosamente por uma cientista do estômago de baratas. De "brinde", quem der o maior lance vai levar também as carcaças de três dos insetos.

O leilão está sendo realizado pela empresa RR Auction, de New Hampshire (EUA), especializada em memorabílias espaciais. Iniciada na última quinta-feira (26), com lance inicial de US$ 10 mil (cerca de R$ 50 mil), a disputa aceita ofertas até 23 de junho. Já foram registrados dois lances, subindo o valor para US$ 11 mil. Você pode dar o seu aqui.

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Mas por que esse item bizarro sequer existe? Porque, em 1969, a Nasa decidiu fazer um teste biológico para procurar por "insetos lunares" perigosos. Para isso, pegaram amostras de solo recolhidas pelos astronautas da missão Apollo 11 (realizada em 20 de julho daquele ano, quando Neil Armstrong se tornou a primeira pessoa a pisar na Lua) e deram para pequenas baratas comer.

Quimo com fragmentos de solo lunar retirado do estômago de baratas Imagem: RR Auction

Insetos na Lua?

Para entender como pedaços da Lua foram parar no sistema digestivo de insetos da espécie Blattella germanica, é preciso entender como era a tecnologia espacial da época. Antes do primeiro pouso tripulado, cientistas não sabiam exatamente o que iríamos encontrar em nosso satélite natural.

Apesar de o terreno ter sido estudado por sondas anteriores, não dava para ter certeza se os astronautas encontrariam dificuldades, como areia movediça, radiação ou mesmo algum tipo de "inseto lunar". Biologistas tinham certeza de que não havia vida na Lua, mas não descartavam totalmente a possibilidade de algum tipo de germe espacial que pudesse ameaçar a vida na Terra.

Após retornar ao nosso planeta, os astronautas, a nave e tudo que foi usado na Apollo 11 ficou em quarentena por 21 dias, no Lunar Receiving Laboratory, uma instalação especial que a Nasa construiu para isso. Enquanto os homens passavam por diversos exames médicos, animais como peixes, ratos e baratas foram expostas às amostras de solo, para ver como reagiriam.

A missão trouxe cerca de 22 quilos de rochas e poeira da Lua; cerca de 10% disso foi usado em testes destrutivos. Ninguém esperava recuperar este material após ser comido pelos animais. Então, quem abriu as baratas para pegar essa nojeira de volta?

Picles de baratas

A entomologista Marion Brooks-Wallace foi contratada pela Nasa para fazer análises mais aprofundadas nas baratas "chapadas" com poeira lunar.

O período de quarentena já tinha passado, sem nenhum animal (ou astronauta) morrer devido à exposição ao material extraterrestre, mas a agência espacial queria entender mais sobre possíveis efeitos danosos.

Lâminas de microscópio com tecido das baratas, usadas no estudo de Brooks Imagem: RR Auction

A amostra lunar que Brooks recebeu estava dentro de oito baratinhas preservadas — parecia um vidro de conserva. Algumas haviam sido alimentadas com uma dieta meio a meio, de regolito lunar e alimento comum; outras ingeriram apenas poeira lunar esterilizada.

A cientista descreveu ser possível ver o material dentro dos insetos a olho nu. Ela os dissecou e preparou lâminas com tecidos, para estudá-los no microscópico. "Não encontrei nenhuma evidência de agentes infecciosos", declarou na época, garantindo que o solo da Lua não era tóxico ou perigoso para as baratas.

Lembrancinha

Em 1986, Brooks se aposentou da universidade e criou em sua casa um pequeno memorial, com o que restou de seu trabalho lunar: uma das lâminas de tecido, um recorte de jornal, uma réplica da placa que a Apollo 11 deixou na Lua, um envelope com selo comemorativo, e um cartão postal do Manned Spacecraft Center (hoje Johnson Space Center), em Houston.

Quadro com mementos passou muitos anos na parede da casa de Brooks Imagem: RR Auction

No centro, ficavam as estrelas: três carcaças de Blattella germanica e material lunar removido dos estômagos delas. As lembranças ficaram por muitos anos penduradas em uma parede, até a morte de Brooks, em 2007, aos 89 anos.

Três anos depois, o conjunto, incluindo mais duas caixas de lâminas de microscópio, totalizando 66 delas, e um pequeno vidro, com cerca de 40 mg de quimo com pedaços da Lua, foi vendido por US$ 10 mil, em um leilão na Califórnia. É justamente tudo isso que está sendo releiloado. A RR Auction estima que, agora, o lote pode chegar a US$ 400 mil (quase R$ 2 milhões).

*Com informações de Space e CollectSpace.

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