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Repelente caseiro: o que a ciência diz dos produtos feitos em casa?

Melissa Cruz Cossetti

Colaboração para Tilt, do Rio de Janeiro

04/10/2021 04h00

O que não faltam são sugestões de repelentes naturais, seja nas prateleiras das lojas ou como receitas caseiras com citronela, limão com cravo, folha de louro, eucalipto, óleo de neem, andiroba, copaíba e tantos outros. Mas, o que a ciência diz sobre a eficácia de produtos feitos em casa?

Tilt conversou especialistas para buscar respostas para essa dúvida. Não à toa, as plantas são capazes de produzir substâncias com propriedades repelentes. Afinal, enxotar insetos é fundamental para a adaptação de muitas das espécies ao ambiente em que estão plantadas.

"As plantas não possuem a capacidade de fugir ou lutar contra predadores. Por isso, lançam mão de um grande arsenal de substâncias, produzidas nas células de diferentes partes do organismo", explica Fernanda Guilhon-Simplicio doutora em ciências farmacêuticas pela Universidade da Antuérpia e em biodiversidade e biotecnologia pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas).

"Essa produção de substâncias, nós chamamos de metabolismo secundário e dele fazem parte substâncias como fitoesteróis, flavonóides e taninos, encontrados em alimentícios e cosméticos", acrescenta.

Segundo a especialista, algumas dessas substâncias são bem conhecidas do brasileiro e já estão presentes em produtos industrializados exatamente pela propriedade repelente, como é o caso da citronela. Fácil de ser plantada, ela é um poderoso repelente natural de insetos como mosquitos, moscas e formigas — também encontrado como óleo essencial.

Citronela, capim de fácil cultivo - Reprodução/Practicalgardenplants - Reprodução/Practicalgardenplants
Citronela, capim de fácil cultivo
Imagem: Reprodução/Practicalgardenplants

A pesquisadora destaca ainda que a ciência vem mostrando que muitas preparações usadas empiricamente têm propriedades benéficas e alguns dos medicamentos que usamos hoje foram descobertos ao serem investigadas plantas e preparações medicinais usadas pela população local.

"Não estou falando de fitoterápicos, estou falando de medicamentos industrializados, que grande parte das pessoas não sabe que vieram de plantas ou tem alguma relação histórica com elas, como é o caso da morfina", complementa.

Conhecimento popular

Helena Russo, pesquisadora do instituto de química da Unesp em Araraquara (SP), cita que muitas dessas misturas naturais têm efeitos repelentes ou inseticidas cientificamente comprovados em várias partes do mundo. Contudo, uma lista definitiva de espécies ainda está longe de ser alcançada.

"Mais de duas mil plantas são conhecidas por terem efeitos tóxicos ou repelentes em mosquitos, mas somente cerca de 5% a 10% delas apresentam estudo químico e biológico detalhado. Isso mostra que o conhecimento popular é uma fonte extremamente rica para a busca de novos inseticidas ou repelentes. Na maioria das vezes, usos populares são comprovados após estudos aprofundados", afirma.

Portanto, vale dar um crédito para aquele produto artesanal que promete dar adeus aos insetos ou àquela receita da sua avó. Os repelentes naturais costumam ser bastante acessíveis para grande parte da população e também muito populares. A depender da região, muitas plantas são conhecidas e facilmente cultivadas.

Apesar de naturais, vale o aviso: misturar diferentes óleos ou extratos não necessariamente melhora as propriedades deles. Na verdade, fazer misturas sem uma orientação pode acabar favorecendo a degradação das propriedades por alguma incompatibilidade química. A dica é apostar em um elemento principal e não tentar um coquetel de múltiplos itens.

É seguro apostar nos repelentes naturais?

De modo geral, o uso de repelentes naturais baseados em espécies bem conhecidas é seguro. Contudo, é preciso desfazer a crença de que repelentes oriundos de plantas não podem causar danos à saúde pois são "naturais" e inofensivos às pessoas.

"O maior risco, certamente, são reações de hipersensibilidade [alergias], nos mais variados graus, entre outras reações diversas devido ao contato. Indo desde mal-estar, dor de cabeça, urticária e até reações mais graves. Lembre-se que existem pessoas que são alérgicas a pólen ou são sensíveis a determinados odores", alerta a professora da UFAM, de Manaus.

Para a especialista, em alguns casos, pode-se dizer que os efeitos colaterais de produtos naturais são mais toleráveis, mas não é correto generalizar.

"No organismo humano, as substâncias de origem natural percorrem os mesmos caminhos que as sintéticas, o que muda são as concentrações usadas, pois num produto natural há uma atuação simultânea de várias substâncias, e nos produtos industrializados são poucas substâncias com ação muito forte sobre determinado ponto no nosso organismo", explica.

Tudo o que colocamos em contato com o corpo merece atenção com relação à toxicidade. No caso de idosos, grávidas e crianças, o cuidado deve ser redobrado.

"São indivíduos que não estão com as defesas do organismo em condições plenas, seja pela imaturidade, sensibilidade das células e tecidos ou alterações hormonais", pontua.

A professora completa que essas preparações naturais possuem uma maneira certa de serem feitas, que são baseadas no conhecimento adquirido geração após geração e que nem tudo que se vê por aí é totalmente verdade.

"Devemos ter cuidado com essas receitas milagrosas de última hora, aqueles segredinhos e pulos do gato que só determinada pessoa sabe. Muitas vezes os objetivos se restringem ao marketing pessoal. Sempre devem-se ser priorizadas informações advindas de fontes confiáveis e sérias sobre o tema", ressalta.

Por que apostar nos repelentes naturais?

Diversos repelentes sintéticos vendidos em farmácias e mercados são empregados há décadas no controle de insetos. E, apesar de serem considerados muito eficientes, a professora Helena Russo aponta dois principais problemas para o consumidor:

  • o desenvolvimento de resistência por parte dos mosquitos aos inseticidas;

    o impacto ambiental que algumas classes de inseticidas podem causar;

"Com o aumento da quantidade de mosquitos resistentes aos repelentes sintéticos, o interesse por repelentes naturais é bastante compreensível. Além de terem eficácia cientificamente comprovada [até mesmo mais eficientes do que alguns repelentes sintéticos], eles podem ser considerados como complementares", diz Russo.

"Antes de existirem os industrializados, era na natureza que o homem encontrava a solução para os mais diversos problemas. Em muitos casos, é o que está mais acessível às pessoas. Nosso país é muito rico culturalmente e os povos tradicionais conhecem a aplicação terapêutica de muitas de nossas plantas", acrescenta Guilhon-Simplicio.