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Muita tática e pouco negacionista: o que vi em grupo de sommelier de vacina

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Letícia Naísa

De Tilt, em São Paulo

10/09/2021 04h00

"Alguém sabe onde estão dando a primeira dose da Pfizer?", diz uma mensagem no Telegram. "Coronavac, segunda dose, sabem onde tem?", pergunta outro membro de um grupo no aplicativo de troca de mensagens que informa sobre vacinas disponíveis em São Paulo.

As dúvidas são respondidas com uma lista com data, nome de cada imunizante (Janssen, Pfizer, Astrazeneca e CoronaVac) e os postos de saúde do SUS onde eles estão sendo aplicados. As informações são acompanhadas por um horário, informado por quem passou no posto, e se há fila ou não.

Assim se organizam dois grupos no Telegram que Tilt tem acompanhado há cerca de 40 dias. Com o avanço da pandemia, não faltaram pessoas se organizando online em busca de proteção específica (ao escolher o tipo de imunizante) contra a covid-19, os chamados "sommeliers de vacina".

Só em São Paulo, encontramos oito grupos ativos — um geral da cidade, um de cada zona da capital, um para o centro, um do bairro do Morumbi e um que reúne pessoas dos bairros Moema, Saúde, Brooklin e Santo Amaro (todos na zona sul). Juntos, somam 44.448 membros.

Além da capital paulista, há grupos das cidades do Rio de Janeiro, do ABC Paulista, de Taboão da Serra, Guarulhos, Baixada Santista, Osasco, Aracaju, Salvador e Curitiba, e existe um grupo específico para os que procuram a vacina da Janssen, que é dose única.

Qual é o maior interesse dos participantes?

Inicialmente, o interesse dos participantes dos dois grupos analisados mais de perto se concentrou na busca pela primeira dose, conforme o calendário de vacinação da cidade de São Paulo avançava. As marcas da vacina favoritas dos membros eram Janssen e Pfizer.

Já a CoronaVac, era bastante chamada de "coronafraca" ou "vachina". Apesar dos comentários irônicos sobre a vacina do Butantan, ela tem eficácia comprovada.

Membros de grupos no Telegram sobre vacina criticam CoronaVac - Reprodução - Reprodução
Membros de grupos no Telegram sobre vacina criticam CoronaVac
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Membros de grupos de 'sommliers de vacina' criticam a CoronaVac - Reprodução - Reprodução
Membros de grupos de 'sommliers de vacina' criticam a CoronaVac
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E as fake news?

Entre as regras dos grupos, é proibido postar fake news. Quem tenta corre o risco de ser banido, o que de fato aconteceu com alguns membros que encaminharam conteúdo desinformativo.

Porém, a regra entrou em vigor nas últimas semanas. Antes da proibição, links com desinformação chegaram a ser compartilhados com frequência, especialmente os que questionavam a eficácia das vacinas — principalmente com relação à CoronaVac.

A reportagem pode observar que há muita confusão no grupo também sobre o que são as fake news, muitos consideram que uma informação errada sobre qual vacina está sendo aplicada em certo posto se enquadra no conceito e acaba gerando climão no grupo.

Regras de um dos grupos de 'sommeliers de vacina' no Telegram - Reprodução - Reprodução
Regras de um dos grupos de 'sommeliers de vacina' no Telegram
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Foco na segunda e terceira dose

Desde que a capital de São Paulo atingiu 97% da população adulta vacinada com a primeira dose, no meio de agosto — graças à Virada da Vacina —, muitas das interações nos grupos do Telegram passaram a girar em torno da busca pela segunda dose e dúvidas sobre a terceira dose.

Alguns ainda fizeram perguntas sobre inscrições na xepa para conseguir a segunda dose entre as sobras de vacina nos postos.

"Pode adiantar a segunda dose da Pfizer?", perguntou um dos membros. "Poder, pode mas tem que sobrar doses e eles te ligam depois de se inscrever na xepa. Tem que se inscrever na UBS [Unidade Básica de Saúde]", respondeu outra pessoa.

Segundo informações oficiais, para conseguir adiantar a segunda etapa de imunização com alguma das doses remanescentes dos postos, é preciso se inscrever em alguma UBS do município e ter tomado a primeira dose da Pfizer ou Astrazeneca há pelo menos 30 dias.

Alguns membros também buscaram informações sobre a primeira dose para que os filhos, sobrinhos ou netos pudessem se vacinar. Atualmente, adolescentes de 12 a 14 anos com comorbidades ou deficiências estão sendo vacinados na capital paulista. Entre os menores de idade, a vacina da Pfizer foi a única autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para ser aplicada.

Nos grupos, rolam centenas de mensagens por dia. Tem quem copia e cola a listona de marcas e postos com horários para os mais perdidos, tem quem informa de um jeito mais gentil ou encaminha o site do filômetro da prefeitura (que também exibe as vacinas disponíveis para segunda dose) e tem quem desabafa, seja sobre efeitos colaterais do imunizante ou sobre política.

Revolta com regras contra os "sommeliers de vacina"

"Ditadura!", bradaram alguns quando a prefeitura de SP decidiu mandar para o fim da fila quem chegasse no posto e se recusasse a tomar vacina por causa da marca. A medida entrou em vigor no dia 27 de julho.

Outro argumento forte entre os "sommeliers" é o da liberdade de escolha. Para eles, a decisão de governos municipais de mandar os exigentes para o fim da fila foi absurda e fere as liberdades individuais de cada um.

Decisão de governantes de mandar os 'sommeliers' para fim da fila da vacina irritou membros de grupos no Telegram - Reprodução - Reprodução
Decisão de governantes de mandar os 'sommeliers' para fim da fila da vacina irritou membros de grupos no Telegram
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Há também quem diga que está escolhendo imunizante ou precisando adiantar a segunda dose por conta de "estudos no exterior" ou viagens internacionais já marcadas.

"O problema é que tenho viagem pra Europa marcada... Não posso confiar na 'coronga' [CoronaVac]... tem que ser Pfizer ou Astrazeneca", reclama um dos membros em um dos grupos. Nem todos os países permitem entrada de estrangeiros vacinados com a CoronaVac, mas estudos apontam que ela reduz risco de morte em casos de contaminação pelo coronavírus e ela é eficaz na proteção.

Calmaria reinou com avanço da fila

Os ânimos acalmaram quando, no dia 16 de agosto, a fila dos adultos chegou à faixa etária dos 18 anos e ninguém mais precisava esperar chegar sua vez de vacinar. A listona da primeira dose virou uma lista mais modesta. A principal busca, agora, é pela segunda etapa da imunização.

No próprio site organizado pela prefeitura, é possível ver que nem todos os postos têm disponíveis todas as marcas de vacina para a segunda dose de quem precisa. Por isso, o mutirão no grupão se agiliza.

Apesar de haver muita gente que escolhe a marca do imunizante, a reportagem observou que, pelo menos nos grupos analisados, há poucos negacionistas de fato, quase não tem pessoas que se recusam totalmente a tomar a vacina. Recentemente, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos na quantidade de pessoas vacinadas. O país tem batido recordes de aplicação de doses, o que demonstra adesão das vacinas entre a população.