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Galinha Pintadinha, 15 anos depois: o que aprendemos com o fenômeno?

Galinha Pintadinha completa 15 anos - Divulgação
Galinha Pintadinha completa 15 anos Imagem: Divulgação

Letícia Naísa

De Tilt, em São Paulo

17/01/2022 04h00

Quem tem criança em casa já sabe que a galinha usa saia e o galo paletó. Já a galinha mais famosa do Brasil é pintadinha e já bateu 21 bilhões de visualizações no YouTube. Faz 15 anos dessa história de sucesso, que não termina aí.

Num tempo não tão distante, mas muito anterior ao frenesi das redes sociais e até do smartphone, a Galinha Pintadinha reinou no YouTube, foi parar na televisão aberta, nas plataformas de streaming e virou produto de exportação — está na ponta da língua de crianças italianas, mexicanas, francesas, alemãs, chinesas e japonesas.

Além de ser viajada, virou amiga das assistentes virtuais. Para conversar com ela, basta pedir para a Alexa ou o Google Assistente que ela surge com brincadeiras infantis. Como toda jovem da geração Z, a Galinha também está fazendo dancinhas no TikTok.

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Até hoje seus criadores se espantam com a repercussão estrondosa e, em parte, sem muita explicação. "Acho que a música é metade, ou mais, da força do negócio", arrisca Juliano Prado, um dos "pais" da Galinha Pintadinha, que conversou com Tilt pouco antes de sair para comemorar com sua equipe um ano de muita audiência. Com todo mundo em casa por causa da covid-19, a Galinha se tornou aliada dos pais na hora de entreter os filhos.

Por isso, mais do que merece uma "festa de debutante", com direito a produção musical, se a pandemia permitir, e, quem sabe, estrelar um filme.

Tilt: Como a Galinha Pintadinha foi se adaptando às mudanças do meio digital nesses últimos 15 anos?

Juliano Prado: A tecnologia tem tudo a ver com a nossa história. A gente pensava em fazer um CD, só de música. Depois, com a animação, pensamos em fazer um DVD de karaokê. Meio sem querer, eu subi o vídeo no YouTube para apresentar numa reunião e as pessoas descobriram o vídeo. Foi aí que a gente furou a bolha da tecnologia. Naquela época, era 2006, as pessoas não tinham smartphone, conexão boa para ver vídeo, era muito incipiente. Ninguém profissionalmente acreditava em investir em desenho animado.

Mas nós fomos um dos primeiros aplicativos na Apple Store, um dos primeiros conteúdos da Netflix Brasil, nos streamings, um dos primeiros a ter um modelo multitela. Antes, cada produção era reservada para uma [emissora de] TV ou cinema, mas a gente começou a disponibilizar para vários serviços ao mesmo tempo.

Tilt: E como vocês transformaram a Galinha em uma marca?

JP: Era um projeto com muito pouca pretensão comercial. Encomendamos a fabricação de 1.000 DVDs para uma lojinha virtual. As pessoas assistiam pelo YouTube e então para assistir em melhor qualidade na televisão, compravam o DVD. Chegamos a vender quase 10 mil cópias.

Tilt: Qual o principal apelo da Galinha Pintadinha? Por que faz tanto sucesso?

JP: A gente tenta responder essa pergunta já faz uns anos. Foi uma surpresa. Existiam animações maravilhosas e a gente fez algo com pouco dinheiro, de fundo de quintal, que caiu no gosto. Analisando agora, a música acho que é metade, ou mais, da força do negócio. As pessoas já tinham lembrança afetiva das músicas. O fato de o desenho animado ser simples e com poucas cores, é diferente de tudo o que estava sendo feito naquela época. Era tudo mais 3D.

Juliano Prado é um dos criadores da Galinha Pintadinha - Marcello Zambrana/Divulgação - Marcello Zambrana/Divulgação
Juliano Prado é um dos criadores da Galinha Pintadinha
Imagem: Marcello Zambrana/Divulgação

Tilt: E vocês cativaram uma geração que cresceu com pouca ou nenhuma programação infantil na televisão.

