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'O céu é azul agora': como óculos especiais deram 'novos olhos' a daltônico

Daltônico, o professor de inglês Alisson Godói ganhou óculos especiais para amenizar os efeitos da condição visual - Arquivo Pessoal
Daltônico, o professor de inglês Alisson Godói ganhou óculos especiais para amenizar os efeitos da condição visual Imagem: Arquivo Pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para o UOL, do Recife

26/07/2021 04h00

A copa das árvores, os pássaros, o céu. O mundo todo em tons pastéis e com pouca ou nenhuma distinção entre um tom e outro. Era assim que enxergava o professor Alisson Godói, de Brasília. Daltônico, ele só viu recentemente o pôr do sol com todas as suas cores pela primeira vez em 38 anos após ser presenteado com um par de óculos especiais por um ex-aluno.

O ex-estudante, que mora nos Estados Unidos, trouxe o acessório na última visita ao Brasil em junho. A reação do mestre à nova perspectiva foi filmada e viralizou nas redes sociais. "O céu é azul agora, cara", disse ele no vídeo.

A Tilt Godói conta que na hora em que colocou as lentes sentiu um misto de incredulidade, medo, supresa e felicidade.

Eu não sabia o que era lilás, vinho. São variações. Em Brasília tem um parque na cidade e eu tive que tirar os óculos porque tudo era tão verde, tão verde. Fui a uma exposição em São Paulo e meu Deus... É incrível. Ver São Paulo de novo, dessa vez com cores, foi surreal
Alisson Godói, professor de inglês

A oftalmologista Catarina Ventura, do IOFV-PE (Instituto de Olhos Fernando Ventura de Pernambuco) explica que o olho humano possui células especiais chamadas cones, que distinguem três grupos de cores: verde, amarelo-vermelho e azul-violeta.

O daltonismo restringe a capacidade de diferenciá-las. Na maioria dos casos, ressalta Ventura, o problema é hereditário e a pessoa já nasce daltônica.

"Trata-se de uma predisposição genética passada de pai para filho. Mais homens do que mulheres são afetados", afirma. Como é uma condição ligada ao cromossomo X, raramente afeta as mulheres, que possuem dois cromossomos X. O distúrbio só se manifesta nelas se a mutação estiver presente nos dois.

Ainda que raro, o daltonismo pode ser adquirido, "causado por alguma doença que atinge o nervo óptico ou pela degeneração macular associada à idade ou medicamentos", diz a oftalmologista.

O professor conta que, durante a adolescência, se vestia sempre do mesmo jeito e pedia para fazer provas do ensino médio em preto e branco. Tudo para driblar algumas das limitações do daltonismo. Mas esses dias ficaram para trás.

óculos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Daltônico, o professor de inglês Alisson Godói ganhou ósculos especiais para amenizar os efeitos da condição visual
Imagem: Arquivo Pessoal

Leonam Vieira foi aluno de Godói durante a infância, mas só soube do problema depois. "Ele é muito reservado. A gente nem imaginava." Com o tempo, os dois viraram amigos. Os anos se passaram, e Leonam se mudou para os EUA, onde trabalha como pintor de paredes. A relação com as cores não deixou ele esquecer do amigo que ficou no Brasil.

"A gente começou a trocar ideia sobre essa possibilidade dos óculos há um tempo. Procuramos, ele no Brasil e eu aqui, mas não deu certo. A última vez que falei com ele já fazia uns três anos", conta a Tilt.

De viagem marcada para o Brasil, onde passou as férias em junho, Vieira comprou os óculos especiais para o amigo. Deixou para contar apenas na hora de entregar. Este momento foi registrado no vídeo, que viralizou nas redes sociais.

"Eu fiquei receoso de os óculos não funcionarem porque tem tipo específico para cada daltonismo. Mas funcionou. No momento que ele colocou no rosto, é como se ele tivesse nascido de novo. E eu testemunhando aquilo. Foi fantástico o sentimento do renascer dele, de felicidade e amor por ele", conta.

Para dar a sensação de correção da visão, as lentes dos óculos especiais têm filtros capazes de aumentar o contraste entre os sinais das cores verde e vermelho.

"Não é uma cura para o daltonismo. O que os óculos fazem é modificar a forma como as pessoas percebem a luz", explica o oftalmologista Pedro Carlos Carricondo, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e diretor do pronto-socorro oftalmológico do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Gay, o professor conta que até então via com pouca distinção a bandeira do arco-íris, símbolo da comunidade LGBTQIA+.

"Sou LGBTQIA+. E olha, depois que eu passei a ver cores, meu irmão... Até o arco-íris da bandeira, ficou ainda mais bonito. Meu daltonismo me impede de ver azul, rosa, vermelho, marrom. É como se eu visse tudo num tom mais pastel. E essas cores, eu confundo. Os óculos amenizam bastante isso", comemorou.

Ao ver o mundo de uma forma nunca antes percebida, ele se emocionou e até preocupou algumas pessoas na rua.

"Primeiro fiquei assustado. Parecia que estava em um desenho animado. Tudo muito berrante. Não conseguia parar de ficar assustado, com medo e feliz. Agora, ver o pôr do sol... Eu chorava de uma felicidade. Sentei na Esplanada e as pessoas paravam para perguntar se eu estava bem. Aquele dourado todo, um degradê, uma mudança de cores no horizonte. Lindo demais", descreveu.