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Não está fácil a vida do Facebook (de novo), mas agora a estratégia é outra

O presidente executivo e fundador do Facebook, Mark Zuckerberg - Leah Millis / Reuters
O presidente executivo e fundador do Facebook, Mark Zuckerberg Imagem: Leah Millis / Reuters

Lucas Carvalho e Melissa Cruz Cossetti

De Tilt, em São Paulo

29/09/2021 04h00Atualizada em 29/09/2021 17h33

Sem tempo, irmão

  • Após série de reportagens, Facebook tenta sair de mais uma crise com uma imagem melhor
  • Estratégias vão desde amplificação de notícias positivas no feed até respostas diretas no Twitter
  • A empresa também decidiu parar de pedir desculpas e adotou perfil menos conciliador
  • Documentos vazados mostraram como Facebook lida com "toxicidade" do Instagram e mantém lista VIP

Desde que uma série de reportagens dos jornais norte-americanos NYT (New York Times) e WSJ (Wall Street Journal) revelaram segredos e bastidores da atuação do Facebook, a empresa —também dona do Instagram e WhatsApp— tenta se defender e melhorar sua imagem.

Para muitos analistas, as tentativas do Facebook de rebater acusações e críticas lembrar a atuação do conglomerado nos escândalos da Cambridge Analytica, que revelou como era fácil coletar dados pessoais de usuários do Facebook para fins questionáveis (como influenciar eleições).

Não é de hoje que a empresa tenta, aos trancos e barrancos, se comunicar melhor. Desta vez, decidiu parar de pedir desculpas. Além de responder aos ataques, passou a destacar postagens positivas sobre si mesma no próprio feed e colocou o CEO Mark Zuckerberg para postar memes e lançamentos de produtos —em vez de fazer pronunciamentos perante polêmicas.

De acordo com a reportagem do NYT, desde janeiro, o Facebook se distancia da imagem da empresa de escândalos e polêmicas. O processo de mudança teria envolvido executivos e equipes das áreas de marketing, comunicação, política e integridade.

Alguns exemplos destacados pelo jornal:

  • Desvincular a imagem de Zuckerberg de problemas e deixar as postagens do fundador mais humanas (foco em compartilhar memes e lançar produtos). Isso explica o curioso vídeo em que ele está carregando uma bandeira dos EUA enquanto surfa sobre uma prancha elétrica.
  • Reduzir o acesso de desconhecidos a dados internos da companhia.
  • Pedir menos desculpas públicas.
  • Dar respostas menos conciliadoras diante de crises.
  • Reduzir a disponibilidade de dados para que acadêmicos e jornalistas estudem a plataforma.

"Eles estão percebendo que ninguém mais vai vir em sua defesa, então eles precisam fazer isso e dizer eles mesmos", disse Katie Harbath, ex-diretora de políticas públicas do Facebook, ao jornal. Mas Joe Osborned, porta-voz do Facebook, negou que isso seja verdade.

Três polêmicas recentes que o Facebook precisou responder

Ataque: publicidade positiva

O Facebook criou o "Project Amplify" (Projeto Amplificar, na tradução direta) para modificar o algoritmo da linha do tempo e exibir notícias positivas sobre a marca —feitas pela própria rede social ou por terceiros. Antes, ele já tinha promovido produtos e causas sociais, mas nunca promoveu posts como essa pegada de "publicidade positiva" usando o jornalismo.

Segundo o NYT, a iniciativa começou a funcionar em agosto deste ano em três cidades nos Estados Unidos. A proposta foi discutida em reunião de cúpula em janeiro, quando alguns executivos demonstraram preocupação com o uso da ferramenta Quick Promotes (Promoção Rápida, em português) para divulgação de histórias positivas. A proposta teria recebido o aval do próprio Zuckerberg.

A tentativa de autopromoção, no entanto, foi vista pelos analistas como mais uma jogada pouco transparente.

Contra-ataque

Joe Osborned negou, em postagem no Twitter, que a reunião com executivos em janeiro deste ano tenha ocorrido. Segundo ele, a ação foi um "pequeno teste de uma unidade informativa em três cidades" e as postagens que apareciam no feed de notícias eram identificadas como de autoria do Facebook na parte superior do post.

"Não há nada de surpreendente na reportagem do New York Times, que tenta tornar o Facebook um vilão (...) Este artigo inclui falsidades claras e facilmente refutáveis. Este encontro nunca aconteceu", disse.