JP: Isso, a Xuxa estava se aposentando. Mas, na época, a vontade era fazer o DVD e o sonho era colocar [o desenho] na TV Cultura. Todo mundo que tem filho passa pelo período de consumir audiovisual infantil, e você acaba se inspirando.

Tilt: Qual a principal plataforma da Galinha Pintadinha hoje?

JP: O YouTube é a casa da Galinha, mas já vendemos muito DVD, estamos na Netflix, na Amazon... Uma coisa que está surpreendendo é o Spotify, a parte de áudio tem crescido bastante. Estamos na TV a cabo e na TV Cultura, já passamos no SBT e fora do Brasil. Queremos abrir o máximo possível.

A grosso modo, a Galinha Pintadinha tem 40% [de receita] que vem do YouTube, uns 30% de outras plataformas digitais e o resto do licenciamento da marca. Ou seja, 70% da nossa receita vem das plataformas. O que é incrível nessas mídias atuais é que você faz uma distribuição nacional, o consumo de mídia ficou muito mais fácil e prático para todo o mundo.

Tilt: Como é o processo de tradução da Galinha Pintadinha para outras línguas? É uma produção muito brasileira, como repassar isso para outras culturas?

JP: A série é mais fácil de traduzir, porque é uma contação de história. Já as músicas que têm melodia e rima, foram traduzidas para sete línguas — inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, japonês e chinês — e, para cada língua, fizemos uma dupla entre um tradutor nativo e um cantor em um estúdio nativo. Como é um trabalho bem musical, houve esse cuidado de traduzir cada letra com feedback das pessoas locais. Foi um trabalho bem demorado e caro, cinco anos fazendo isso.

Tilt: Como a Galinha se tornou um produto de exportação?

JP: A ideia foi do Marcos [Luporini, cocriador]. A banda Restart tinha uma versão em espanhol de uma música. O Marcos ouviu, achou engraçado e ficou com vontade de fazer também. Traduzimos e colocamos no canal em espanhol, a Gallina Pintadita. Estourou igual no Brasil, o mesmo fenômeno. Não precisamos fazer muito marketing. Não tinha produto igual ao nosso no YouTube em espanhol, hoje qualquer país tem canais de música infantil.

Mas é muito louco saber que tem crianças na Itália ouvindo a Galinha. Fechamos um acordo para a região do Irã, eles vão traduzir por lá, vai passar na televisão... A gente perde a noção. Sempre importamos tanta coisa, é muito difícil exportar cultura.

Tilt: Como as políticas das redes sociais impactaram a Galinha Pintadinha?

JP: Nas redes sociais, não fazemos conteúdo infantil. É voltado para os pais e mães. Para a criança, estamos na Netflix e no YouTube, que são voltados para quem tem 13 anos para cima. Mas as crianças assistem, então estão sujeitas a todos os mecanismos comerciais a que um adulto é exposto. O comportamento e as preferências são rastreados, há exibição de propaganda... Então, o YouTube sofreu pressão e hoje todos os vídeos são marcados. Como produtor, eu não posso indicar o próximo vídeo a ser visto. Os vídeos infantis têm uma série de restrições e regras, então não tem o que fazer. A gente publica o vídeo e depende do algoritmo.

A princípio, parecia uma grande ameaça, porque perdemos certos instrumentos de lançamento de vídeo. Mas, em termos de qualidade, cumprimos todos os requisitos e estamos adequados às políticas do YouTube. Em vez de nos prejudicar, nos favoreceu, porque o YouTube entrega mais quem cumpre as políticas.

Tilt: A Galinha não se envolve em polêmicas nas redes? Não tem haters?

JP: A gente fala que os haters da Galinha são os irmãos mais velhos que não podem assistir televisão porque o irmãozinho está vendo a Galinha, são os adolescentes!

Tilt: Vai ter festa de debutante para a Galinha?

JP: Ano que vem vai ser um ano especial. Vamos voltar à produção musical, ficamos muito tempo fazendo a série e paramos de lançar músicas, algumas inéditas, outras do cancioneiro popular. Vamos voltar ao teatro, estamos pensando em um longa-metragem. A gente tem vontade de fazer um vinil da Galinha, um azulzão. Se bobear, é uma das mídias físicas que mais vende por causa de colecionadores.

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