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Você se sente solitário no Facebook? Depende de quanto tempo passa lá

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Imagem: Getty Images

Lucas Agrela

Colaboração para Tilt, em São Paulo

01/04/2022 04h00

Em teoria, uma rede social como o Facebook serviria para conectar seus usuários e estimular a socialização - mesmo que apenas virtual. Mas será que ela torna as pessoas menos solitárias? Ou mais?

A resposta está numa pesquisa realizada pela consultoria YouGov, em 2018, a pedido da própria empresa. Os resultados foram revelados pelo Facebook Papers, documentos internos vazados pela ex-funcionária Francis Haugen.

A conclusão é que tudo depende de quanto tempo você passa no Facebook. Entre os 6.500 entrevistados, as pessoas que gastavam cerca de uma hora por dia na plataforma se diziam menos solitárias. Os solitários eram quem gastava mais tempo do que isso - e também quem gastava menos.

O estudo reuniu entrevistados de 12 países, mas não apresenta dados específicos sobre o Brasil. De acordo com um levantamento da consultoria GlobalWebIndex, brasileiros passam 3 horas e 42 minutos por dia em aplicativos de redes sociais - bem acima das 2 horas e 25 minutos que são a média mundial.

O conteúdo também importa

Ainda segundo a pesquisa da YouGov, os tipos de publicação com que o usuário interage também podem afetar essa sensação de exclusão ou pertencimento.

Foram considerados "causadores de solidão" os posts com conteúdo negativo, ou que mostravam outras pessoas se divertindo sem elas. Rolar o feed sem interagir com amigos também provoca esse sentimento.

Já os conteúdos que diminuem essa sensação são aqueles que inspiram, ensinam algo sobre o mundo ou são engraçados.

O solitário se sente mais solitário

Os entrevistados percebem o Facebook com uma tendência maior a amezinar a solidão do que a aprofundá-la. Porém, para quem já se sente solitário, a rede social pode reforçar uma perspectiva negativa sobre a própria vida.

A experiência online se reconfigura: são pessoas que postam menos e consomem mais. Elas também se comparam com outros até três vezes mais que os não-solitários.

Para Arthur Igreja, especialista em tecnologia e professor convidado da FGV, sentimentos mistos nas redes sociais envolvendo solidão não são determinados por um único comportamento. É uma somatória de fatores complexos. Um deles pode ser a necessidade de fuga do mundo real.

"Se a pessoa está online no Facebook por mais de uma hora, atualizando o feed, a tendência é que ela não esteja interagindo com o mundo offline. Ela pode estar rodeada de pessoas, mas ainda assim não interagindo. Ao contrário, está fugindo de quem está ao redor e vivendo no virtual", analisa.

Isso também é reforçado pela pesquisa. Segundo os entrevistados, passar tempo com amigos e família é a melhor maneira de combater a solidão (como seria de se esperar).

Apps de namoro, Twitter e Instagram foram considerados menos efetivos. Mas vale destacar que, numa lista com diversas atividades (como assistir TV, ouvir música e falar ao telefone), que incluía também o uso de outros apps (como WhatsApp e YouTube), o Facebook foi considerado "o pior para a solidão".

Facebook imaginava impacto positivo

Para David Kirkpatrick, autor do livro "O Efeito Facebook" (editora Intrínseca), a rede social de Mark Zuckerberg é bom e ruim, ao mesmo tempo. A dose cria o veneno: algumas pessoas podem ter maior sensibilidade a ele.

"Apesar de todas as falhas e erros do serviço, não há dúvida de que ele ainda conecta as pessoas de forma muito significativa, e familiares e amigos podem manter um contato muito mais próximo", explica.

"Para quem tem problemas emocionais, no entanto, ele pode facilmente se tornar um vício ou uma forma de se comparar desfavoravelmente com a experiência dos outros."

O próprio Facebook reconhece que ainda não compreende totalmente o efeito que causa nos usuários. "Existem muitas nuances que precisamos aprender", resume a autora do documento vazado, a pesquisadora científica Moira Burke.

Segundo a pesquisa, as expectativas da empresa eram de que o contato virtual com outras pessoas tivesse um impacto positivo.

"Esperávamos que as pessoas creditassem as interações ativas com amigos próximos, uma vez que nosso trabalho passado mostrou que as interações individuais, especialmente com amigos próximos, estão ligadas a melhorias no bem-estar", destaca a análise.

"Em vez disso, as pessoas creditaram experiências mais passivas que poderiam vir de qualquer tipo de agente (conhecidos, páginas). Isso sugere que devemos ter uma visão mais matizada sobre o consumo passivo", completa o documento.

O que a empresa deveria fazer para ajudar

Em seu relatório, Burke aponta a necessidade de equilíbrio na forma como a empresa organiza e exibe conteúdos na linha do tempo.

É sugerido que haja mais transparência em relação ao tempo gasto na rede social. "Nós deveríamos fornecer às pessoas controles para estabelecer limites de tempo ou usar outro site com mais intenção", diz.

Em nota a Tilt, a Meta (atual nome da empresa Facebook) informou que levantamentos como esse são comuns no dia-a-dia da companhia. Servem para entender melhor a relação dos usuários com a rede social e aperfeiçoar os serviços.

"A pesquisa nos informou como podemos construir experiências sociais de alta qualidade em nossos produtos e estamos comprometidos em continuar fazendo isso", informou um porta-voz, sem dizer exatamente se algo será feito.

Para Arthur Igreja, a postura de inércia da empresa diante da análise contida no documento não surpreende.

"O Facebook é uma empresa com histórico de falar sobre suas preocupações com as fake news, com a saúde mental das pessoas. Mas a realidade não é bem isso. A função da rede é exibir propaganda, aumentar o tempo de tela e o engajamento. O somatório dessas variantes chama-se vício. Não tem nada a ver com felicidade", afirma o professor.

*As informações foram tiradas de documentos revelados à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) e fornecidas ao Congresso dos Estados Unidos de forma editada pela assessoria legal de Frances Haugen. Desde então, um consórcio de veículos de notícias analisa o material. No Brasil, o Núcleo Jornalismo teve acesso aos documentos e fez uma parceria com Tilt para que as informações fossem compartilhadas.