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ANÁLISE

De olho na saúde: Por que a Microsoft vai pagar US$ 19 bi por empresa de IA

Microsoft está comprando a Nuance Communications, especializada em inteligência artificial - HJBC/Getty Images
Microsoft está comprando a Nuance Communications, especializada em inteligência artificial Imagem: HJBC/Getty Images

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

13/04/2021 12h55

A Microsoft confirmou nesta segunda-feira (12) que comprou a Nuance Communications, uma empresa norte-americana de inteligência artificial pouco conhecida aqui no Brasil, mas que tem grande participação em um setor estratégico: o de saúde. O objetivo é ampliar a presença da dona do Windows no trilionário mercado de saúde privada dos Estados Unidos.

O acordo ainda precisa ser validado por órgãos de fiscalização do país, mas, se for adiante, será a segunda maior aquisição da história da Microsoft, por US$ 19,7 bilhões (mais de R$ 112 bilhões em conversão direta). Ainda não supera os US$ 26,2 bilhões que a Microsoft pagou pelo LinkedIn em 2016.

No anúncio da compra, a Microsoft admite que o interesse é na área da saúde. Nos EUA, a Nuance é líder em tecnologia neste setor e tem entre seus clientes alguns dos maiores hospitais particulares do país, como o Johns Hopkins, em Maryland, e o Mass General Brigham, em Massachusetts.

Mas o interesse no mercado de saúde privada dos EUA —país que não tem um sistema universal e gratuito como o SUS no Brasil— não é a única explicação. Entre os diversos produtos de tecnologia que a Nuance vende, o mais popular é o Dragon, um software de reconhecimento de fala que transforma comandos de voz em texto.

O Dragon é usado em uma série de aplicativos e programas, desde chatbots até atendentes eletrônicos virtuais. A Apple chegou a utilizar o Dragon para desenvolver a Siri, sua assistente virtual, embora não se saiba hoje em dia quanto do programa da Nuance ainda faz parte do código da Siri.

Com a pandemia de covid-19 e a digitalização da saúde privada, o atendimento virtual se tornou prioridade para muitas companhias do setor e uma galinha dos ovos de ouro para a Microsoft. Embora a empresa seja conhecida por produtos voltados a pessoas físicas, como o Windows e o Xbox, dois terços da sua receita anual correspondem ao setor corporativo.

Inteligência artificial para empresas se tornou o principal produto no portfólio da Microsoft. A tecnologia da Nuance pode ser incorporada a serviços como o app de vídeo-chamadas Teams, com a função de transcrever conversas —recurso que o rival Zoom já oferece por meio de plugins de terceiros.

Sabendo que dados são o novo petróleo, a compra da Nuance também serve para engordar os servidores da Microsoft. O setor de saúde é uma cachoeira de informações de milhares de pessoas, todos sempre atualizados com conteúdo que outros bancos de dados não têm. No último ano, hospitais foram alvos preferenciais de hackers por conta disso.

As informações coletadas pela Nuance têm grande valor nas mãos de uma empresa como a Microsoft, especializada em gerar insights com base em grandes volumes de dados. As duas empresas se dizem comprometidas com "os mais altos padrões de privacidade e segurança" no anúncio da compra divulgado no blog oficial da Microsoft —a única menção à privacidade em todo o texto.

Para a Nuance o negócio também faz todo o sentido. A empresa não vinha exatamente mal das pernas, mas via sua receita em uma trajetória de queda: no quarto trimestre de 2020, faturou US$ 352 milhões, quase 10% menos do que no mesmo período um ano antes. Na oferta de compra, a Microsoft também se propôs a assumir a dívida da Nuance.

Nos últimos anos, a Microsoft tem visto sua vantagem no setor de tecnologia empresarial ameaçado pelo crescimento da Amazon, que tem contratos na área da saúde até com o governo dos EUA. A empresa vende soluções de inteligência artificial e análise de dados dentro da plataforma AWS (Amazon Web Services), além ter anunciado um plano de saúde por assinatura, o Amazon Care, a ser lançado ainda este ano.

A compra da Nuance é mais uma tentativa da Microsoft de se manter competitiva no mercado global de tecnologia. Recentemente a empresa concluiu a compra da ZeniMax, por US$ 7,5 bilhões, para reforçar seu braço no setor de games; e, no ano passado, discutiu abertamente a possibilidade de comprar o TikTok e o Discord com o objetivo de marcar presença no setor de mídias sociais.