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Hora da faxina digital! Veja como fazer e varra os perigos

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Imagem: iStock

Silvana Salles

Colaboração para Tilt

10/06/2021 04h00

Sem tempo, irmão

  • Nossa atividade online gera rastros, também conhecidos como pegadas digitais
  • Elas são usadas por empresas para vender publicidade e medir o sucesso de ações
  • O uso comercial por vezes beira à invasão e expõe nossos dados a vazamentos
  • Além das leis de proteção, você pode se proteger fazendo uma "faxina" periódica

Dos stories que você acabou de postar à sua última compra, toda a sua atividade online deixa rastros. Por trás do que enxergamos na tela, cookies e outras formas de rastreamento registram cuidadosamente cada passo que damos na web. Por isso, é importante incluir em nossa rotina uma verdadeira faxina digital.

Nossas "pegadas digitais" (como são conhecidos os rastros online) são valiosas, tanto que plataformas como Google e Facebook ganham muito dinheiro coletando-as e usando as informações para direcionar publicidade e medir o sucesso de suas ações.

Essas bases de dados reúnem informações como: nome, email, número de telefone, histórico de buscas, locais onde você esteve, horários de acesso nas redes sociais, quanto tempo você passou olhando para uma propaganda e até se você não deu bola para outro anúncio.

Se você se sentiu stalkeado saiba que já existem leis em vários lugares do mundo que regulam a coleta, o tratamento e o uso de dados pessoais com o objetivo de proteger a nossa privacidade — como a nossa LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Ainda assim, especialistas em tecnologia afirmam que é preciso que cada um tome para si a responsabilidade pelos seus próprios dados e que, por isso, é importante limpar as pegadas digitais deixadas no meio do caminho.

Privacidade é um pouco como um exercício. Você deixa a pegada, você tem que ir lá e limpar" Caio Machado, diretor executivo do Instituto Vero

Ele afirma que limpar a pegada digital é uma tarefa que deveria ser encarada da mesma forma que lavar a louça ou arrumar a cama.

Isso inclui apagar nossos dados de sites e outros serviços online nos quais a gente algum dia fez um cadastro para alguma finalidade que já não existe mais. Em tempos de vazamentos de dados, essas páginas podem ser um prato cheio para pessoas mal-intencionadas. Afinal, nunca é demais lembrar que dados vazados podem fazer de você uma vítima de fraudes e outros crimes.

"Os dados vazam, as empresas que antes cuidavam deixam de cuidar, deixam as bases de dados esquecidas", afirma o executivo do Instituto, uma organização dedicada ao combate à desinformação e à defesa de direitos online.

Delete contas em serviços que você não usa mais

  • Cheque seu email:

Chegou na sua caixa de entrada um e-mail de um jogo ou plataforma que você não acessa há muitos meses? Aproveite o lembrete para excluir a sua conta. Vale ainda colocar na busca palavras como "bem-vindo", "verificar", "sua conta", "avaliação gratuita" para descobrir contas antigas que você esqueceu que tinha.

  • Cheque seu gerenciador de senhas:

O próprio Google possui o serviço do tipo. Ele acaba reunindo praticamente todos os sites em que você possui um login e senha. Procure na lista de logins salvos as contas que você não usa mais, entre nelas e as delete.

  • Cheque sites atrelados às suas redes sociais:

Você também pode verificar no Facebook, Google e Twitter se na lista de aplicativos que usam esses serviços para fazer o seu login existe algum que você não usa mais. Lembre-se que não basta desconectar o app em questão da sua rede social, você vai precisar fazer o login nele e excluir a conta.

  • Dê início à saga:

Faça uma lista das contas a serem deletadas. Pode ser uma tarefa difícil conseguir achar dentro desses sites e serviços onde excluir as contas, mas há serviços na web que te ajudam a encontrar o caminho, como o JustDelete.me.

Se não achar por conta própria, entre em contato com o suporte do site e peça para excluir a sua conta. Se nem isso funcionar, você vai precisar entrar em cada um deles e excluir todas as informações sensíveis que você puder, como dados bancários, anotações pessoais, calendários, eventos antigos e etc.

Outra dica é mudar o nome de usuário. Por exemplo, se seu nome é Maria Silva troque por José Santos. Dá até criar um email descartável no Mailinator para ser vinculado à conta com novo nome. Assim, ainda que ela continue existindo, a conta não será mais sobre você.

