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Fraude ou fracasso? O que rolou no 1º dia de julgamento de Elizabeth Holmes

Elizabeth Holmes deixa o tribunal após o primeiro dia de seu julgamento, nesta quarta-feira (8), na Califórnia - Nick Otto / AFP
Elizabeth Holmes deixa o tribunal após o primeiro dia de seu julgamento, nesta quarta-feira (8), na Califórnia Imagem: Nick Otto / AFP

De Tilt*, em São Paulo

09/09/2021 16h35Atualizada em 09/09/2021 16h44

Fraude ou fracasso? Duas palavras que podem definir a trajetória de Elizabeth Holmes, 37, ex-promessa da biotecnologia do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Ela, que já foi chamada de "nova Steve Jobs", está sendo julgada por um júri do estado da Califórnia pelo crime de fraude eletrônica e conspiração. Se condenada, ela poderá pegar até 20 anos de prisão. O julgamento deve durar até 13 semanas.

"Este é um caso de mentira e trapaça para obter dinheiro", acusou o procurador-geral Robert Leach, durante a abertura dos argumentos no tribunal em San Jose, no coração do Vale do Silício, nesta quarta-feira (8). Porém, de acordo com Lance Wade, advogado de defesa de Holmes, ela é apenas mais uma líder de startup fracassada, e não a "vilã" que os promotores acreditam que ela seja.

Homes se tornou celebridade do ramo da biotecnologia ao criar a empresa de diagnósticos Theranos em 2003, quando tinha 19 anos. O sucesso veio com a promessa de exames baratos realizados com apenas gotas de sangue com resultados mais rápidos do que os laboratórios tradicionais. Mas, depois de alguns anos e alguns bilhões na conta, as acusações de fraude começaram a chegar.

"A Theranos falhou em parte porque cometeu erros, mas erros não são crimes", afirmou Wade. A defesa alegou ainda que Holmes sofreu abuso psicológico e era dominada por seu sócio e ex-companheiro, Ramesh "Sunny" Balwani, 56, que é julgado separadamente. Balwani classificou as acusações de "ultrajantes".

Durante a seleção do júri, na semana passada, a defesa perguntou a vários candidatos em potencial se eles haviam sofrido "abuso de alguém próximo", sinalizando que essa será parte da estratégia para ajudar Holmes no julgamento. Mas a promotoria deve apresentar profissionais de saúde para desmontar essa tese.

Sucesso meteórico... e declínio

Ao criar a empresa de diagnósticos Theranos, Holmes tornou-se uma celebridade no mundo da tecnologia — por isso chegou a ser comparada ao fundador da Apple, Steve Jobs. Figurões do mercado como Henry Kissinger e Rupert Murdoch foram alguns dos que investiram na startup.

Porém, em 2015, um informante levantou preocupações sobre o carro-chefe da Theranos, o dispositivo de teste Edison, e o jornal americano Wall Street Journal mostrou, em uma série de reportagens, que os resultados do exame não eram confiáveis. Segundo a publicação, a empresa vinha usando máquinas disponíveis comercialmente, produzidas por outros fabricantes, para viabilizar a maioria de seus testes.

Os processos se acumularam, os parceiros cortaram relações e, em 2016, os reguladores dos EUA proibiram Holmes de operar um serviço de exames de sangue por dois anos. Em 2018, a Theranos decretou falência.

Em março daquele ano, ela fez um acordo com a Justiça dos Estados Unidos após ter sido acusada de levantar US$ 700 milhões (R$ 3,6 bilhões, em valores atuais) junto a investidores de forma fraudulenta. Três meses depois, no entanto, acabou presa junto com o ex-sócio Balwani, sob acusações criminais de fraude eletrônica e conspiração. Ela foi libertada sob fiança.

Segundo os promotores, Holmes mentia para investidores, médicos e pacientes para continuar arrecadando dinheiro. Ela chegou a acumular uma fortuna estimada em 3,6 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes de 2014. Naquela época, era a bilionária mais jovem sem ter herdado sua fortuna.

"Holmes não mentiu a vida toda, mas mentiu"

De acordo com a promotoria, a Theranos não começou a vida como uma fraude. Mas em 2009, Holmes estava rapidamente ficando sem dinheiro, com problemas em cumprir a folha de pagamento, sobretudo porque o relacionamento com empresas farmacêuticas, como Pfizer e a, Schering-Plough não estava indo bem.

"Sem tempo e sem dinheiro, Elizabeth Holmes decidiu mentir", disse o procurador Leach. Ela então teria começado a buscar investimentos, apresentando projeções superestimadas da empresa.

Um dos documentos apresentados pela promotoria foi um suposto memorando da Pfizer endossando a tecnologia da Theranos para investidores — e que não teria sido emitido pela empresa farmacêutica, que deve ainda prestar seu depoimento durante o julgamento.

A promotoria apresentou ainda algumas publicações da imprensa que, de acordo com Leach, foram fundamentais para atrair investidores, mas apresentavam algumas mentiras.

Para ajudar Holmes no 1º dia de julgamento, a defesa optou por mostrar o lado humano da empresária para o júri. Wade contou em detalhes como ela guardou seus pertences no carro depois que Theranos afundou. Depois, voltou no tempo e falou da trajetória da jovem de 19 anos que resolveu abandonar a faculdade após patentear um dispositivo que realizava testes e dava um resultado. Wade ainda disse que confiar em Sunny Balwani foi um dos maiores erros cometidos por Holmes.

De acordo com o advogado de defesa, a fundadora da startup acreditava que os testes eram precisos e confiáveis, e ela mesma fez uso deles, além de recomendá-los para sua família. Como Balwani supervisionava os laboratórios, e os diretores do laboratório são legalmente responsáveis pela segurança e precisão dos testes, a responsabilidade não era de Holmes. Alguns desses executivos também vão prestar seus depoimentos no julgamento.

Ainda segundo a defesa, só serão ouvidos no julgamento 20 pacientes e médicos que apresentaram resultados imprecisos, que tiveram diagnósticos equivocados de HIV ou câncer por meio de exames defeituosos — em um total de 8 milhões de testes realizados — o que representa 0,00025% de todos os testes. Wade não mencionou os testes que foram anulados, que representam uma parcela significativa.

O que vem a seguir?

O julgamento está apenas começando. E, como acontece em todo o processo judicial, o resultado depende dos testemunhos e das provas que serão apresentadas.

Mas uma coisa é certa: para a acusação, pode ser difícil provar as más intenções por trás das ações de Holmes, uma vez que a defesa está destacando a presunção de inocência da empresária e transferindo a culpa para o sócio Balwani.

O julgamento, que foi adiado várias vezes porque ela teve um filho em julho, deve durar umas 13 semanas. Se Holmes decidir falar, seu depoimento será o mais esperado.

*Com informações da AFP e da BBC.