Topo

Caso de Anitta no Spotify: como as plataformas distinguem entre fãs e bots?

Anitta, na apresentação de sexta-feira (15) no festival Coachella - Divulgação/Twitter @Coachella
Anitta, na apresentação de sexta-feira (15) no festival Coachella Imagem: Divulgação/Twitter @Coachella

Ana Paula Coelho

Colaboração para Tilt

18/04/2022 11h17Atualizada em 20/04/2022 11h38

O anúncio de que o Spotify irá analisar se o primeiro lugar de Anitta no ranking Top 50 Global foi ou não manipulado levantou uma grande discussão sobre o "cabo-de-guerra" entre fãs e algoritmos. Até que ponto um engajamento coordenado pode ser considerado "orgânico" (ou seja, sem auxílio de ferramentas como bots —robôs) pelos algoritmos?

Segundo os termos da plataforma, é proibido "aumentar artificialmente as contagens de reprodução ou seguidores", o que inclui o uso de qualquer tipo de bot ou script que automatize a contagem.

O que se sabe, até agora, é que fãs criaram playlists com características específicas para burlar a limitação de registro de execuções da música "Envolver" pelo algoritmo. A estratégia não é inédita. Já foi empregada pela fanbase de vários outros artistas, como Lady Gaga e Demi Lovato, não só no Spotify mas também em outras plataformas, como o YouTube.

Até que ponto isso pode ser entendido como "automatizar"? Como os serviços de streaming identificam os bots?

Eu, robô

Cada plataforma possui uma engenharia algorítmica diferente, de acordo com suas especificações. Robôs (ou bots) são programações automatizadas criadas dentro dessas características para imitar o comportamento humano. Eles podem ter um objetivo específico, como inflar uma métrica ou replicar conteúdos.

Cada vez que os algoritmos dessas plataformas mudam, os bots também mudam e ficam mais difíceis de serem identificados.

"Se olharmos para as ações que geralmente sugerem o comportamento inautêntico associados aos robôs, pode haver grandes volumes de contas autênticas atuando de maneira coordenada. Ou, ainda, com perfis alternativos gerenciados por pessoas ou empresas de marketing", explica o professor e pesquisador Elias Bitencourt, da Universidade Estadual da Bahia.

"Nesses casos, bots e pessoas podem ser confundidos. Fica difícil separar quando a ação inautêntica é mobilizada por coletivos de contas autênticas ou por bots. Bots estão cada vez mais parecidos com perfis reais e perfis reais, mais parecidos com bots."

Para "tirar a prova", as platafomas geralmente colocam seres humanos e sistemas automizados para buscar falhas que denunciem um comportamento robotizado. Por exemplo, um alto número de interações em pouquíssimo tempo ou uma imagem de perfil feita com inteligência artificial.

Usuários também podem ajudar. Quem conseguir identificar esses comportamentos podem fazer denúncias, que também são analisadas por humanos ou algoritmos, a depender da plataforma e do tipo de denúncia.

Por outro lado, as táticas internas de cada empresa não são transparentes o suficiente para sabermos como elas diferenciam um perfil autêntico de um robô. O caso de Anitta pode ser um divisor de águas, caso o Spotify decida compartilhar como chegou a seu veredito - seja lá qual ele for.

Engajamento de centavos

Plataformas de relacionamento e influência como o Instagram, por exemplo, podem atrair sistemas de automatização mais sofisticados. É comum perfis de personalidades comprarem algum tipo de engajamento para aumentar as visualizações e manter algum tipo de validação.

A febre dos sorteios de celular no Instagram, por exemplo, é realizada geralmente por perfis autênticos, mas engajada por perfis automatizados para ganhar a confiança do público. Esse tipo de perfil age de maneira coordenada para produzir um número muito grande de interações em um curto espaço de tempo.

Empresas estão se especializando nesse tipo de ação e criando uma distorção ainda mais distópica: perfis falsos controlados por pessoas reais, mas que se comportam como bots. Por um valor irrisório, o cliente pode comprar cliques, likes, interações - e alterar suas métricas artificialmente. (Ou seria? humanamente?)

A detecção desses casos é difícil, mas pode custar caro. No caso do Twitter e Instagram , por exemplo, uma conta aparentemente automatizada pode sofrer o que chamam de shadowban, que é uma espécie de banimento silencioso. Sem que o usuário perceba, o alcance dessa conta diminui significativamente.

O problema é que as empresas de bots também estão se dando conta desses critérios e criando scripts de automação ainda mais sofisticados, que cumprem sua função mas sem chamar a atenção das plataformas. É por isso que a mimese humana (capacidade de imitar um comportamento legitimamente humano) é tão importante e causa tanta confusão.

O brasileiro ama redes sociais

O comportamento coordenado e a ação de vários fãs pode parecer, de longe, automatizado. Mas, dependendo da força, pode fazer muito mais do que bots. O pesquisador em comunicação digital e professor Marcelo Freire, da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto), avalia que Anitta tem a seu favor um argumento poderoso: a intensa relação do brasileiro com redes sociais, distinta do resto do mundo.

"O Brasil tem um perfil de usuário que usa bastante as plataformas e fica muito conectado. Anitta tem um fandom gigante e com um perfil conectado, isso potencializa a sua posição nestes rankings."

"É importante observar as dinâmicas de fãs e haters pelos registros nas redes sociais que se mobilizam pela definição de pautas diversas e assim impactam na popularidade de artistas e nas métricas do Spotify", complementa Natália Cortez, doutora em Comunicação Social e autora de uma pesquisa sobre o funcionamento desse streaming.

Essa mobilização ocorre não só nos streamings, mas em outras redes sociais e podem acontecer de maneira coordenada. Um dos pontos focais da polêmica em torno de Envolver foi um tweet preparado por um fã em 14 de março que ensinava como criar playlists cujas execuções da canção não seriam desconsideradas pelo algoritmo do Spotify. A própria conta de Anitta no Twitter repostou o passo-a-passo.

Para o pesquisador Marcelo Alves, da PUC-Rio, essas ações dos fãs para aumentar a visibilidade de seus ídolos faz parte de uma sociabilidade e é mais cultural do que imaginamos. "É difícil traçar uma linha entre o que é autêntico e o que é inautêntico, entre o que é uma ação coordenada com representatividade social de uma ação que é sistêmica. Isso revela uma certa ambivalência da própria plataforma e da infraestrutura digital" comenta.

Veja mais: Alto Astral com Papisa analisa Mapa Astral de Anitta