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Como criadora do 'Espiadinha' conseguiu levar fãs do BBB à CPI, no Telegram

Erica Mathias, 19, criadora do canal "Espiadinha" no Telegram - Acervo pessoal
Erica Mathias, 19, criadora do canal "Espiadinha" no Telegram Imagem: Acervo pessoal

Letícia Naísa

De Tilt, em São Paulo

24/05/2021 04h00

O celular apita e uma mensagem de um grupo no Telegram avisa: "É hora do almoço, mas ela já está jantando!". Em outra mensagem: "Mais um exposed?", seguido de um emoji de foguinho. O assunto poderia ser qualquer fofoca de celebridades ou comentários de reality show, mas não. São frases que se referem à CPI da Covid. Mais especificamente, ao dia do depoimento do ex-ministro Ernesto Araújo. Quem estava "jantando" Araújo era a senadora Kátia Abreu, e o responsável pelo "exposed" foi o senador Otto Alencar.

É com essa linguagem que o canal "Espiadinha", no aplicativo concorrente do WhatsApp, está narrando em tempo real a CPI nos últimos dias.

Com o fim da edição deste ano do Big Brother Brasil, o público ficou carente de conteúdo. A transmissão da comissão, então, bombou. O assunto, que já estava quente no Twitter, foi batizado por Erica Mathias, 19, de "Big Brother Brasília" dentro do "Espiadinha".

Todos os dias, quase 150 mil inscritos do canal recebem as atualizações da CPI e do programa "No Limite", da Globo, que está tentando preencher o vazio dos fãs de BBB.

O "Espiadinha" foi criado por Erica e seus amigos durante a edição passada do BBB como uma brincadeira. Este ano, graças ao BBB 21, o negócio cresceu e virou uma rede de canais.

"A gente chama de 'espiaverso', tem canal de cinema, de anime, de futebol, de negócios e um sobre Power Couple [reality show com casais da TV Record]", conta a jovem em entrevista a Tilt. A brincadeira virou sua profissão. "Vi potencial na coisa."

Na rede de canais, Erica faz chamadas de publicidade e parcerias com pessoas que têm lojas e pequenos negócios. "É praticamente uma empresa", afirma.

Cada canal tem um grupo de administradores, e a estudante é responsável por todos. Para a cobertura do BBB 21, ela conseguiu recursos para pagar os "funcionários", mas ainda não rende o suficiente para manter uma equipe. Todo o mundo faz porque gosta, inclusive a própria Erica, que sempre foi consumidora e fã de reality shows.

"Eu era público do sofá, mas, na pandemia, ficava vendo o BBB o tempo todo na Globoplay, então fui tocando o canal", explica.

O tombo

No meio do caminho do programa, que durou 100 dias, o "Espiadinha" foi derrubado por violação de direitos autorais. Ao invés de transcrever os diálogos e situações, Erica e o time de narradores postava os vídeos disponíveis nas redes sociais, por isso, achavam que não enfrentariam problemas.

"Foi tenso quando derrubaram o canal, já significava muito pra gente, era o meu emprego", conta.

Quando o "Espiadinha" caiu, já eram quase 300 mil inscritos. Rapidamente, ela fez uma gestão de crise e abriu um novo canal com o mesmo nome. No Twitter, a notícia se espalhou e parte do estrago foi recuperado.

A experiência, no entanto, trouxe um aprendizado. No novo "Espiadinha", Erica passou a transcrever o que estava acontecendo no reality e usar gifs e memes ao invés de trechos de vídeo. O lado bom é que tornou o canal mais acessível para pessoas com deficiência auditiva também.

CPI não é reality

Com o fim do Big Brother no dia 4 de maio, o "Espiadinha" focou na narração de "No Limite". Mas, com a frequência menor do programa, faltava assunto.

"Eu estava assistindo à CPI como cidadã, aí alguém sugeriu narrar e achei importante", conta. "A gente precisa saber o que está acontecendo, porque a política impacta na nossa vida."

A narração no "Espiadinha", no entanto, segue a linguagem da zoeira, que ela considera um "humor crítico" e uma ferramenta para reflexão sobre o assunto.

"O público ali gosta de reality e gosta das palhaçadas, muitos são adolescentes, então não queria fazer de um jeito pesado, aí fiz uma analogia doida", conta.

Print do canal "Espiadinha", no Telegram, que está narrando a CPI da pandemia - Reprodução - Reprodução
Print do canal "Espiadinha", no Telegram, que está narrando a CPI da pandemia
Imagem: Reprodução

Mas, apesar da linguagem leve, simples e jovem, o objetivo de Erica não é debochar da CPI, que ela considera assunto muito sério, nem transformá-la em um programa de entretenimento. O que ela quer é tornar o tema acessível a mais pessoas e despertar em mais gente o interesse sobre o assunto.

A realidade é muito dura, então as pessoas tendem a evitar acompanhar. Não é um assunto que é brincadeira."

Seja um reality show ou a CPI, Erica leva o trabalho muito a sério e procura fazer uma cobertura quase jornalística. "Tive que estudar. Aprendi muita coisa na prática, mas procurei me informar, porque eu influencio as pessoas com o que escrevo, então não posso passar informações erradas."

Fanfiqueira

Apesar da pouca idade, a jovem é velha conhecida da linguagem de memes. Em 2014, com apenas 12 anos, ela criou um meme quase imortal: o romance entre o apresentador Faustão e a cantora Selena Gomez, de quem ela é fã.

Vira e mexe, alguém viraliza de novo a fanfic que ela criou na inocência infantil. "Acho que sempre fui criativa, gostava de fazer coisas não convencionais e queria criar uma coisa diferente e engraçada."

O sonho de Erica é ser escritora. Hoje, ela faz faculdade de Letras no litoral de São Paulo. "Quero poder impactar a vida das pessoas, acho que já comecei", comemora.