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Eugenia? Estudo com DNA de autistas é alerta para os limites da ciência

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Marcos Bonfim

Colaboração para Tilt, em São Paulo

24/10/2021 04h00

Um amplo levantamento iniciado no Reino Unidos para coleta de DNA de pessoas diagnosticadas com espectro autista foi interrompido no fim de setembro. Segundo os grupos contrários ao estudo, não houve consultas sobre o desenvolvimento e o impacto da pesquisa, que também foi acusada de falta clareza sobre o manejo e a segurança das informações obtidas.

Batizado de Spectrum 10K e liderado por Simon Baron-Cohen, diretor do Autism Research Centre (Centro de Pesquisa sobre Autismo), da Universidade de Cambridge, o estudo, lançado em agosto, pretendia coletar amostras de DNA de 10 mil autistas e de suas famílias.

De acordo com os cientistas, o objetivo era estudar as contribuições genéticas e ambientais para o TEA (Transtorno do Espectro Autista) e para condições relacionadas, como epilepsia e problemas de saúde intestinal.

"Se pudermos entender por que essas condições concomitantes são mais frequentes em pessoas autistas, isso poderia abrir a porta para o tratamento ou gerenciamento de sintomas muito angustiantes", disse Baron-Cohen à revista científica Nature.

Preocupação com uso indevido dos dados

As preocupações com o avanço da pesquisa incluem o receio de que os dados e as informações coletadas possam ser potencialmente usados de forma indevida por outros pesquisadores que buscam "curar" ou "erradicar" o espectro autista.

O grupo Boycott Spectrum 10K (Boicote ao Spectrum 10k, em tradução livre), por exemplo, afirma que a equipe do estudo em questão falha em explicar quais são os benefícios desse levantamento.

Em petição na internet, os organizadores afirmam reconhecer a necessidade de uma boa e robusta pesquisa genética e biológica para que se tenha maior compreensão do impacto das doenças que têm raízes genéticas e que podem ter efeitos de limitação de vida ou influencia no bem-estar de autistas.

"No entanto, temos sérias questões sobre como os dados da pesquisa genética podem ser usados e a óbvia falta de salvaguardas para seu uso futuro", explicam.

Mesmo com o estudo pausado, o Boycott Spectrum 10K planeja um ato no dia 29 de outubro em frente ao Centro de Pesquisa sobre Autismo da Universidade de Cambridge. No texto da convocação, eles afirmam que o acesso aberto às informações do estudo por qualquer pesquisador é "francamente assustador".

Eugenia?

O temor sobre o uso indevido de dados ganhou força porque muitos órgãos de financiamento, incluindo a instituição não governamental Wellcome, que dispôs de 3 milhões de libras (R$ 22,7 milhões em cotação atual) para o projeto, exigem que os pesquisadores divulguem seus resultados gratuitamente.

Kieran Rose, integrante do grupo que defende o boicote, disse que há uma preocupação de que a pesquisa possa levar a um teste de triagem pré-natal para espectro autista ou condições relacionadas.

"Um estudo genético seria assustador para muitas pessoas autistas. Há uma longa e conhecida história em torno da eugenia e da deficiência", explicou Sue Fletcher-Watson, psicóloga da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, especialista no estudo do espectro autista, à revista Nature.

Em seu site, a Spectrum 10K afirma que "não está em busca de uma cura para o autismo e que, de forma alguma, apoia essa abordagem". À Nature, Baron-Cohen diz que sua equipe é veementemente contra a eugenia e que a triagem pré-natal está fora de questão.

"A genética do autismo é complexa; podemos estar falando sobre centenas ou milhares de genes", afirmou. "Você nunca poderia diagnosticar autismo no pré-natal, e isso porque, mesmo se soubéssemos a biologia, o diagnóstico depende do comportamento. Isso só é possível observar depois do nascimento".

Em que fase está?

A equipe da pesquisa agora está planejando uma consulta com centenas de autistas e suas famílias. Pretende-se criar um comitê representativo que terá a missão de supervisionar a estratégia de compartilhamento de dados. "Se houver razões éticas para limitar quem pode acessar os dados, tudo bem, podemos impor essas restrições", diz Baron-Cohen.

No entanto, a pausa no projeto pode levar alguns meses, já que a HRA (Health Research Authority; Autoridade de Pesquisa em Saúde, na tradução livre), um regulador do Reino Unido para estudos de saúde e assistência social, passou a investigar alguns pontos sobre os requisitos éticos da aprovação da Spectrum 10K.

Sem a permissão da HRA, o estudo não pode ser reiniciado. E não há previsão de quando o órgão dará aval ou não para a retomada do projeto.