Outras boas práticas

Revise as configurações de privacidade dos seus aplicativos e avalie se você quer que suas fotos, local de nascimento e relações familiares permaneçam visíveis a qualquer pessoa no Facebook; se qualquer número pode te adicionar em grupos de WhatsApp; e quais aplicativos de terceiros podem acessar as informações da sua conta.

O guia de privacidade para adolescentes do Instituto Vero reúne links para acessar os ajustes de privacidade de diversas plataformas. (Serve para quem não é adolescente também, viu?)

Nunca é demais limpar o histórico de buscas e o cache do seu navegador.

É preciso manter a casa limpa

Depois da faxina, considere trocar de navegador. Para oferecer uma experiência mais personalizada, alguns navegadores coletam uma enorme quantidade de dados sobre as suas atividades na internet. Instalar o Firefox ou o Brave é uma alternativa para minimizar essa exposição da sua privacidade.

Além disso, comece a usar diferentes motores de busca. Em vez de "dar um Google", use o DuckDuckGo ou o Ecosia. Nem sempre esses serviços terão a mesma qualidade — o DuckDuckGo entrega resultados menos precisos que o Google — mas, em troca, coletam muito menos dados individuais.

Por último, avalie se é realmente necessário fornecer dados pessoais para acessar determinados serviços antes de sair por ai fazendo cadastros. Será que vale a pena dar todos os seus dados para acessar, por exemplo, um conversor de PDF que você vai usar uma única vez? O site é confiável? Permite que você apague seus dados depois?

Não existe almoço grátis

Suas pegadas digitais são valiosas, tanto que muita gente anda comparando a importância delas na economia atual à do petróleo no século 20. Se os dados são o "novo petróleo", os serviços que não pagamos para usar são os "poços" de onde as empresas os extraem.

"Tem uma estratégia de negócio das grandes empresas que é a coleta massiva de dados, que é estudar as pessoas, e para isso você tem tantos serviços gratuitos na internet", afirma Deivi Kuhn, ativista e analista de sistemas.

Ele diz que, da mesma forma como o petróleo serve para fabricar uma infinidade de produtos, os nossos dados são "a matéria prima para nos predizer, nos controlar, nos conhecer, nos moldar ou nos modular para um comportamento". Por isso, são tão valiosos.

Uma postagem feita em abril no Twitter, por exemplo, viralizou ao pedir "pelo amor de Deus" para pararem de perguntar para aceitar ou não os cookies.

Muita gente parece compartilhar da mesma inquietude (foram quase 154 mil curtidas), afinal, para quem está ansioso para ver o que está na tela, pode ser chato e demorado ter que revisar os termos de uso para decidir se concede ou não acesso aos cookies.

Isso demonstra a dificuldade que muitos de nós temos para dimensionar o valor dos nossos dados e o destino que está sendo dado a eles, o que inclui a possibilidade de eles serem usados para a prática de crimes, especialmente golpes e fraudes.

Segundo Caio Machado, se não conseguimos calcular o risco associado a esses usos, também não será possível estimar quanto os nossos dados valem. "A gente não sabe quanto custa esse conhecimento que eles [as empresas] têm, a partir dos dados que a gente está fornecendo, nem quanto custa a capacidade de me vender algo que eu não sei exatamente se eu quero", diz.

A falácia do livro aberto

Há quem diga que não se importa com a coleta massiva de dados na internet porque não tem nada a esconder. Mas você anda sem roupa pela rua? Troca de roupa se exibindo para os vizinhos? Provavelmente, não. Para Machado, do Instituto Vero, nosso comportamento online não deveria ser diferente.

Ele lembra que a ideia de privacidade surgiu, historicamente, com a criação de espaços segmentados para atividades diferentes - o banheiro é o melhor exemplo. É graças a essa segmentação dos espaços que podemos escolher quais partes das nossas vidas aceitamos mostrar para o mundo. Em outras palavras, ter esse controle também é uma forma de exercer a vida em sociedade.

"O Estado não pode te pegar e falar assim 'você vai falar tudo que você tá pensando e o que você acha do presidente'. Agora, isso muitas vezes é acessível entrando no seu celular, olhando suas conversas, vendo o que você buscou. Em larga medida, o celular é a extensão da sua cabeça. Poder acessar aquilo é de uma capacidade de invasão imensa", argumenta.