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Matrix na vida real: estamos vivendo em uma simulação de computador?

Marcel Lisboa/Arte UOL
Imagem: Marcel Lisboa/Arte UOL

Thiago Varella

Colaboração para Tilt

27/11/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • A gente já viu esse filme, e ele se chama Matrix
  • Há cientistas que acreditam na possibilidade de o universo ser uma simulação
  • Outros acreditam que esse debate é mais metafísico do que científico
  • Se sabe que, nesse mundo, temos tecnologia para simular um único núcleo de hélio

Sua casa pode não existir de verdade. Aliás, nem seu carro, sua família, nem você. O que a gente chama de realidade pode não ser real de fato. Tudo pode não passar de uma simulação criada por computador, como no filme Matrix, Para alguns cientistas, em vez de ficção científica, o que vimos no filme pode ser encarado como fato.

Em outubro, uma reportagem da revista Scientific American com o astrônomo David Kipping, da Universidade de Columbia ganhou destaque na mídia internacional. Nela, o cientista diz que há 50% de chance de estarmos vivendo em uma simulação (e isso soa bem assustador!).

Na verdade, Kipping está propondo um novo olhar para uma ideia apresentada em 2001 pelo filósofo Nick Bostrom. O professor sueco da Universidade de Oxford (Reino Unido) trouxe ao mundo três hipóteses relacionadas à possibilidade de estarmos vivendo em uma simulação:

  1. As civilizações humanas têm grandes chances de entrar em extinção antes de atingir a maturidade tecnológica;
  2. As civilizações que atingiram a tal maturidade tecnológica perderam o interesse em criar realidades simuladas;
  3. É quase certo que estamos vivendo em uma simulação feita por computador.

Agora, o que Kipping fez foi simplesmente reduzir as duas primeiras hipóteses em uma: a que não vivemos em uma simulação. Ou seja, se há uma hipótese que diz que não estamos em uma simulação e outra que afirma que estamos, há 50% de cada uma ser verdadeira.

Metafísica ou ciência?

Tanto Bostrom como Kipping levantam a hipótese da simulação de forma abstrata. Ou seja, o interesse deles não é provar nada, mas trazer um questionamento.

Para João Cortese, professor de filosofia do Instituto de Biociência da USP (Universidade de São Paulo), essa pode ser uma discussão metafísica e não científica. "No fundo, acho que tem uma questão. Será que é uma questão da ciência ou é uma questão metafísica? Se não der nunca para refutar, não é nunca científico", afirmou.

A grande pergunta que me parece surgir aqui é o quanto a matemática dá conta de descrever o mundo. Ou do limite do que a ciência pode responder
João Cortese, da USP

No passado, o astrônomo Galileu Galilei disse que Deus usou a matemática para escrever o universo. Ou seja, ao formular uma hipótese de que o mundo é, na verdade, uma simulação, a matemática é o caminho para se provar isso.

"Na ciência, é comum que os físicos criem modelos por meio da matemática e, se bem-sucedidos para a física, podem ser testados. Se não puder ser testado, não é ciência. Talvez, os dois autores estejam manipulando ferramentas matemáticas para abrir concepções sobre nós e o mundo onde vivemos", explicou Cortese.

O universo seria uma simulação computacional finita

Cena do filme "Matrix" - Reprodução - Reprodução
Cena do filme "Matrix"
Imagem: Reprodução

Mas também existem autores que de fato tentam provar que estamos em uma simulação. Zohreh Davoudi, professora de física da Universidade de Maryland, é uma dessas pessoas.

Ela já publicou um estudo com a hipótese de que o universo seria uma simulação computacional finita. A teoria é bastante complicada. Ela estuda as chamadas interações fortes, uma força fundamental da natureza. Para entendê-las, é necessário fazer simulações numéricas viáveis com os computadores que temos hoje —o que, até agora, trouxe como resultado a simulação de um único núcleo de hélio, que é composto de dois prótons e dois nêutrons.

Talvez, segundo Davoudi, daqui a alguns anos conseguiremos simular algo muito maior como uma molécula ou, quem sabe, alguns centímetros de matéria ou até o cérebro humano. Sobretudo se considerarmos que, no futuro, a computação quântica —que consegue processar dados de forma muito maior que a atual— estará ainda mais desenvolvida e estabelecida.

Isso tudo fez a cientista especular que podemos já estar vivendo em uma simulação. Uma maneira de se provar seria analisando as assinaturas de energia de raios cósmicos, gerados em explosões de estrelas na Via Láctea. Essas assinaturas poderiam confirmar o que é visto nas atuais simulações em computador da criação do universo. Mas isso ainda não foi visto —isso, claro, considerando um poder computacional finito.

Para Houman Owhadi, especialista em matemática computacional do Instituto de Tecnologia da Califórnia, se o poder computacional for infinito, o computador faz o que quiser com a simulação e não poderemos nunca notar qualquer falha para dizer se vivemos ou não em uma simulação.

Se você se convenceu com todo esse papo, quem sabe seu instinto é de ser um novo Neo, da Matrix, e buscar a realidade ou a nossa fuga dessa tal simulação. Agora, se você não deixa de dormir por isso, quem sabe não convence o banco que, se tudo é uma simulação, não é preciso pagar seus boletos? Boa sorte!