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Entenda pontos que tornam preocupante PL que proíbe imagem de racha na web

Foto de 2014 mostra racha realizado na marginal Pinheiros, em São Paulo  - 21.mar.2014 - Eduardo Anizelli/Folhapress
Foto de 2014 mostra racha realizado na marginal Pinheiros, em São Paulo Imagem: 21.mar.2014 - Eduardo Anizelli/Folhapress

Guilherme Tagiaroli

De Tilt, em São Paulo

08/02/2022 13h49Atualizada em 08/02/2022 19h46

O projeto de lei 130/20, aprovado na última semana na Câmara dos Deputados, quer impedir a divulgação, publicação ou disseminação de vídeos que mostrem infração de trânsito (como rachas, competição em vias públicas ou empinar moto) em meios eletrônicos, como redes sociais e plataformas de vídeos. O único caso aceito é quando publicações denunciarem esses atos.

Segundo os defensores do PL, a intenção é ajudar a evitar acidentes mortais de trânsito. Para isso, é importante existir uma lei específica para lidar com o problema, diz o relator do projeto Hugo Leal (PSD-RJ). Contudo, especialistas ouvidos por Tilt apontam que a legislação "mais atrapalha que ajuda".

Diante de sua aprovação, o PL, de autoria da deputada federal Christiane de Souza Yared (PL-PR), vai agora para sanção presidencial e, então, pode virar lei ou não.

Confira a seguir perguntas e respostas sobre uma possível mudança na lei e entenda os pontos de atenção sobre o tema, de acordo com os entrevistados.

O que o projeto de lei quer mudar?

Na prática, a legislação se refere a transgressões ao Código de Trânsito Brasileiro, como rachas, competições em vias públicas e exibição de manobras ou ações que coloquem pessoas em risco publicadas em meios eletrônicos.

Se virar lei, quem postar conteúdos assim poderá ser responsabilizado com multa gravíssima multiplicada por dez. Existe ainda a possibilidade de suspensão de CNH (Carteira Nacional de Habilitação) ou permissão para dirigir de quem estiver conduzindo o veículo na imagem.

Portanto, tanto quem postar conteúdos incentivando as transgressões como os autores da ação poderão ser penalizados.

Qual passaria a ser o papel das plataformas online?

De acordo com o PL, após receber ordem judicial, as empresas de tecnologia (sites e/ou provedores) terão de remover o conteúdo em até 24 horas. Se alguém tentar subir o vídeo novamente na plataforma, a companhia deverá impedir. Multa de até 10% do faturamento econômico no Brasil em seu último exercício passariam a ser permitidas em caso de descumprimento.

Enquanto as discussões permanecem, a Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa provedores de acesso, serviços e informação, diz que continuará seguindo o Marco Civil da Internet, que funciona como "manual de instrução" da web brasileira.

"Entendemos que a remoção de qualquer conteúdo da rede, seja de provedores de acesso, conteúdo ou aplicações só poderá ocorrer mediante ordem judicial que identifique de forma clara e específica o conteúdo apontado como infringente, dentro das limitações técnicas do seu serviço", informou a entidade em nota.

Facebook, YouTube e TikTok foram consultados sobre o assunto, mas não se pronunciaram.

Por que especialistas acham o PL ruim?

  1. A nova lei causaria uma confusão jurídica, porque o Código Penal já define crime de incitação.
  2. A remoção dos conteúdos é difícil e pode gerar efeito contrário ao desejado, dando mais publicidade aos crimes.

O artigo 3º do PL 130/20 fala que as plataformas devem remover os conteúdos e "adotar as medidas cabíveis para impedir novas divulgações com o mesmo conteúdo".

Ainda que a intenção aqui pareça fazer sentido, as empresas teriam que fazer uma espécie de "censura prévia" com tais vídeos e imagens, segundo os entrevistados. E isso precisaria de algoritmos com inteligência artificial mais eficientes contra erros, coisa que ainda não é possível.

No passado, por exemplo, o algoritmo do Google Fotos confundia pessoas negras com macacos. E mesmo que alguns sistemas já sejam inteligentes para detectar nudez — em alguns casos exagerados, a ponto de 'censurar' obras de arte —, analisar infração de trânsito seria mais complexo.

