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Bloqueio do Telegram é exagero, mas não é surpresa, dizem especialistas

Telegram é bloqueado após ignorar ordens do STF - Telegram
Telegram é bloqueado após ignorar ordens do STF Imagem: Telegram

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

18/03/2022 16h10

O aplicativo de mensagens Telegram foi bloqueado no Brasil nesta sexta-feira (18), por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele alegou que o aplicativo deixou de cumprir ordens da corte desde janeiro e determinou que os provedores de internet e as plataformas digitais inviabilizem a utilização do aplicativo sob o risco de pagarem uma multa diária de R$ 100 mil.

Para especialistas em direito digital ouvidos por Tilt, o bloqueio do Telegram no Brasil é uma medida drástica e desproporcional, pelo menos por ora. Mas não é a primeira vez que a Justiça brasileira bane um app no país, e nem que um serviço de mensagens é suspenso por se recusar a dialogar com autoridades.

Bloqueios do Telegram pelo mundo

O app de mensagens já foi alvo de bloqueio em pelo menos 10 países.

  • Rússia: país onde foi criado, o banimento durou de 2017 até 2020, após o criador do aplicativo, Pavel Durov, se recusar a compartilhar com o governo uma "porta dos fundos" (backdoor - entrada forçada no sistema) ao registro de conversas das pessoas que usam o serviço no país.
  • Cuba: o governo também bloqueou acesso ao Telegram durante os protestos contra o regime local, em julho de 2021.
  • China e Bielorrússia: também bloquearam como forma de repressão à organização de protestos pela internet.

Em comum entre todos os casos está o silêncio do Telegram, que não chegou a dialogar com o governo de qualquer país.

Em sua política de privacidade, a organização por trás do app diz que só cumpre um tipo de ordem judicial: "se o Telegram receber uma ordem judicial confirmando que você é suspeito de terrorismo, poderemos divulgar seu endereço IP e número de telefone às autoridades competentes". Até agora, isso nunca aconteceu.

Por outro lado, o app diz que, seguindo os "princípios" do seu criador, não lida com o que considera "restrições de liberdade de expressão".

"Embora bloqueemos bots [robôs] e canais terroristas (por exemplo, relacionados ao Estado Islâmico), não bloquearemos ninguém que expresse pacificamente opiniões alternativas", diz a empresa, que não respondeu ao pedido de Tilt por um comentário ou entrevista.

Brasil tem histórico de bloquear plataformas

O Brasil tem histórico de bloquear apps que não dialogam com as autoridades nos seus termos. Rolou em 2006 com o YouTube e em 2014 com o polêmico Secret.

Entre 2015 e 2016, juízes ordenaram o bloqueio do WhatsApp no Brasil em pelo menos quatro ocasiões. Em três delas, o bloqueio foi cumprido pelas operadoras e o aplicativo de mensagens mais usado no país ficou inacessível por horas.

Além disso, executivos já chegaram a ser presos pelo mesmo motivo. Em 2012, a Polícia Federal deteve o diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, por cerca de 21 horas. A ordem de prisão partiu do juiz Flávio Saad Perón, da 35ª Zona Eleitoral de Campo Grande, após a empresa se recusar a apagar um vídeo do YouTube que acusava um político mato-grossense de crimes.

E em 2016, policiais federais prenderam o vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Dzodan, em São Paulo. O mandado de prisão preventiva foi expedido pelo juiz Marcel Montalvão, de Lagarto (SE), após o WhatsApp, que pertence ao Facebook, se recusar a compartilhar dados criptografados de um suspeito de tráfico de drogas.

E como o Telegram fica no meio disso?

Em 2022, o caso do Telegram é diferente. O app é visto pelo TSE como peça-chave na propagação de fake news nas eleições deste ano e existe o risco de que ele seja usado para a organização e disseminação de discursos de ódio na rede.

"O que não falta na internet são discursos nocivos. O problema do Telegram é que ele oferece uma ferramenta de busca que permite indexar esse discurso", afirma Yasmin Curzi, pesquisadora do CTS (Centro de Tecnologia e Sociedade) da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Curzi se refere à barra de buscas do Telegram, que, diferentemente do WhatsApp, permite encontrar grupos e canais públicos, sem criptografia, sobre diversos assuntos — no caso, esse funcionamento acaba facilitando o encontro de pessoas que compartilham fake news a discursos neo-nazistas, por exemplo.

"Se a plataforma não adota qualquer mecanismo para dirimir isso, a meu ver ela começa a ser cúmplice também, em algum nível", diz Curzi. "Essa lógica da liberdade de expressão em absoluto, que é o norte principal deles, acaba sendo um disseminador da violação de outros direitos."

Apesar disso, a pesquisadora não vê justificativa legal que sustente um possível bloqueio do Telegram no Brasil. "Acho uma medida muito abrupta", diz Curzi.

Opinião semelhante à de Carlos Affonso Souza, diretor do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro): "No caso do Telegram, o aplicativo em si não é ilícito, mas sim alguns conteúdos que rodam nele", diz ele. "O bloqueio da aplicação é uma medida drástica, porque tira o app da tomada, impactando não apenas quem o utiliza para ilícitos, como toda uma maioria de usuários que se vale dele para várias finalidades lícitas."

Alternativas ao bloqueio

Outras medidas poderiam ser tomadas pelas autoridades para cobrar cooperação do Telegram, como multas e medidas mais formais de contato, além do chamado "ofício", como uma ordem judicial internacional, cita Heloísa Massaro, coordenadora de pesquisa do InternetLab (Centro de Pesquisa em Direito e Tecnologia).

"O que está em discussão precisa ficar mais claro para que se possa explorar as alternativas jurídicas. É o caso de instaurar inquérito? De tomar alguma medida mais formal para intimação da plataforma? É muito prematuro, desde já, termos escalado o debate para bloqueio", diz a pesquisadora.

Procurada por Tilt, a assessoria de imprensa do TSE informou anteriormente que "nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada".