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Avatares 'penetras' e Karnal disputado: o 1º casamento do país no metaverso

O primeiro casamento brasileiro do metaverso - Reprodução/Instagram e Arquivo Pessoal
O primeiro casamento brasileiro do metaverso Imagem: Reprodução/Instagram e Arquivo Pessoal

Anahi Martinho

Colaboração para o UOL

23/03/2022 14h28Atualizada em 23/03/2022 19h28

Foi numa conversa despretensiosa por telefone, em 2021, que a analista de tecnologia Rita Wu propôs ao então namorado, André Mertens, que se casassem no metaverso.

Ele topou na hora, mas com uma ressalva: o pedido de casamento tinha que ser feito ao vivo, presencialmente. Meses depois, Rita cumpriu o combinado. Pediu a mão de André diante de amigos e familiares, com direito a um donut de pelúcia fazendo as vezes de aliança.

De lá pra cá, os dois se mudaram juntos para um apartamento em São Paulo e tiveram dois meses para organizar a cerimônia e a festa de casamento - talvez uma das mais inusitadas que o Brasil já viu.

O casório ocorreu no sábado (19), no metaverso do Decentraland, e foi assunto no Twitter e Instagram durante todo o final de semana, rendendo piadas, memes, algumas críticas e também comentários entusiasmados com a ousadia do casal.

A diferença para outras celebrações já realizadas no grande universo de metaversos, no qual Decentraland é apenas uma das plataformas em construção, é que desta vez a cerimônia foi realizada num ambiente baseada em blockchain, que permite que o contrato de casamento, por exemplo, seja assinado digitalmente pelos noivos e tenha validade no "mundo real", situação distinta de experiências em jogos de imersão que, para ter validade, necessariamente demandariam, na prática, uma versão física para ter efeito.

A cerimônia foi guiada por Leandro Karnal e ocorreu em uma igreja que pertence à DJ australiana Alison Wonderland. Metarquitetos customizaram a igreja com detalhes inspirados na Catedral da Sé — "para ficar com a nossa cara", contam os noivos. "Todo mundo queria dançar na pista com o avatar do Leandro Karnal, foi o máximo."

Para Rita, casar no metaverso foi mais que uma maneira diferente de celebrar a união com André. Entusiasta dessa nova internet onde "tudo é possível", ela fez questão de ser a pioneira em experimentar essa tecnologia, não só pela experiência em si, mas para trazer material para suscitar a análise crítica.

"Eu tava pirando no metaverso. E tinha muita gente falando sobre isso, mas sem nunca ter feito nada. Muita gente discutindo, analisando, e eu falava: 'Vamos fazer coisas. Vamos experimentar, para daí sim podermos debater'", explica Rita. "Falar depois de ter feito e falar de dentro é algo que sempre me interessou no universo da tecnologia. Conseguir analisar a partir da experiência."

O casamento foi também um experimento, uma maneira de nos aventurarmos, fazermos uma coisa grande e entender como essas plataformas funcionam. Casamento é um evento superafetivo, então seria interessante para humanizar essa tecnologia que ainda parece tão distante para muita gente.
Rita Wu, noiva

Poder juntar amigos que vivem em outros países e cidades, além de casar de maneira segura no meio da pandemia de coronavírus também foram algumas das vantagens que o casal viu em realizar a união no metaverso. E a ideia deu tão certo, que ainda nem foi possível contabilizar quantas pessoas participaram do casamento.

'Tela azul'

Dono de uma consultoria em tecnologia, André recorda da reação dos amigos e familiares que estavam presentes quando Rita fez o pedido de casamento, em Santos (SP). "Ela falou: 'Quero casar com você... no metaverso!'. Deu aquela tela azul do Windows na cabeça das pessoas", lembra.

Naquele momento ficou claro que todo mundo já tinha ouvido falar do metaverso, mas ninguém foi atrás para entender ou experimentar. Teríamos que traduzir muita coisa para os convidados. Acho que tem coisa que eles não entenderam até agora (risos). André

Diante da principal barreira tecnológica que o metaverso oferece, ou seja, a necessidade de um computador forte para conseguir acessar a plataforma, os convidados deram seu jeitinho: teve parente que se juntou para assistir de um computador só, teve streamer de jogos fazendo live da cerimônia no Twitch, teve churrasco entre amigos para acompanhar o casamento e até avatares "penetras" que apareceram na festa sem serem convidados.