Qualquer vídeo de gente empinando uma moto deveria ser excluído? Sempre que um carro estiver em alta velocidade num vídeo, a imagem dele deveria ser apagada?

É necessária uma análise contextual que os algoritmos ainda não conseguem fazer. "Se eu banir o filme 'Velozes e Furiosos', os rachas acabam?", questiona Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados, da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

Segundo ele, diversas redes sociais já possuem políticas próprias contra rachas, por exemplo, e qualquer pessoa pode denunciar um vídeo, que, após análise da moderação, pode ser excluído ou ter o alcance reduzido.

YouTube, Facebook, Instagram e TikTok são plataformas que contam com políticas contra conteúdos perigosos ou com atividades ilegais.

O professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, ressalta que o projeto de lei "mais confunde que explica" como será punida a reincidência das empresas, que devem impedir os uploads futuros.

"Hoje, você precisa especificar uma URL [endereço de uma página] para solicitar uma remoção. Como está, a legislação exige que a plataforma fique correndo atrás do conteúdo, fazendo com que nunca termine de cumprir a decisão", disse ele, que também é colunista de Tilt.

Além disso, Solano ressalta que o PL não transitou em comissões que discutem o Marco Civil, somente foi debatido em comissões sobre questões de trânsito e na de ciência e tecnologia.

O que se quer alcançar com o projeto de lei?

O deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que foi o relator do PF, defende a legislação ressaltando a necessidade de regras específicas para quem posta infrações de trânsito online. No ano passado, reportagens foram veiculadas em diferentes veículos da imprensa denunciando canais no YouTube que divulgam registros de rachas e ainda ganham dinheiro em cima das publicações.

"O foco é evitar que as pessoas se exponham na internet cometendo infrações e disputando rachas — como se isso fosse normal, quando na verdade é crime", afirmou.

Sobre as críticas ao PL 130/20, ele argumentou que "não quer que as redes sociais tenham poder de premonição sobre os conteúdos a ser postados".

"A ideia é que elas notifiquem as pessoas, dizendo que aquele conteúdo — de infração de trânsito — pode acarretar em punição. Elas já fazem isso quando há armas ou violência. É só ter uma categoria para isso".

A maioria dos sites e redes sociais cita em suas políticas de uso a proibição de postagem de conteúdos perigosos. A expectativa do deputado é que, quando for aprovado o PL, essas empresas passem a ter filtros mais efetivos que tratem dessas infrações graves de trânsito.

Vale ressaltar que a lei não fala em filtros especificamente, mas que as plataformas devem "adotar medidas cabíveis para impedir novas divulgações com o mesmo conteúdo".

Quem é a autora do projeto de lei?

A autora do projeto é a deputada federal Christiane de Souza Yared (PL-PR), que conta com várias iniciativas relacionadas ao trânsito. Ela, inclusive, entrou na vida pública após seu filho, Gilmar Rafael de Souza Yared, e um amigo foram atingidos, em 2019, por um carro conduzido pelo ex-deputado estadual Luiz Fernando Carli Filho, que dirigia alcoolizado.

O ex-deputado, acusado de homicídio duplo, está preso em regime semiaberto. Em entrevistas, a deputada chegou a atribuir a punição leve por conta da família de Carli, que é rica e tem influência política no Paraná.

Desde então, Yared se dedica a pautas relacionadas a trânsito, como inclusão de disciplina escolar sobre o assunto e priorização de indenização em casos de acidentes.

Presidente deve sancionar?

A presidência deve sancionar (ou não) o PL130/20 nos próximos dias. Segundo o deputado Leal, há expectativa de aprovação, pois o projeto contou também com contribuições da Polícia Rodoviária Federal e do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). "Esperamos poucos vetos ou nenhum".

Já Camargo, da OAB-SP, acredita que o presidente possa vetar, dado que uma das pautas de Jair Bolsonaro (sem partido), até por sua linha ideológica, é a "liberdade na internet". Segundo ele, se o presidente não vetar, existe ainda a chance de que o Supremo possa avaliar o PL. Dependendo do que ficar decidido, a lei pode ser considerada inconstitucional.