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Golpe do delivery causa prejuízos, mas de quem é a responsabilidade?

Mulher vê aplicativo de entrega de comida Imagem: iStock

Letícia Naísa

De Tilt, em São Paulo

24/06/2021 04h00

Deu vontade de tomar sorvete? Comer sushi? Tomar um refrigerante? É só abrir o aplicativo de entrega do celular que ele atende aos nossos desejos em minutos. Mas o que é uma facilidade, no entanto, também se transforma num transtorno com o crescente golpe do delivery.

As reclamações sobre golpes aplicados por entregadores de apps de entrega de comida cresceram 186% em um ano, segundo dados do Procon-SP, divulgados ontem. De janeiro até maio, foram 249 registros contra empresas iFood, Rappi e Uber Eats.

O designer Juliano*, 32, sofreu um prejuízo de R$ 2 mil por causa de um sorvete pedido numa quarta-feira à noite via aplicativo do iFood, empresa campeã de reclamações, com 80 relatos no período, segundo o órgão de defesa do consumidor de São Paulo.

O golpe funciona assim:

  • Após o pedido pelo app, o(a) cliente recebe uma mensagem do(a) entregador(a) dizendo que sofreu um acidente e que outra pessoa realizará a entrega;
  • Uma suposta central de atendimento entra em contato confirmando a história e dizendo que é preciso pagar uma taxa de entrega para o novo entregador, porque a taxa cobrada anteriormente será estornada;
  • Uma outra pessoa chega com o pedido e com a maquininha para cobrar a nova taxa;
  • Na tela, pode parecer que o valor está correto, mas na verdade é cobrado um valor muito mais alto;
  • Uma vez que a senha é digitada pelo cliente, o golpe é concluído.

Juliano achou estranha a mensagem do motoboy, mas acreditou na ligação da falsa central de atendimento. "Parecia verdadeira, acreditei", conta o designer. "Foi um esquema muito bem armado por ter um contato de uma central de atendimento — que o iFood não me respondeu se realmente é deles ou não —, de me entregarem o pedido verdadeiro com a nota fiscal e ter uma adulteração na tela da maquininha."

Quando o novo entregador chegou, o pedido do sorvete de Juliano estava em mãos e a maquininha a postos. Na tela, o valor: R$ 4,90. "Estava um pouco escuro, mas eu vi o valor e passei o cartão", relembra. A maquininha não funcionava por aproximação, então Juliano digitou a senha.

No celular, recebeu a notificação de cobrança no valor R$ 2.004,90. Quando o entregador percebeu que Juliano tinha descoberto o golpe, subiu na moto e foi embora. "Me senti envergonhado por cair, muito triste e frustrado em precisar lidar com toda a burocracia", relatou a Tilt.

Juliano contou a situação para o namorado, que o ajudou a entrar em contato com as empresas e expôs o golpe nas redes sociais, o que acelerou um pouco o processo por causa do engajamento da postagem, segundo ele. Em 15 dias, o iFood restituiu o prejuízo de Juliano.

Segundo o advogado Victor de Masi, especialista em direito cível e do consumidor, o aplicativo dono do serviço de entrega deve ser responsabilizado pelo prejuízo do cliente, que tem direito de pedir o ressarcimento do valor.

"O aplicativo está prestando um serviço para o consumidor, o entregador está ali por causa do aplicativo, então ele é o responsável", afirma. "É um regime jurídico esquisito, é confuso, a regulamentação desses aplicativos no Brasil ainda é muito frágil, porque eles são muito recentes."

De acordo com o advogado, os apps são registrados como empresas prestadoras de serviço de frete.

O Código do Consumidor também é uma garantia para o cliente ser ressarcido. "É uma legislação bastante avançada", afirma Gabriel Schulman, advogado e coordenador da pós graduação em direito e tecnologia da Universidade Positivo. Schulman aconselha que o boletim de ocorrência seja feito, em paralelo ao contato direto e negociação com o aplicativo responsável pela entrega.

