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Apesar de difícil, ensino remoto ajudou zonas rurais e inspirou professores

Pollyana Ventura/Getty Images
Imagem: Pollyana Ventura/Getty Images

Marcos Bonfim

Colaboração para Tilt

10/12/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • O uso de ferramentas digitais na educação é algo que veio para ficar
  • Pesquisa mostrou que 94% dos professores veem a tecnologia como muito importante
  • País precisa investir em formação dos professores e apresentar novas metodologias
  • Novas experiências educacionais têm que aliar tecnologia e conteúdo presencial

O modo como o ensino remoto foi aplicado neste ano tem recebido críticas. Tanto especialistas em educação quanto professores e alunos têm apontado problemas como falta de planejamento, ausência de infraestrutura adequada e dificuldades de acesso a equipamentos e à própria internet. Mas apesar dos percalços, tudo indica que o uso de ferramentas digitais veio para ficar.

Institutos que atuam na área da educação têm desenvolvido pesquisas sobre o que essa experiência —ocasionada pela pandemia do coronavírus— vai deixar de legado. Um estudo do Instituto Península, realizado entre o fim de julho e meados de agosto, mostrou que 94% dos professores veem a tecnologia como muito ou completamente importante no processo de aprendizagem dos alunos.

Esse dado é fruto da terceira fase da pesquisa "Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil", que entrevistou 4.000 professores em todo o país, e é bastante superior ao verificado na segunda fase. Entre os meses de maio e abril, o percentual era de 57%.

Mas especialistas afirmam que o Brasil precisa investir se quiser que esse avanço se transforme em um legado para a sociedade.

O ensino remoto na zona rural

Para Luciana Allan, diretora técnica do Instituto Crescer, que desenvolve programas de formação para docentes, há um avanço expressivo na aprendizagem relacionado ao uso da tecnologia mesmo em redes e escolas com menor infraestrutura.

"Fizemos um projeto com mais de 40 escolas, inclusive em zona rural, e 90% delas escolheram a formação dos professores no formato online. Só quatro escolas pediram presencialmente. Algumas, mesmo com problemas mais sérios de conexão, encontraram alternativas como o uso do WhatsApp", afirma.

Ana Lúcia Marra Ferreira Nunes Cardoso, coordenadora-geral das Escolas Municipais de Paranã, no Tocantins, foi uma das integrantes do curso de formação. Ela responde por 16 escolas rurais que contam com mais 1.300 alunos, alguns deles em distâncias superiores a 100 km em relação à cidade.

A experiência do ensino remoto, segundo ela, tem sido "assustadora", mas servido como uma forma de estimular a adesão às tecnologias. Na região, o movimento pró-ensino remoto conta com esforços dos pais dos alunos, que têm adquirido internet para as fazendas via antenas para os filhos continuarem estudando.

"Do dia para a noite, os professores tiveram que se reinventar, refazer tudo, usar novos recursos e coisas que eles costumavam deixar para depois. Agora, foram obrigados a entrar nas novas tecnologias, com mensagens, videoaulas, posts e incentivar os alunos no uso desses novos conteúdos", afirma.

Segundo ela, apesar da resistência de parte dos professores e das dificuldades de acesso à internet, começam a surgir, aos poucos e por iniciativas individuais, aulas mais lúdicas, como as com música.

Professor que ajuda professor

Essa evolução e aprendizado no uso das tecnologias também foram sentidos por profissionais que estão em outro contexto social e econômico.

Bianca Souza, professora bilíngue de educação infantil em uma escola particular de São Paulo, apoiou as turmas do ensino fundamental no retorno às aulas. Segundo ela, houve muitas trocas de informações e experiências entre os profissionais.

"Nós criamos uma rotina escolar online, com jogos, materiais didáticos e também atividades manuais. Nesse processo, montamos, descobrimos e difundimos esses aprendizados entre nós", explica.

Outro elemento que também tem contribuído, segundo ela, é o próprio desenvolvimento de ferramentas usadas no ensino. "Ao longo dos meses, as plataformas Google Classroom, Meet, Jamboard e YouTube fizeram muitas atualizações, o que ajuda a acelerar a qualidade da troca entre os professores e os alunos."

Para lidar com o avanço das tecnologias, a escola desenvolveu alguns conteúdos sobre ética digital, com dicas sobre tempo de tela, ambientes para fazer pesquisas e ferramentas de verificação de conteúdo.

Como melhorar o uso dessas tecnologias?

Para Luciana Allan, do Instituto Crescer, essas experiências e aceleração do acesso são muito bem-vindas, considerando o período de emergência diante da pandemia. O próximo passo é aproveitar esse conhecimento e ampliá-lo via metodologias adequadas, apropriação das tecnologias e desenvolvimento de novas estratégias de ensino.

Um dos caminhos para envolver os alunos é trabalhar com desafios, estimulando-os em projetos sobre problemas do cotidiano, espaços para pesquisas e a construção de ferramentas para comunicar suas próprias ideias, como vídeos, blogs e jogos.

"Você não precisa ter uma manhã inteira com os alunos assistindo aos professores, que podem se conectar em momentos específicos para compartilhar conceitos enquanto os estudantes desenvolvem os projetos, e ao final da aula, abrir com espaço para apresentação dos trabalhos", explica Allan.

Para Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo da ONG Todos pela Educação, o país precisa fazer investimentos de maneira consistente se quiser que esse avanço no ensino se transforme em um legado.

Segundo ele, para que isso aconteça o poder público vai precisar focar em três questões centrais:

  • Infraestrutura, com maior igualdade no acesso;
  • Metodologia, com o bom uso da tecnologia sendo integrado à prática pedagógica;
  • Formação e apoio aos professores.

O papel da tecnologia na educação pode ir muito além ao tornar as aulas mais atrativas, engajadoras, diversificadas e efetivas. Saber mesclar um bom vídeo, um simulador ou um jogo digital como uma boa aula presencial pode trazer ganhos importantes para a aprendizagem e para experiência educativa como um todo
Olavo Nogueira Filho, diretor do Todos Pela Educação

Esse seria o caminho para chegar ao ensino híbrido, modelo que ganhou força ao longo da pandemia e que tem como proposta oferecer uma experiência que contemple aulas presenciais e online.