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'Golpista do Tinder' do Brasil? Ela conheceu crush online e perdeu R$ 3 mil

Lazy_Bear/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Lazy_Bear/Getty Images/iStockphoto

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

06/04/2022 13h47Atualizada em 07/04/2022 18h32

Não era amor, era cilada. Imagine conhecer alguém legal num aplicativo de relacionamento, sair várias vezes com a pessoa... e levar um golpe. Foi o que aconteceu com a profissional de marketing Milena*, 35. Além do coração partido, ela teve um prejuízo financeiro de mais de R$ 3 mil.

O caso dela lembra os relatos do documentário da vez na Netflix: o "Golpista do Tinder", que conta a história de Simon Leviev (pseudônimo), famoso por conhecer mulheres em apps de encontro, seduzi-las, pedir dinheiro emprestado e nunca devolver. Ele teria afanado cerca de US$ 10 milhões —mais de R$ 50 milhões— de suas vítimas.

Uma história (nada) de amor

Quando se divorciou em 2017, Milena baixou aplicativos de encontro pela primeira vez. Foi quando conheceu Gustavo*.

"No primeiro encontro, ficamos conversando a noite inteira, cheguei em casa já amanhecendo", lembra. Aquele date em uma sexta-feira comum já foi um prenúncio do que estava por vir —ela só não sabia ainda.

"A gente foi para um barzinho e ele pedia vários drinks diferentes, coisas caras. Na hora da conta, que deu uns R$ 700, eu paguei metade. Mas o cartão dele não passou. Ele pareceu surpreso, 'nossa, não acredito, fiquei com o cartão da Cláudia, que almoçou comigo hoje no trabalho, devemos ter trocado sem querer'".

Gustavo disse que devolveria o dinheiro, mandou diversas mensagens carinhosas, e eles saíram durante o final de semana. Na segunda, ele enviou um comprovante de depósito em dinheiro no caixa eletrônico. "Eu achei um pouco estranho. Naquela época ainda não tinha Pix, mas todo mundo fazia transferência pela internet. Eu nem conferi a conta para ver se tinha caído ou não."

Os dois continuaram se vendo. "Ele dormiu na minha casa, super atencioso, me levou vários utensílios de cozinha, que eu ainda não tinha, de presente", conta. Logo, o rapaz pediu para namorar com Milena. "Ele estava afoito, mas eu havia acabado de terminar um relacionamento."

A solução foi não oficializar o namoro, mas seguir conhecendo o cara. Eles se adicionaram no Facebook, Instagram e LinkedIn —nesta última, Gustavo dizia ser empresário, que prestava serviços para a operadora Vivo. "De manhã, eu dava carona para ele até próximo do prédio da Vivo — em São Paulo. Ele dizia que entendia de TI [departamento de tecnologia da informação] e de telefonia, e insistia que eu precisava trocar meu celular, que o meu estava muito velho."

Na mesma semana, ele a convidou para uma viagem internacional. "Ele pediu o número do meu passaporte: 'Você tem visto americano? Quando pode tirar férias?' E me mandou um comprovante de compra de passagem para os Estados Unidos. Achei muito precipitado, mas seguimos."

Uma noite, enquanto Milena tomava banho, o rapaz foi ao mercado comprar coisas para fazer um "jantar especial". No dia seguinte, percebeu que o cartão de crédito havia sumido. "Minha bolsa estava lá, com tudo dentro. Ele fez o jantar, dormiu na minha casa."

Gustavo, então, apareceu no trabalho dela na hora do almoço, levando comida e um celular novo. O argumento usado, segundo Milena, foi de que o aparelho dela estava muito ruim e que ele havia conseguido o modelo quase de graça na Vivo. "Fiquei chocada, mas achei que talvez eu que não estivesse acostumada com este tipo de tratamento, pois estava 'fora do mercado' há anos."

Na mesma noite, o rapaz não poderia dormir com ela, pois iria visitar o pai. Ela deu carona para ele até uma estação de trem. Gustavo entrou no carro com atitudes estranhas. "Me deu um beijo e ficou mexendo na perna, eu perguntei 'tá tudo bem?'", lembra ela. A resposta foi: 'acho que levei uma picada, minha perna está coçando'".

Quando o homem se levantou para deixar o carro, o cartão de crédito de Milena apareceu caído no assoalho do veículo. Nesta hora, ela teve certeza de que havia sido roubada. "Estava morrendo de medo, mas até falei que sentiria saudades para que ele não percebesse. Fiquei tremendo como vara verde."

"Assim que sai da vista dele, liguei paro o banco e cancelei todos os meus acessos, internet banking, cartão físico. Chamei um chaveiro 24 horas para instalar uma chave tetra em minha porta. E continuei trocando mensagens fofas com ele, como se nada estivesse acontecendo", completa.