O advogado acrescenta que esse tipo de golpe muitas vezes é visto como estelionato. "Esses crimes digitais são muito frequentes, até mais do que os não digitais."

"Como me sentir seguro em qualquer conta digital, seja do iFood ou de uma fintech depois dessas?", questiona Juliano. Desde o ocorrido, ele preferiu comprar créditos no iFood para não precisar mais passar o cartão.

Sentados numa mureta na Av. Paulista, em São Paulo, um grupo de entregadores esperava corridas da Rappi Imagem: João César Diaz/Repórter Brasil

A estudante Fernanda*, 14, passou por uma situação parecida depois de um pedido feito numa papelaria por meio do Rappi. O esquema do golpe foi o mesmo. Na hora, a maquininha deu problema. Por aproximação, o cartão não passou. Na tela do entregador, o valor estava era de R$ 4,99.

A cobrança do cartão de crédito que a adolescente usa cai na fatura de seu pai. O prejuízo teria sido de R$ 11.314,97, mas o banco e a empresa de cartão de crédito suspenderam a compra. Os pais de Fernanda entraram em contato com a empresa por meio do próprio aplicativo e por email, mas foi somente depois que a mãe da estudante fez uma postagem no Twitter que a empresa deu retorno, conta Fernanda. Levou mais de um mês para a situação se resolver.

Mesmo sendo menor de idade, Fernanda pôde realizar cadastro no aplicativo. Em nota enviada por email, a Rappi afirmou que o serviço é reservado para "pessoas com plena capacidade civil nos termos da lei (maiores de idade e emancipados, por exemplo)". O aplicativo, no entanto, não pede comprovação de idade para efetuar cadastro.

Quem paga a conta?

Em resposta a Fernanda, a Rappi afirmou que, com relação ao valor cobrado, a cliente deveria entrar em contato com o banco para o cancelamento da compra, "por se tratar de uma cobrança fora da plataforma". Com relação aos golpistas, a empresa informou que não solicita pagamentos fora da plataforma, que os entregadores são profissionais independentes e que, para este caso, tomariam as medidas cabíveis, mas sem detalhar quais seriam essas medidas.

Sobre o processo de seleção dos entregadores, a empresa afirmou apenas que não permite atuação de menores de 18 anos na atividade. É preciso ter um meio de transporte, CPF, RG e CNH válida para motos.

Em nota, enviada por email a Tilt, a Rappi afirmou que permite aos usuários relatar o ocorrido para que possa denunciar à polícia as condutas ilegais. "Estruturamos uma equipe que trabalha em conjunto com as polícias civil e federal para identificar o modus operandi das fraudes, como os locais mais utilizados e o perfil do entregador fraudador. Já abrimos investigações e originamos ações legais das autoridades contra entregadores que roubaram ou prejudicaram nossos usuários", afirma a empresa.

Para coibir condutas ilegais, a Rappi acrescenta que mapeia e analisa fraudes realizadas pelos entregadores e consegue identificar o perfil do fraudador.

Também em nota enviada por email, o iFood reforça a importância de acionar a empresa por meio dos canais oficiais de atendimento e enviar um boletim de ocorrência. "Após o recebimento dos casos, o iFood realiza uma análise e caso seja constatada a fraude, faz o ressarcimento para o cliente e desativa o entregador", afirma.

Como se prevenir?

  • Prefira pagar o pedido diretamente no aplicativo, para não precisar usar a maquininha;
  • Fique atento ao aviso na tela do aplicativo: as empresas não fazem cobrança via maquininha na hora da entrega se o pagamento já foi feito pelo app;
  • Se for pagar na entrega, preste atenção no valor na tela e se a maquininha está em boas condições. Se não for possível enxergar o valor, não efetue o pagamento;
  • Se for digitar sua senha, digite de uma maneira que outras pessoas não vejam;
  • Se tiver instalado, cheque o valor cobrado pelo aplicativo no banco assim que possível.

*Nomes trocados a pedido dos entrevistados.

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