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Por que Jeff Bezos resolveu levar astro de 'Jornada nas Estrelas' ao espaço

William Shatner - Blue Origin/Handout via REUTERS
William Shatner Imagem: Blue Origin/Handout via REUTERS

Aurélio Araújo

Colaboração com Tilt, de São Paulo

15/10/2021 04h00

O segundo voo espacial tripulado realizado pela Blue Origin, empresa do bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon, levou ao espaço ninguém menos que o ator William Shatner, o eterno Capitão Kirk da produção "Jornada nas Estrelas".

Shatner, hoje com 90 anos, acabou se tornando na quarta-feira (13) a pessoa mais velha a viajar para o espaço. Ele e outros três passageiros viajaram em um foguete que alcançou a fronteira internacionalmente reconhecida do espaço, a chamada Linha de Kármán, cerca de 100 quilômetros acima da superfície terrestre.

"Foi a experiência mais profunda que poderia imaginar", disse Shatner após o voo, que durou cerca de dez minutos.

Para analistas, escolher para a viagem justo um astro de Hollywood, ligado a uma franquia de ficção científica espacial com milhões de fãs, foi uma vitória de marketing para Bezos na atual corrida espacial entre bilionários.

"Jeff Bezos conseguiu a aura de 'Jornada nas Estrelas' ao redor do seu empreendimento espacial", explicou Ted Anthony, escritor especializado em cultura, para a CBC, emissora pública canadense.

"É uma espécie de sobreposição interessante entre o aumento da privatização das viagens espaciais, ao mesmo tempo em que se traz o mito moderno de que a viagem espacial pode ser, como 'Jornada nas Estrelas' mostrava, algo geralmente bom, positivo, humanista e ético."

Cena da série de TV "Star Trek" com o Sr. Spock (Leonard Nimoy, à esq.) e o Capitão Kirk (William Shatner, à dir.) - Divulgação - Divulgação
Cena da série de TV "Star Trek" com o Sr. Spock (Leonard Nimoy, à esq.) e o Capitão Kirk (William Shatner, à dir.)
Imagem: Divulgação

Críticas à corrida espacial

Bezos é apenas um dos nomes associados ao turismo espacial, algo que vários bilionários têm investido muito para que se torne realidade dentro de alguns anos. Além dele, Elon Musk, o fundador da SpaceX, e Richard Branson, criador da Virgin Galactic, estão entre os empresários envolvidos no ramo.

No entanto, essa disputa entre grandes empresas acontece justamente num momento em que as mudanças climáticas se aceleram na Terra, e a contenda é vista como um luxo desnecessário nesse momento, atraindo críticas de diversas personalidades e líderes mundiais.

Uma delas, o príncipe britânico William, aproveitou para dizer nesta quinta-feira (14) que "salvar a Terra tem prioridade sobre viagens espaciais", numa óbvia crítica à viagem da Blue Origin com Shatner a bordo.

William, que tem demonstrado preocupação com a degradação do meio ambiente ao redor do mundo, criticou ainda o fato de que as viagens espaciais emitem muito carbono.

Segundo o príncipe disse em entrevista à BBC, "é necessário que alguns dos maiores cérebros do mundo se concentrem em tentar reparar este planeta, e não em encontrar o próximo lugar para ir e viver".

Blue Origin: confira imagens do voo espacial de William Shatner

Emprestando a credibilidade do Capitão Kirk

Justamente por críticas como a de William é que a viagem da empresa de Bezos com Shatner é considerada uma estratégia curiosa de marketing, construindo uma narrativa de "otimismo e esperança", como diz Anthony.

Além disso, Bezos já demonstrou ser um fã de "Jornada nas Estrelas" em outros momentos. Em 2016, por exemplo, ele conseguiu fazer uma breve aparição no filme "Star Trek: Sem Fronteiras", interpretando um alienígena.

Também é conhecida a história de que ele comprou e instalou no lobby da sede da Blue Origin uma versão de 2,5 metros de altura da USS Enterprise, a espaçonave fictícia comandada pelo personagem de Shatner, o Capitão Kirk. Mas resumir a escolha do ator a uma questão de gosto pessoal seria subestimar as capacidades empresariais do ex-chefe-executivo da Amazon.

De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos em julho pela empresa The Harris Poll, 58% dos norte-americanos acreditam que as incursões espaciais de Blue Origin, SpaceX e Virgin Galactic vão aproximar as pessoas comuns da possibilidade de fazer turismo fora da Terra um dia.

No entanto, a mesma pesquisa mostrou que 80% dos entrevistados visualizam essa atual disputa como "egotrips de bilionários". Ou seja, há um reconhecimento do avanço científico, mas um desprezo pelo que ele representa.

Daí a importância de usar-se da credibilidade de Shatner, visto por muita gente como um autêntico capitão espacial, embora nunca tivesse saído da Terra até ontem.

"Todo o ethos de 'Jornada nas Estrelas' mostrava pessoas que tinham aparências diferentes, habilidades diferentes, trabalhando juntas. Nós estamos no começo de algo assim", compara Richard B. Cooper, vice-presidente da Space Foundation, ONG que defende a exploração espacial, em entrevista à Associated Press.

"As pessoas podem olhar para esse ambiente e pensar, 'ei, eu também faço parte disso.'"

Assim como Anthony, ele acredita que uma viagem espacial com um ator que só viveu isso na ficção "dá esperança às pessoas", e completa: "se há algo no mundo que está em baixa, é essa mensagem essencial."