No final, o casal se sentiu orgulhoso em ver que seus amigos se envolveram com a ideia, criaram seus avatares, abriram suas carteiras digitais para poder participar do casamento e mergulharam na experiência.

Foi legal proporcionar para os nossos convidados essa primeira experiência no metaverso, vê-los se divertindo, curtindo, criando seus avatares, customizando as roupinhas, interagindo.

Casamento saiu de graça - mas pode ser caro

Como pioneiros do primeiro grande evento brasileiro no metaverso, Rita e André puderam contar com uma espécie de força-tarefa para que o casamento acontecesse. A própria Decentraland Foundation fez uma parceria com o casal e preparou a plataforma para que o grande número de convidados pudesse acessar o evento sem problemas. Foram disponibilizados oito servidores para o evento e os avatares dos noivos estavam replicados em cada um dos servidores.

Na vida real, Rita e André participaram do casamento cada um em seu computador, juntos, na mesma casa, mas vendo telas diferentes. Já seus avatares estavam vestindo looks de passarela da grife Fernanda Yamamoto, especialmente customizados para o metaverso.

Depois da cerimônia na igreja, com direito a marcha nupcial e chuva de glitter nos noivos, os convidados se "teletransportaram" para uma discoteca, onde o DJ Patrick Tor4 animou a pista com hits brasileiros.

Era muito igual a um casamento físico mesmo, a gente andava pela pista e todo mundo queria nos cumprimentar, dançar do nosso lado, fazer stories com os noivos. André

Convidados compartilharam stories dançando com os noivos - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
O primeiro casamento brasileiro do metaverso
Imagem: Reprodução/Instagram

O Decentraland, metaverso escolhido pelo casal para fazer a cerimônia, é conhecido por comercializar terrenos por até US$ 2 milhões. André e Rita não gastaram nada, pois os espaços foram cedidos colaborativamente. "Nosso casamento foi colaborativo, muita gente e instituições participaram e por isso não gastamos quase nada", explicam os noivos.

Mas, futuramente, se outros casais quiserem entrar na onda, a brincadeira pode acabar saindo até mais cara que um casamento "físico". Isso porque as grandes empresas, as bigtechs, já estão de olho no metaverso e algumas até são donas de terras nestes espaços virtuais. O que André e Rita conseguiram fazer gratuitamente, pode, num futuro próximo, virar um mercado lucrativo.

"Para a gente, era importante casar em um metaverso aberto, como é o Decentraland, justamente para trazer essa discussão da abertura, de como fazer para que isso seja mais acessível e que os metaversos não sejam só dominados pelas grandes empresas", explica Rita.

Assim como no início o celular era algo extremamente caro e que só algumas pessoas podiam ter e depois foi se popularizando, com essas tecnologias isso vai acontecer. E aí como vai ser? Vamos continuar vendendo nossos dados para grandes empresas, ou queremos fazer alguma coisa com isso?

NFT de lembrancinha

Claro que num casamento tão tecnológico, não poderia faltar a lembrancinha que é o assunto do momento: NFTs.

Reprodução do NFT das alianças de Rita e André, que tem lastro no valor do diamante - Reprodução - Reprodução
Reprodução do NFT das alianças de Rita e André, que tem lastro no valor do diamante
Imagem: Reprodução

Por meio de QR codes espalhados pela festa, cada convidado pôde resgatar sua lembrancinha, que são NFTs especiais desenvolvidos para celebrar a união de Rita e André.

Já as alianças, os donuts de pelúcia que marcaram a história do casal, foram convertidos em TIFFTokens, que têm lastro no valor do diamante real.

Casamento é válido?

Essa é uma das perguntas que o casal tem ouvido com maior frequência. A resposta é: sim.

O contrato inteligente (chamado smartcontract) do casamento, foi assinado via blockchain, com carteiras digitais, e tem validade perante toda a comunidade usuária da tecnologia, que funciona em uma grande rede de blocos que autenticam cada transação realizada dentro dela.

Já a lua de mel vai ser física, no mundo real. O casal ainda está escolhendo o destino.

Na imagem abaixo é possível ver um resumo de como as transações no blockchain ocorrem.

Blockchain - Pedro Luis Bottino de Vasconcellos/Arte UOL - Pedro Luis Bottino de Vasconcellos/Arte UOL
Imagem: Pedro Luis Bottino de Vasconcellos/Arte UOL