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Se nada mudar, ensino remoto em 2021 também será marcado por frustração

Imagem: Annie Spratt/Unsplash

Marcos Bonfim

Colaboração para Tilt

28/10/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Escolas tem permissão para manter ensino remoto até o fim de 2021
  • Professores têm se virado para ensinar, e estudantes, para aprender
  • Falta de equipamento, conexão fraca e metodologia são problemas recorrentes
  • Professores têm notado alto grau de abstenção nas aulas online

A queda no número de mortes por covid-19 no Brasil tem encorajado muita gente a abandonar ou flexibilizar o isolamento social. Mas na educação, a situação está longe de voltar ao que era antes da pandemia. Passados quase nove meses, professores, estudantes e gestores de ensino ainda se viram como podem para enfrentar situações complexas impostas pelas aulas remotas.

Este pesadelo parece estar longe de ter um fim: no começo do mês o CNA (Conselho Nacional de Educação) aprovou uma resolução que estende a permissão do ensino remoto até 31 de dezembro de 2021, em todos os níveis da educação. Em paralelo, estados e prefeituras têm autonomia para decidir quando e como as aulas presenciais poderão ser retomadas, e já tem se movimentado nesse sentido.

Nesse cenário incerto, alunos e professores devem continuar convivendo com problemas como a falta de acesso a equipamentos, como notebooks e smartphones; a ausência de internet em casa ou de plano de dados adequado para suportar os conteúdos; e as instabilidades constantes das redes.

Os professores, por sua vez, tem feito jornadas de trabalho mais longas porque ganharam o trabalho extra de adaptar suas aulas para o ambiente digital. Eles tiveram que aprender a usar as tecnologias para subir os conteúdos —por exemplo, montar formulários online e criar slides para as apresentações no Google Classroom. Além disso, terminada a aula, precisam checar e responder os emails dos estudantes e comentários na própria plataforma.

Tudo isso era algo que não precisavam fazer anteriormente com a proximidade física com os alunos. Além disso, todos eles precisam dispor de equipamentos próprios e de internet apropriada em suas casas para dar as aulas. Mesmo com todo o esforço, seus alunos continuam com problemas para assimilar todo o conteúdo.

Segundo Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), esse "cansaço" poderia ter sido evitado se a escola tivesse agendado um tempo para informar e formar professores no uso das tecnologias antes da fase das aulas online.

De repente, o professor teve que se tornar um youtuber, o que não é fácil. Tentar transpor a sala de aula é muito difícil. Se tivéssemos tirado um mês ou dois para ver as múltiplas possibilidades e potencialidades, acho que o cansaço seria menor
Maria Izabel Azevedo Noronha

A "tia" me colocou no "mudo"

Pedro Sá, 8 anos, estuda o 2° ano do ensino fundamental em uma escola da rede privada no Rio de Janeiro e tem encontrado dificuldades por não conseguir falar com a professora como fazia antes.

"A minha experiência está sendo mais ou menos. É um pouco ruim porque a tia não me responde [como antes]", comentou. A crítica do pequeno decorre da necessidade dos professores de deixar todos no mudo para evitar aquela bagunça generalizada na aula virtual.

Rafaela Alves Santos, aluna do 2° ano do ensino médio Imagem: Arquivo pessoal

As aulas remotas também têm sido complicadas para a estudante Rafaela Alves Santos, que está no 2° ano do ensino médio em uma escola da zona sul de São Paulo. "Não é a mesma coisa de quando você tem um professor explicando presencialmente. Daí, acabam vindo as dificuldades de entender os conteúdos", explica.

Como as aulas duram entre uma e duas horas todos os dias, ela diz que teve que se virar sozinha para entender as atividades, pois o tempo não seria suficiente para ela abordar o professor e tirar todas as suas dúvidas individuais.

"O problema que eu tive foi não conseguir entender nada dos conteúdos, tive que me virar sozinha para entender as atividades, porque nem os professores conseguiam explicar as atividades."

