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Como novo mapa do cérebro humano criado pelo Google pode ajudar a ciência

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Imagem: Getty Images

Aurélio Araújo

Colaboração para Tilt

11/06/2021 16h57

O Google ajudou pesquisadores de Harvard a criar um mapa cerebral super detalhado que mostra os pormenores das conexões internas de um dos órgãos mais complexos do corpo humano. Com esse mapeamento, padrões de conexões entre neurônios (células do sistema nervoso) que ainda não se conheciam poderão ser analisados.

O mapa está disponível online e conta com 50 mil células renderizadas em 3D a partir de 225 milhões de imagens. Além das delas, ele inclui centenas de milhões de axônios, que são a parte dos neurônios responsável pela condução de impulso elétrico até outros neurônios. Esse processo resulta nas chamadas sinapses. Ao todo, o mapa tem 130 milhões dessas conexões.

O conjunto de dados medido por esse novo mapa cerebral tem cerca de 1,4 petabyte, o que dá em torno de 700 vezes a capacidade de armazenamento de um computador moderno.

Em entrevista ao site "NewScientist", Viren Jain, um dos cientistas do Google, afirmou que os pesquisadores envolvidos sequer tiveram tempo de estudar o mapa em detalhe ainda. Ele o comparou ao genoma humano, que ainda está sendo explorado, mesmo depois de 20 anos desde que os primeiros estudos sobre o tema foram publicados.

O processo todo começou quando o cientista Jeff Lichtman, da Universidade de Harvard, obteve um pequeno pedaço do cérebro de uma mulher de 45 anos. Ela sofria de epilepsia e os medicamentos não estavam dando conta de aliviar os sintomas.

Seus médicos decidiram que ela deveria passar por cirurgia, removendo seu hipocampo esquerdo, fonte das suas convulsões. Para que isso fosse feito, parte do tecido que cobria o hipocampo teve de ser removido.

Foi aí que entrou a equipe de Lichtman. Eles conservaram a amostra do tecido retirada e, depois, a tingiram com metais pesados, como o ósmio, para que as membranas externas de cada célula ficassem visíveis sob um microscópio eletrônico de transmissão.

Em seguida, mergulharam o tecido em resina, para que endurecesse. E, finalmente, cortaram em fatias muito pequenas, com cerca de 30 nanômetros de grossura, utilizando um microscópio para fazer imagens de cada fatia.

Sob Jain, o Google assumiu a tarefa a partir juntar as fatias de duas dimensões para formar volumes tridimensionais e desenhar o mapa.

Por meio do mapeamento, os cientistas fizeram novas descobertas sobre o funcionamento do cérebro humano. Por exemplo, encontraram discrepâncias entre os números de conexões entre os neurônios.

O que se sabia era que, normalmente, quando um axônio de um neurônio passava próximo de outro, se formava uma única sinapse. Em ocasiões raras, havia duas ou até quatro sinapses. Porém, o mapa mostrou que há axônios que formam até 20 sinapses com um único neurônio.

As razões para isso ainda não estão claras. De acordo com Lichtman, também em entrevista ao site "NewScientist", pode-se especular que as conexões com múltiplas sinapses dão suporte aos comportamentos aprendidos.

"Há várias coisas que seu cérebro faz por cognição, pensando, decifrando e tomando uma decisão, e também há muitas coisas que você faz automaticamente, mas que não poderiam ter surgido geneticamente", diz ele. Um exemplo disso é aprender a frear quando você vê um sinal vermelho. É um comportamento que se aprende, e essas conexões amplas permitiriam que a mensagem seja transmitida de forma suave.

Outra descoberta que foi feita pelo mapa são pares de neurônios nas profundezas do córtex cerebral, camada mais externa do órgão.

"Essas duas células apontam na exata direção oposta, no mesmo eixo", diz Lichtman. Infelizmente, ainda não se sabe a razão para isso.

Evolução científica

O mapeamento cerebral avançou muito desde seus primórdios, na década de 1980. Foi nesse período em que os pesquisadores mapearam os 302 neurônios do sistema nervoso de um verme, chamado Caenorhabditis elegans.

No ano passado, Jain e Lichtman reuniram uma equipe de pesquisadores para dar início ao mapeamento da totalidade do cérebro de um rato, num nível de detalhe parecido com o que fizeram com essa amostra do cérebro humano.

"O cérebro de um rato é só mil vezes maior que isso, um exabyte em vez de um petabyte", afirma Lichtman. "Estamos numa escala em que, provavelmente, conseguiremos fazer isso dentro de uma década."

Mas e o cérebro humano em sua totalidade? Segundo o cientista, para fazê-lo, seria necessário realizar um mapeamento mil vezes maior, um zettabyte de informação. No entanto, ele acredita que isso seja desnecessário.

"Podemos acabar descobrindo que boa parte disso é informação de codificação que foi adquirida com a experiência. Dessa forma, os cérebros serão diferentes um do outro", explica. Sem compreender profundamente como a informação é armazenada pelo cérebro, os dados seriam inúteis.

*Com informações do site Syfy