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Humanos vs IA: quem é melhor em ganhar dinheiro nos mercados financeiros

Feodora Chiosea/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Feodora Chiosea/Getty Images/iStockphoto

The Conversation

28/02/2022 04h00

A Inteligência Artificial (IA) já está praticamente de igual para igual ou até mesmo ultrapassou humanos em áreas que eram consideradas inatingíveis. Isso inclui jogos como xadrez e Go, games de arcade, veículos autônomos, enovelamento de proteínas e muito mais. Esse progresso tecnológico que é rápido também causou um impacto enorme na indústria de serviços financeiros.

Um número cada vez maior de CEOs no setor declaram (de forma explícita ou implícita) que eles comandam "empresas de tecnologia com uma licença para funcionar como banco".

Também há o aparecimento e crescimento vertiginosos das chamadas fintechs (abreviação para financial technology, ou tecnologia financeira, em português), em que startups de tecnologia cada vez mais ameaçam instituições financeiras já bem estabelecidas em áreas como os bancos de varejo, pensões e investimentos pessoais.

Assim, a IA geralmente surge nos bastidores de processos como os de cibersegurança, ações contra lavagem de dinheiro, para conhecer o cliente ou em bots de conversa online, os chamados chatbots.

Entre os diversos cases de sucesso, um parece estar visivelmente ausente: a IA sendo usada para fazer dinheiro no mercado financeiro. Enquanto algoritmos simples são usados por traders, o chamado machine learning (aprendizado automático, em tradução livre) ou os algoritmos de IA são bem menos comuns na tomada de decisão sobre investimentos.

Mas como o machine learning é baseado na análise de conjuntos de dados gigantes e em achar padrões neles, e como o mercado financeiro produz uma quantidade enorme de dados, o uso dessa tecnologia parece inevitável. Em um novo estudo, publicado pelo International Journal of Data Science and Analytics, nós lançamos o debate sobre se a IA trabalha melhor do que humanos quando o assunto é fazer dinheiro.

Alguns fundos de cobertura quant (ou quant hedge funds, em inglês) afirmaram que utilizam IA no seu processo de tomada de decisões sobre investimentos. No entanto, eles não divulgam oficialmente informações sobre performance. Além disso, apesar de alguns deles administrarem bilhões de dólares, eles ainda são um nicho e seguem pequenos em relação ao tamanho da indústria de investimentos.

Por outro lado, as pesquisas acadêmicas já mostraram diversas vezes o alto nível de precisão nas previsões financeiras baseadas em algoritmos de machine learning. Em teoria, isso poderia ser traduzido em um maior sucesso de estratégias de investimento para a indústria financeira. Mas, mesmo assim, isso não parece estar acontecendo.

Qual é a razão para essa discrepância? É culpa da cultura gestora enraizada ou é algo relacionado com as questões de ordem prática dos investimentos no mundo real?

Previsões financeiras por IA

Nós analisamos 27 estudos feitos por pesquisadores e revisados por pares e que foram publicados entre 2000 e 2018. Eles descrevem diferentes tipos de experimentos de previsão de ações usando algoritmos de machine learning. Nós quisemos determinar se essas técnicas de previsão poderiam ser replicadas no mundo real.

Nossa observação mais imediata foi a de que a maioria desses experimentos rodou múltiplas versões (e em casos extremos, centenas delas) de seus modelos de investimento em paralelo. Em quase todos os casos, os autores apresentadora seu modelo de maior performance como o produto primário do experimento - o que significa que o melhor resultado foi escolhido a dedo e os demais resultados foram ignorados.

Essa abordagem não funcionaria no mundo real do gerenciamento de investimentos, onde toda estratégia só pode ser executada uma única vez e seu resultado é claramente lucro ou perda — não há como desfazer resultados.

Rodar diversas variantes e só então apresentar a de maior sucesso como a representativa poderia ser enganoso no setor financeiro e até mesmo ser considerado ilegal. Por exemplo, se executarmos três variantes da mesma estratégia, em que uma perde -40%, a outra perde -20% e a terceira ganha 20%, e então mostramos apenas o ganho de 20%, claramente esse único resultado deturpa o desempenho do fundo.

Apenas uma versão de um algoritmo deve ser testada, o que representaria a configuração de um investimento do mundo real e seria, portanto, mais realista.

Os modelos nos artigos que analisamos alcançaram um nível muito alto de precisão, cerca de 95% — uma marca de muito sucesso em diversas áreas. Mas na previsão de mercado, se um algoritmo estiver errado 5% das vezes, isso ainda pode ser considerado um problema real. Pode ser catastroficamente errado em vez de marginalmente errado — não apenas eliminando o lucro, mas todo o capital subjacente.

Também observamos que a maioria dos algoritmos de IA pareciam ser "caixas pretas", sem a transparência sobre como funcionavam. No mundo real, isso provavelmente não inspirará a confiança dos investidores. Também é provável que isso seja um problema do ponto de vista regulatório. Além disso, a maioria dos experimentos não levou em conta os custos de negociação. Embora estejam diminuindo há anos, eles não são zero e podem fazer a diferença entre lucro e prejuízo.

Nenhum dos experimentos que analisamos levou em consideração os regulamentos financeiros atuais, como a diretiva legal da União Europeia MIFID II ou a ética nos negócios. Os experimentos em si não se envolveram em nenhuma atividade antiética — eles não buscaram manipular o mercado - mas eles não tinham um recurso que assegurasse explicitamente que eles eram éticos.

Na nossa opinião, os algoritmos de machine learning e IA na tomada de decisões de investimento devem observar dois conjuntos de padrões éticos: tornar a IA ética em si e tornar ética a tomada de decisões de investimento, levando em consideração considerações ambientais, sociais e de governança. Isso impediria a IA de investir em empresas que possam prejudicar a sociedade, por exemplo.

Tudo isso significa que as IAs descritas nos experimentos acadêmicos eram impraticáveis no mundo real da indústria financeira.

Os humanos são melhores?

Também queríamos comparar os resultados da IA com os conquistados por profissionais de investimento. Se a IA pudesse investir tão ou melhor do que os humanos, isso poderia ser o prenúncio de uma enorme redução nos empregos.

Descobrimos que diversos fundos alimentados por IA cujos dados de desempenho foram divulgados publicamente geralmente tiveram desempenho inferior no mercado. Assim, concluímos que existe atualmente um argumento muito forte a favor de analistas e gestores humanos.

Apesar de todas as suas imperfeições, evidências empíricas sugerem fortemente que os humanos estão atualmente à frente da IA. Isso pode ser em parte por causa dos atalhos mentais eficientes que os humanos usam quando precisam tomar decisões rápidas sob incerteza.

No futuro, isso pode mudar, mas ainda precisamos de evidências antes de mudar para a IA. E no futuro imediato, acreditamos que, em vez de colocar humanos contra a IA, devemos combinar os dois. Isso significaria incorporar a IA em ferramentas analíticas e de suporte à decisão, mas deixar a decisão final de investimento para uma equipe formada por humanos.