R$ 3 mil de prejuízo

Milena descobriu então que o cartão tinha um débito de cerca de R$ 3 mil em compras físicas, com senha, em lojas diversas de um shopping de São Paulo. Ela acredita que Gustavo tenha decorado a combinação quando os dois passaram no caixa de uma farmácia.

Ela desconfia também que o rapaz instalou um programa para esconder notificações no celular que havia ganhado de presente dele. "Era um app que reunia todos os SMS e não exibia notificações", conta. Por isso, ela acha que não viu os avisos do banco enquanto o rapaz fazia as compras.

Golpista profissional

Milena foi até uma delegacia fazer um boletim de ocorrência no dia seguinte. Lá, descobriu que cerca de 20 mulheres já haviam registrado B.Os. contra Gustavo, com o mesmo tipo de golpe.

Uma delas teria sofrido um desfalque de cerca de R$ 30 mil. E outra relatou ameaças de agressão física. Milena trocou todo o esquema de trabalhar, horários de sair de casa, caminhos que fazia, por medo de uma abordagem violenta.

No ano passado, uma garota mandou mensagens para Milena em uma rede social. "Ela era do interior e perguntou se eu havia sido roubada em 2017. Inicialmente, achei que fosse ele com um perfil falso, tentando chegar a mim para fazer mal, mas tratava-se de uma nova vítima."

"É muito triste, ele vai atrás de mulheres com um perfil mais vulnerável", lamenta. "Acho que a tática dele é bombardear você de informações, de um jeito muito sedutor, passando segurança. Mas, ao mesmo tempo que eu ficava confortável naquela situação, eu não ficava, porque eu não queria uma relação. Ele insistia tanto, e eu estava vulnerável. Foi surreal."

Milena não sabe que fim levou as investigações. Aparentemente, Gustavo segue nas redes sociais e diz ser casado.

Após o susto, ela voltou para os aplicativos de relacionamento alguns meses depois. "Mas com muito mais cuidado", ressalta. No mesmo app que usou com Gustavo, ela conheceu Rodrigo, com quem acaba de completar três anos de casamento.

Golpes assim têm nome: catfishing

De acordo com um levantamento da empresa de segurança digital PSafe, um em cada quatro brasileiros que já se relacionou com alguém pela internet foi enganado. Cerca de 25% das vítimas tiveram alguma perda financeira. Os principais aplicativos que envolvidos na tática são Facebook, Instagram e Tinder.

Esse tipo de golpe é chamado catfishing, quando uma pessoa cria uma conta falsa (ou mais) em plataformas online com objetivo de enganar quem está em busca de relacionamentos, geralmente para conseguir dinheiro ou outras vantagens.

Segundo Marcelo Bulgueroni, advogado e doutor em direito digital, o envolvimento é a base de qualquer estelionato, seja físico ou o virtual. O "bom" praticante do catfishing nunca chega pedindo favores ou dinheiro logo de cara. "Ele tenta desenvolver uma relação de confiança. É muito comum neste golpe, inclusive, a pessoa primeiro oferecer algo. Uma viagem, um presente, um gesto simbólico", ressalta.

Depois, podem pedir empréstimos usando desculpas como:

  • conta bloqueada.
  • sequestro.
  • problemas na alfândega.
  • propostas de parcerias e investimentos que parecem vantajosos.

Como evitar se tornar vítima

É o contrário do sistema jurídico: todo mundo não é inocente até que se prove o contrário, diz o advogado Bulgueroni. "Meu conselho é presumir que tudo que está lá [exposto nas redes sociais] é mentira. O catfishing não é novidade, mas a internet deixou muito mais fácil."

Uma boa vasculhadas nas redes sociais e no Google sobre a pessoa é um passo importante para procurar por sinais de alerta. Conforme as conversas avançam, é importante fazer perguntas pessoais, sobre família, amigos, faculdade, para ver se a pessoa se abre e não cai em contradições.

Foi o que ajudou Milena. "No Instagram ele tinha vários amigos, mas eu percebia que a maioria das fotos era selfies e não tinha muitos comentários", lembra. Para ela, o sinal de algo errado foi a falta de interações nas postagens, fotos marcadas etc, diz. Gustavo também nunca a recebeu no apartamento que dizia morar.

O perito em crimes digitais Wanderson Castilho reforça a dica de segurança: "nunca apague as conversas, talvez você possa precisar no futuro".

"Também não passe seu telefone verdadeiro logo de cara, use a plataforma até ter certeza absoluta de quem você está falando, e se realmente é quem diz ser", completa.

Segundo Castilho, os golpistas vasculham as redes em busca de perfis específicos, mais suscetíveis a serem enganadas, como pessoas que passaram por desilusões amorosas, traições, luto, doenças, depressão.

*Os sobrenomes de Milena e Gustavo não foram informados a pedido da entrevistada.