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Meteoro raro passa de raspão na atmosfera sobre o RS; entenda o fenômeno

Earthgrazer visto no céu do Rio Grande do Sul - Observatório Espacial Heller & Jung
Earthgrazer visto no céu do Rio Grande do Sul Imagem: Observatório Espacial Heller & Jung

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

02/06/2021 12h10

Na noite do último domingo (30), um meteoro diferentão foi filmado nos céus do Rio Grande do Sul. Ele passou raspando em nossa atmosfera, deixando um curioso rastro brilhante, longo, subindo. É um fenômeno que acontece com pouca frequência, e raramente é registrado por câmeras.

Alguns astrônomos o classificaram como um "earthgrazer" — meteoroide que entra na atmosfera superior da Terra, mas não queima completamente, e então quica e volta ao espaço. É como uma pedra ricocheteando na superfície de um lago, quando atirada rente a ele.

Imagens foram captadas por câmeras do observatório espacial Heller & Jung, em Taquara (RS), e de uma estação de monitoramento em Tangará (SC). Veja:

"Este tipo de meteoro foi registrado aqui no RS somente uma outra vez, em 2020. À medida que um earthgrazer passa pela atmosfera, sua massa e velocidade mudam, de modo que sua órbita, ao reentrar no espaço, será diferente do que quando encontrou a atmosfera terrestre", explica o professor Carlos Fernando Jung, proprietário do observatório.

De acordo com cálculos da Bramon (Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros), a rocha espacial atingiu nossa atmosfera em um ângulo bem raso, de 6,1° em relação ao solo — isso que fez ela quicar.

Trajetória do Earthgrazer - Bramon (Brazilian Meteor Observatory) - Bramon (Brazilian Meteor Observatory)
Trajetória do earthgrazer
Imagem: Bramon (Brazilian Meteor Observatory)

Ele começou a brilhar a 162,7 km de altitude, sobre a cidade de Capão Comprido (RS), e seguiu rumo ao norte, sentido Porto Alegre, a uma velocidade de 230,7 mil km/h. Percorreu 243,6 km em 3,8 segundos, e desapareceu a 137,0 km de altitude, sobre Carlos Barbosa (RS), aproximadamente às 22h02.

"Um earthgrazer é um meteoro que atinge a atmosfera da Terra de raspão e percorre imensas distâncias nas camadas mais altas da atmosfera. Geralmente, ele não brilha tão intensamente e não apresenta surtos de luminosidade ou explosões. Dependendo do tamanho e da velocidade, o objeto pode escapar de volta para o espaço", diz Marcelo Zurita, diretor técnico da Bramon.

Os meteoros "comuns", que ocorrem o tempo todo, entram totalmente na atmosfera, descendo até suas camadas mais baixas. Nesse processo, devido às fortíssimas condições de pressão e temperatura, a maioria é completamente vaporizada. Alguns têm fragmentos que resistem ao processo e caem em solo, recebendo o nome de meteoritos.

É um earthgrazer ou não é?

Marcelo De Cicco, astrônomo-coordenador da Exoss, projeto colaborativo de monitoramento e estudo de meteoros, acredita que é precipitado classificar o fenômeno gaúcho como um earthgrazer. "Muitas vezes, se confunde um meteoro longo, que entra em um ângulo raso e se extingue após uma grande distância, com um rasante, que volta ao espaço. Uma das principais características do earthgrazer é que sua altitude final é maior que a inicial, por estar indo embora, subindo na atmosfera."

Como apenas duas câmeras registraram o evento, de dois pontos de vista específicos, calcular a trajetória da rocha é um desafio. "Elas só pegaram uma parte da descida, e o meteoro parece se apagar, então é difícil afirmar qualquer coisa. Em um estudo que fiz sobre um earthgrazer em 2018, foram 18 câmeras. Eu tive de modificar e criar modelos novos para analisá-lo, e ainda assim cheio de dúvidas", lembra.

Até mesmo os softwares astronômicos têm dificuldades em analisar um earthgrazer. "Em geral, os modelos dos programas são para meteoros que descem, então a chance de erro no caso de um rasante é grande. Alguns cálculos devem ser feitos ponto a ponto, manualmente. E isso demora. São meses trabalhando em cima dos dados para saber se uma rocha tem uma órbita hiperbólica é de origem interestelar", acredita De Cicco.

Já Zurita é esperançoso: "Este meteoro parece ter algo muito especial". A imensa velocidade da rocha que passou sobre o RS chamou a atenção, podendo indicar sua origem. "Um earthgrazer só brilha a essa altitude se está muito rápido. Esse ponto ainda vai ser estudado melhor, mas um objeto com essa velocidade pode ter origem cometária, vindo dos confins do Sistema Solar ou, até mesmo, de fora dele."