A aluna Gabriela Mediano também diz que a adaptação está sendo um fator crítico. Ela cursa a 8ª série do ensino fundamental em uma escola particular em São Paulo. "Tem sido bem difícil. Eu não gosto de falar em sala, então nunca consigo nota de participação, nem apresentar trabalhos, o que prejudica muito as minhas notas e me desmotiva um pouco", disse.

Gabriela disse estar "bem mais estressada" por causa das aulas remotas, já que os alunos ganham mais destaque quando falam nessas plataformas —com seu rosto e voz em primeiro plano— o que é terrível para sua timidez. Questionada se gostaria que o ensino voltasse a ser totalmente presencial, ela afirmou que sim, desde que fosse uma opção segura.

Cadê o aluno que estava aqui?

Anderson Santos, professor de História Imagem: Arquivo pessoal

Para Anderson Santos, professor de História em escolas das redes municipal e estadual na zona leste de São Paulo, queixas de desmotivação e cansaço são frequentes entre os alunos.

Os alunos mais novos, do ensino fundamental, reclamam que a educação a distância não funciona na idade deles e sempre precisam da ajuda de um adulto para ter acesso às tecnologias ligadas às aulas online. Já os mais velhos, no ensino médio, se mostram mais preocupados com temas do dia a dia —como o avanço da covid e a crise econômica— do que conteúdos da grade curricular —que, segundo eles, não têm vínculo com o momento atual.

Outra questão que chama atenção é a quantidade de alunos que não frequentam as aulas. Para reunir 20 alunos do ensino fundamental, ele precisa juntar de três a quatro salas —o que no ambiente físico corresponderia a cerca de 130 estudantes.

Hoje, poucos alunos entram e os motivos são diversos. Tem questões da qualidade da rede de internet, excesso de atividades, falta de entendimento do conteúdo e também a diferença entre fazer exercício na sala de aula e fazer em casa
Anderson Santos, professor de História

Para um professor da rede privada de ensino, que preferiu não se identificar, situações parecidas acontecem também entre os seus alunos.

"Têm estudantes com problemas no microfone ou que dividem o mesmo cômodo com um familiar e, por isso, evitam abrir câmera e áudio. Outros têm vergonha de mostrar a casa, por exemplo".

Em relação ao número de alunos, ele também notou uma diminuição; em parte porque a escola permitiu que o conteúdo seja acessado em outro momento do dia. Dos mais de 40 de cada turma, cerca de 20 entram nas aulas ao vivo, segundo ele.

Para o professor, a experiência dos alunos tem sido prejudicada também pelo aparelho em que assistem aos conteúdos, com muitos estudantes usando o smartphone para acompanhar as aulas e fazer as atividades propostas. Com uma tela pequena e áudio nem sempre satisfatório, o celular por vezes prejudica a experiência.

"Acaba por diminuir bastante tanto a participação quanto a compreensão do aluno em relação ao conteúdo. Imagine o professor compartilhando um texto com uma imagem que apresenta toda uma simbologia; e o aluno olhando pela tela do celular. É complicado e tem muita gente que está fazendo", contextualiza.

2021 já está aí, e o que está sendo feito?

Enquanto os estados e municípios adotam medidas diversas, os entrevistados esperam que o fim de ano seja um período para o desenvolvimento de uma estratégia de ensino, seja ela remota, presencial ou híbrida.

Para Reginaldo Pinheiro, presidente em exercício da Apeoc, sindicato de servidores de Educação e Cultura do Ceará, é o momento do estado fazer investimentos para melhorar a experiência de alunos e professores. A entidade propõe uma reestruturação das escolas a partir de análise do perfil socioeconômico, para saber quais delas precisam mais de internet e equipamentos.

"O ano de 2021 deve ser muito planejado porque exigirá muito de nós. Para que possamos atender a contento, precisamos ter isso muito claro. Melhorar o atendimento remoto, adequando e equipando as escolas para além do kit álcool-gel", afirma.

Maria Izabel Azevedo Noronha, da Apeoesp, concorda. "Esse é um período estratégico para que o governo faça uma grande articulação, o que seria um ganho para toda a sociedade. Lamentavelmente, nada está sendo feito", diz.

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