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Tempo recorde: como a Ucrânia trocou rede elétrica da Rússia pela da Europa

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Thaime Lopes

Colaboração para Tilt, em São Paulo

26/03/2022 10h05

Horas antes de a Rússia iniciar a invasão na Ucrânia, no final de fevereiro, os ucranianos estavam no meio de um teste que, semanas depois, se tornaria essencial para o funcionamento do país.

No dia 24 de fevereiro, a rede elétrica da Ucrânia se desconectou da rede russa pelo que seriam apenas 72 horas, como uma forma de testar uma futura conexão à rede elétrica da Europa. Com o início da invasão do exército russo ordenada por Vladimir Putin, os planos mudaram e a conexão definitiva ao sistema europeu se tornou não só um plano, mas uma necessidade.

O processo de transição, que normalmente demoraria um ano, foi concluído em apenas duas semanas, tempo recorde. Durante esse período, em que a Ucrânia não estava conectada à rede elétrica nem da Rússia, nem da Europa, o país só conseguiu suprir a necessidade enérgica porque milhões de pessoas deixaram suas casas.

Mas antes de entrarmos em detalhes de como tudo isso foi feito tão rápido, é preciso entender como a rede elétrica ucraniana funciona.

Dependência da época da URSS

Antes de se tornar um país independente, a Ucrânia fazia parte da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Com o fim do bloco em 1991, a região passou a agir por conta própria, mas ainda mantendo algumas dependências com a Rússia. Uma delas foi a rede elétrica, que foi construída na época da União Soviética e, desde então, nunca mais foi alterada.

Tentando diminuir o controle russo sobre serviços tão essenciais quanto a energia, a Ucrânia vinha tentando, desde 2014, se desvincular do país. Um dos primeiros passos para isso foi tirar o monopólio de duas empresas da era soviética que gerenciavam gás e energia no país (Naftogaz e Ukrenergo). Em seguida, a Ucrânia passou a adotar leis europeias e parou de importar gás natural da Rússia, optando por fazer negócios com Polônia, Romênia e outros.

O último passo para a independência era se unir à rede elétrica europeia. E foi durante aquele teste de 24 de fevereiro que, devido à invasão, o o que era para ser só uma experiência se tornou uma mudança definitiva.

Como a rede elétrica da Europa funciona

Em termos simples, a rede elétrica europeia funciona de forma semelhante a uma grade, com várias linhas e cabos que se cruzam, se conectam e transferem energia de um para outro. Toda essa energia vem, claro, de usinas, fazendas de vento e painéis solares.

Essa grade, então, é responsável por distribuir a energia para os países europeus. Cada parte dela funciona em perfeita sincronia, com as turbinas das usinas e fazendas girando 50 vezes por segundo.

O maior desafio para conectar a Ucrânia ao sistema europeu era sincronizar as turbinas ucranianas ao ritmo da grade. Sem essa sincronia, um efeito cascata poderia causar quedas de energia em diversas partes do continente.

Como se isso já não fosse difícil o bastante, todo o processo tem que ser feito com o sistema funcionando — afinal, não daria para apagar as luzes dos 35 países países que compõem a grade. Por isso, a ideia inicial era de que, se a Ucrânia decidisse de fato fazer parte do esquema, a transição demorasse pelo menos seis anos, incluindo todo o processo jurídico e regulatório da mudança.

'Um ano em duas semanas'

Quando a invasão russa aconteceu, era de extrema urgência que a Ucrânia parasse de depender de energia do país invasor. Foi quando o time da Entso-E (Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão de Eletricidade, na sigla em inglês) entrou em jogo e realizou todo o trabalho de sincronização de turbinas em duas semanas.

Em entrevista à revista "Scientific American", o pesquisador de política de energia Paul Deane disse que isso nunca havia sido feito tão rápido em toda a história.

Apesar da sincronização ter sido realizada com sucesso, a Ucrânia ainda não está totalmente integrada à rede elétrica da Europa — parte da energia gerada está sendo direcionada ao país, mas não o suficiente. Boa parte da rede elétrica ucraniana está funcionando com usinas do próprio país, mas com a possibilidade de importar energia, se necessário, da Europa.

A integração completa, explicou Deane à publicação, vai demorar anos e depende do fim da guerra para que todo o sistema já destruído pelos russos seja refeito e, assim, o processo seja concluído com sucesso e a Ucrânia faça parte 100% da rede elétrica europeia.