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Com medo de punição do Taleban, afegãos apagam registros da vida online

16.ago.2021 - Membros do Taleban montam guarda em uma via de Cabul, após tomarem o poder no Afeganistão - Wakil Kohsar/AFP
16.ago.2021 - Membros do Taleban montam guarda em uma via de Cabul, após tomarem o poder no Afeganistão Imagem: Wakil Kohsar/AFP

Felipe Oliveira

Colaboração para Tilt, em São Paulo

17/08/2021 13h43

A última vez que o grupo fundamentalista Taleban governou no Afeganistão foi em 2001, antes de os Estados Unidos enviarem tropas ao país. De lá para cá, a evolução da internet foi gigantesca, a ponto de o mundo online se tornar uma extensão do dia a dia de muita gente. Mas com o novo avanço dos extremistas no país, a vida nas redes sociais de quem vive na região se tornou perigosa.

Isso porque cada vestígio deixado na internet pode ser utilizado pelo Taleban para punir um cidadão do país. De acordo com o reportagem do site Wired, várias pessoas estão tentando apagar evidências de suas vidas online para evitar que os ultraconservadores as punam. Ao mesmo tempo, alguns cidadãos tentam de alguma forma apenas esconder essas informações para que possam utilizá-las para conseguir sair do país.

Uma das preocupações de quem não quer ter o passado descoberto pelos extremistas envolve os celulares pessoais. Neles podem ser encontrados contatos salvos de familiares e conhecidos, ou até mesmo os registros das ligações realizadas, o que pode deixar claro uma possível relação indesejada pelos extremistas.

O perfil em redes sociais é outro motivo de temor. Por mais que os usuários apaguem suas próprias contas, fotos ou vídeos em que elas aparecem — voluntariamente ou não — podem ser consideradas transgressões pelo Talibã, de acordo com a matéria da Wired.

De acordo com o site, a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), um braço humanitário norte-americano, teria enviado um email para parceiros que vivem no Afeganistão pedindo que fizessem uma espécie de pente-fino em suas redes sociais para remover fotos e informações que poderiam tornar os indivíduos vulneráveis.

A entidade também aconselhou os parceiros que ainda operam na região a excluir e limpar todas as informações de identificação pessoal daqueles com quem trabalharam no local, para evitar que caiam em mãos erradas.

"O Taleban certamente sabe como usar a tecnologia. A única maneira sensata de abordar isso é presumir o pior e planejar para isso. Seria tolice pensar que não há risco", afirmou Brian Dooley, consultor sênior da Human Rights First. A organização internacional de direitos humanos elaborou um guia sobre como excluir seu histórico digital — o problema é que ele está em inglês, o que não o deixa acessível para todos afegãos.

Taleban já usou tecnologia para encontrar opositores

Os temores com relação ao Taleban e a tecnologia são justificados por ações já realizadas pelo grupo. Em 2016, os extremistas mataram 12 passageiros de um ônibus após exigir que todos digitalizassem suas impressões digitais em uma máquina de biometria.

Com o dado colhido dos passageiros, o Taleban verificou um banco de dados para identificar trabalhadores da força de segurança do país, considerada prejudicial ao modo de vida que pregam.

"A maioria dos passageiros não estava familiarizada com a máquina, mas sabíamos que era um dispositivo biométrico que poderia identificar membros da força de segurança entre civis", disse um comandante do exército afegão na época.

Facebook bane Taleban

Acredita-se também que o Taleban já tenha usado dados do Facebook para identificar indivíduos com relacionamentos de longa data com militares ou ONGs dos EUA. Essa técnica foi utilizada pelo Estado Islâmico, no Iraque, que vasculhava as redes sociais para encontrar aqueles que considerava como oponentes.

Sabendo dessa possibilidade, o Facebook já anunciou que banirá, na medida do possível, o conteúdo relacionado ao Taleban de todas as suas plataformas. De acordo com o gigante da tecnologia, conteúdos postados por usuários extremistas ou que contenham informações do Taleban não serão permitidos no Facebook, Instagram e WhatsApp.

"O Taleban foi sancionado como organização terrorista pela lei dos EUA e nós os banimos de nossos serviços de acordo com as nossas políticas de Organização Perigosa", afirmou um porta-voz da empresa à rede CNBC.

Taleban estaria utilizando o WhatsApp

Contudo, banir esse tipo de conteúdo do WhatsApp não é tão simples como em plataformas como Facebook e Instagram. Isso porque as mensagens são criptografadas de ponta a ponta, o que significa somente as pessoas envolvidas na troca de textos, fotos e vídeos é que conseguem ter acesso a eles.

Segundo reportagem da Vice, o Taleban sabendo disso estaria utilizando o aplicativo para espalhar mensagens para os cidadãos enquanto eles tomam conta do país. De acordo com uma matéria compartilhada pela revista, o uso das mensagens por WhatsApp foi o que fez o Taleban tomar conta tão rápido do Afeganistão.

Enquanto os Estados Unidos admitiram que pensavam que demoraria pelo menos 90 dias para que o grupo retomasse o poder no país, isso ocorreu em apenas 10 dias após o anúncio da retirada das tropas. Ao que parece, ao invés de enfrentar o exército afegão, o Taleban apenas espalhou informações no WhatsApp de que estaria no controle de determinadas cidades e assim foi ganhando espaço no país.

Reportagem do Washington Post mostra que o Taleban enviou mensagens via WhatsApp para residentes da capital Cabul na qual apenas proclamou: "nós somos responsáveis pela segurança de Cabul".

As mensagens listavam números de telefone em vários bairros para os quais os cidadãos deveriam ligar se observassem problemas como saques ou comportamento "irresponsável" por parte de pessoas armadas.

Em entrevista à revista Vice, um porta-voz do Facebook se recusou a responder se o Taleban utilizou o app mensageiro. "Como serviço de mensagens privadas, não temos acesso ao conteúdo dos chats pessoais das pessoas; no entanto, se tomarmos conhecimento de que um indivíduo ou organização sancionada pode estar presente no WhatsApp, entramos em ação ", disse o porta-voz.