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Dá para saber quando Heard ou Depp mentem? A ciência das microexpressões

Processo de difamação entre Johnny Depp e Amber Heard capturou atenções nos EUA - GettyImages
Processo de difamação entre Johnny Depp e Amber Heard capturou atenções nos EUA Imagem: GettyImages

Letícia Sé

Colaboração para Tilt, de Santos (SP)

25/05/2022 11h17

Se você acompanha Tik Tok, Instagram ou YouTube, provavelmente já cruzou com algum vídeo analisando as expressões faciais da atriz Amber Heard ou de seu ex-marido, Johnny Depp, no tribunal. O ex-casal trava uma intensa batalha judicial nas últimas semanas, com acusações mútuas chocantes.

Será que algum deles está mentindo? Os vídeos criados nas redes sociais afirmam que é possível detectar sinais em suas microexpressões faciais - leves contrações ou relaxamento nos músculos do rosto que ocorrem sem controle consciente quando se conta uma mentira.

Mas até que ponto podemos acreditar nessas análises?

Uma margem de erro expressiva

"De acordo com a teoria da universalidade, as expressões faciais viriam de respostas emocionais automáticas, que provocam alterações fisiológicas e na face", explica Nelson Torro, professor da pós-graduação em neurociência cognitiva e comportamento da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisador da área.

"As microexpressões são muito rápidas, duram menos de meio segundo. Acontecem, por exemplo, quando a gente fica nervoso, o coração dispara, a pele fica fria. É uma resposta orgânica", continua.

Alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa, nojo ou desprezo e a face neutra são tidas como as emoções universais do ser humano. Mas há uma margem de erro nessa generalização, já que existem influências culturais que podem camuflar ou expressar emoções.

Essa margem de erro é considerada em torno de 30%. Esse número foi alcançado após inúmeros testes em que um grupo de pessoas precisa classificar a emoção básica expressada em uma foto: no geral, 70% de concordância é o número mínimo para validá-lo.

"Nenhuma validação tem 100% de concordância. A alegria é a expressão facial que dá maior número de acertos, com 90% ou 95%. Já o medo tem 70% de classificação pelas pessoas, os outros 30% classificam como outras emoções, como tristeza ou raiva", explica Torro.

No caso das mentiras, não há registro de caso comprobatórios - ou seja, não há pesquisas provando, sem margem de dúvida, se uma pessoa mentiu ou não.

No entanto, esse tipo de análise ainda é válido porque as bases do método têm comprovação científica, como a descrição de microexpressões ligadas às emoções, estudos sobre a universalidade na expressão de emoções e pesquisas sobre a multimodalidade das expressões - ou seja, quais emoções unem movimento facial, unidade corporal e tom de voz.

Pequenos elementos

Esses movimentos na microexpressão e seu potencial significado emocional foram estudados e catalogados principalmente pelo psicólogo norte-americano Paul Ekman, considerado uma sumidade na área. Ele foi a inspiração para o protagonista da série "Lie To Me", que durou três temporadas na TV dos EUA.

"Ele foi o primeiro a catalogar as emoções associadas a expressões. Depois, ele começou a fazer observações fisiológicas, aquilo que chamamos de 'AU', unidade de ações, enumerando os músculos usados nas expressões", destaca o analista comportamental e youtuber Ricardo Ventura, fundador do canal Não Minta Pra Mim.

Para Ventura, o método de análise de microexpressões faciais deve ser usado como uma ferramenta orientadora para investigações, mas não como uma prova determinante.

"Cientificamente, não há como comprovar verdades ou mentiras pela análise de microexpressões. Você pode notar mudanças no comportamento através do método, mas ele não pode ser usado na Justiça, porque é impossível afirmar totalmente", afirma. "As pessoas podem rir de nervoso e chorar de alegria", diz Ventura.

O youtuber afirma também que grandes atores podem burlar a expressão de emoções. "É o caso de Will Smith ou Tony Ramos. Eles vivem o personagem de tal maneira que sentem e expressam um sentimento evocado", explica.

Ou seja, por mais que o tribunal não seja um ambiente que facilite o processo de composição dramática de Depp e Heard, o talento e o treinamento de ambos podem, sim, complicar ainda mais qualquer análise de microexpressões.

Tenologia e justiça

A análise da expressão das emoções, que começou com Charles Darwin em 1872, também já ganhou sua versão tecnológica, com sistemas computacionais que são capazes de detectar os micromovimentos.

Ventura, porém, não é um grande fã. "Esses softwares fazem isso de forma muito cartesiana, mecânica, sem subjetividade", avalia. "Acho que a psicanálise precisa vir junto. A gente precisa entender a pessoa analisada. Os programas não conseguem saber o contexto subjetivo."

É também o contexto que define, afinal, se a análise está correta. Para Ventura, em um caso judicial como o de Depp e Heard, é o "desenrolar dos fatos" que vai determinar a precisão. "Ou a justiça demonstra, ou a pessoa confessa ou uma prova surge e materializa uma análise feita", avalia.

Qualquer um pode aprender?

O interesse do público, porém, parece não depender de resultados. De acordo com dados da plataforma de cursos online Hotmart, em 2021 houve alta de 130% na venda de produtos de desenvolvimento pessoal relacionados à análise corporal e neurolinguística em comparação com 2020.

O próprio Ekman é um fenômeno mercadológico, vendendo diversos tipos de cursos onde compartilha seu conhecimento. Porém, Torro é receoso com a ideia de que qualquer um pode virar um "detector de mentira humano".

"O método funciona em análises de vídeo. Temos que ir pausando e analisando. Não acredito em treinamentos em que se aprende a ler microexpressões e sair para a rua detectar mentira ou verdade no rosto de todo mundo", afirma.