The story the Times could've written is that Facebook ran a small test of an informational unit on Facebook in three cities — clearly labeled as from Facebook on the top of the unit. Here's one image: pic.twitter.com/RvYsS5bD8c

-- joe osborne (@joeosborne) September 21, 2021


Ataque: Instagram "tóxico"

O vazamento de um documento interno do Facebook, publicado pelo WSJ, revelou que a empresa sabe que o Instagram é "tóxico" para jovens, especialmente meninas, e estuda os efeitos do uso excessivo da rede social para a saúde mental de adolescentes há anos — apesar de publicamente Zuckerberg afirmar que o Instagram faz bem ao aproximar pessoas.

Segundo os pesquisadores citados, além do impacto do app no aumento de quadros de ansiedade e depressão, 32% das meninas ouvidas disseram que o Instagram as deixa pior quando elas se sentem mal em relação aos próprios corpos.

Em relatório de 2019, também vazado, o Facebook afirma: "Nós pioramos os problemas com a imagem do próprio corpo para 1 a cada 3 garotas adolescentes".

Contra-ataque

Num artigo publicado nesta semana, a vice-presidente e chefe de pesquisa do Facebook, Pratiti Raychoudhury, afirmou que o resultado do estudo foi mal interpretado.

"Simplesmente não é preciso que esta pesquisa demonstre que o Instagram é 'tóxico' para meninas adolescentes. Na verdade, a pesquisa demonstrou que muitas sentem que o Instagram as ajuda quando estão passando por momentos difíceis típicos de jovens", escreveu.

Segundo Raychoudhury, a pesquisa estudava o impacto do Instagram em 12 áreas, incluindo solidão, ansiedade, tristeza e problemas alimentares. Apenas no quesito "autoimagem" é que o resultado foi negativo para o Instagram, e, ainda assim, para a maioria das entrevistadas, o app não fazia qualquer diferença.

A executiva disse que o Facebook não tentou esconder a pesquisa e que já havia dito publicamente que entendia "os pontos fortes e fracos das mídias sociais".

Em resposta ao jornal, Karina Newton, chefe de política pública do Instagram, também escreveu no blog oficial da rede social que a empresa está pesquisando maneiras de impedir que os frequentadores do app passem muito tempo observando "certos tipos de postagem".

Em seguida, na segunda-feira (27), a empresa cancelou o desenvolvimento de uma versão do Instagram para crianças cedendo à pressão de órgãos internacionais que trabalham com saúde mental.

Ataque: lista VIP

Segundo o WSJ, o Facebook tem um sistema para livrar alguns perfis famosos de seguir as regras gerais do Instagram. O "cross-check" revisa conteúdo e protege um seleto grupo de celebridades, jornalistas e políticos da moderação que atinge pessoas "comuns".

Entre aqueles que têm liberdade para burlar as regras está o jogador Neymar e o ex-presidente dos EUA Donald Trump, que publicaram coisas que iam contra os termos de uso, mas tiveram as postagens e as contas intactas.

Contra-ataque

O Facebook pediu seu "tribunal privado", o Comitê de Supervisão, analisasse a ferramenta, mas disse que o cross-check serve para "evitar possíveis erros" do algoritmo ao punir um determinado perfil.

A empresa disse ao comitê que a ferramenta é usada em "um pequeno número de casos". Mas o jornal afirma que mais de 5 milhões de contas são privilegiadas pelo sistema.

Criado em 2020 para tentar responder à pressão para moderar melhor seu conteúdo, já que tem um impacto negativo na política e na democracia de diversos países, o grupo debate e averigua as decisões que o Facebook toma em relação ao seu algoritmo e feed de notícias em todos os apps, do principal ao Instagram.

Os "juízes" do grupo são professores de direito, ativistas de direitos humanos e até um ex-primeiro ministro da Dinamarca. Não há funcionários ou ex-funcionários da empresa, que financia suas atividades.

É bom que o Facebook obedeça às recomendações do Comitê de Supervisão, mesmo a contragosto, como já fez, se quiser manter a aparência de "justa". Essa justiça, porém, não funciona se, como no caso do cross-check, o Facebook mentir ou não for totalmente transparente com o órgão. A desconfiança, aliás, já se espalhou.

"Dadas as revelações desta semana, não posso deixar de me perguntar o que mais o Facebook deixou de divulgar e se o Comitê de Supervisão pode confiar nas respostas do Facebook", comentou Corynne McSherry, diretora jurídica da Fundação Fronteira Eletrônica, organização de defesa de direitos digitais nos EUA.