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Ela usa sua história para garantir que produtos do Google sejam inclusivos

Annie Jean Baptiste (foto) trabalha há dez anos no Google; boa parte da carreira foi dedicada a trabalhos de diversidade - Divulgação
Annie Jean Baptiste (foto) trabalha há dez anos no Google; boa parte da carreira foi dedicada a trabalhos de diversidade Imagem: Divulgação

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

07/10/2020 04h00

Quando criança, a norte-americana Annie Jean Baptiste, 32, se sentia excluída por não achar roupas de balé para o seu tom de pele e por não conseguir comprar curativos da sua cor. Essas experiências motivaram o trabalho que desenvolve no Google: garantir que as tecnologias da empresa não discriminem consumidores em aspectos como raça, gênero, orientação sexual e acessibilidade.

Baptiste tem dez anos de Google e há quase dois é chefe de inclusão de produtos da companhia. Entre as suas atribuições está a de testar tecnologias e avaliar se elas são acessíveis e inclusivas o suficiente para o consumidor —de preferência, antes do lançamento.

Sou negra e canhota. Não é como se eu fosse negra na segunda, mulher na terça e canhota na quarta. Sou sempre todas essas coisas. Isso influencia como eu me movo pelo mundo e como eu interajo com os produtos
Annie Jean Baptiste, chefe de inclusão de produtos do Google

"É muito importante que ajudemos nossas equipes a pensar sobre o usuário holístico e todas as facetas que os tornam quem são, e levar isso para o processo de design do produto", explicou Baptiste, em entrevista realizada com alguns veículos de imprensa da América Latina.

A executiva é filha de haitianos e nasceu nos Estados Unidos. Se formou em relações internacionais e ciência política na Universidade da Pensilvânia. Em 2010, começou a trabalhar no Google na área de vendas de publicidades, e passou por várias equipes nos anos seguintes. A defesa pela inclusão e igualdade a ajudou a conseguir o cargo de gerente de Programas de Diversidade do Google em 2014.

Eu dancei a minha vida toda e eu me lembro claramente de ter comprado roupas e meias coloridas, mas que deveriam ser nude ou neutras. Elas eram cor de pêssego, mas esse não era o meu tom de pele. Eu senti essa diferenciação profundamente. Só há três anos eu consegui um band-aid no meu tom de pele. Isso foi muito poderoso para mim. Eu tenho 32 anos e nunca tinha usado um band-aid que se encaixasse

O setor que Baptiste lidera no Google funciona basicamente para minimizar riscos antecipando o futuro. Um exemplo desse trabalho ocorreu com os sensores de câmera do Pixel, celular fabricado pela empresa. Um engenheiro observou que eles eram mais precisos com peles claras e falhavam na hora de tirar fotos de pessoas com tons de pele escuros. O sistema foi revisto e a empresa diz ter corrigido o problema.

Segundo a executiva, o esforço de sua área é importante para evitar o comportamento discriminatório das tecnologias. O trabalho requer principalmente proatividade das equipes para identificar falhas antes que o produto ou serviço chegue aos consumidores.

É definitivamente uma jornada e estamos constantemente aprendendo. É muito importante que as equipes entendam que se você não incluir [pessoas] de forma proativa, você vai excluí-las involuntariamente. Trata-se daquela peça de intencionalidade nessas fases-chave do processo

Outro exemplo dado foi com o programa de chamadas de vídeo Google Duo. A equipe de Baptiste conduziu testes antes do lançamento para observar se o aplicativo reconhecia rostos com tons de peles claros e escuros, independentemente do tipo de iluminação ambiente do local.

Algum produto deixou de ser lançado por não ser inclusivo? A executiva exemplificou o Smart Compose (recurso de preenchimento automático de texto) do Gmail. A chegada da função aos consumidores não sofreu alterações de data, mas profissionais da empresa testaram e exploraram ao máximo possíveis falhas. Algumas situações de funcionamento foram reanalisadas e excluídas— a executiva não detalhou quais foram.

A tecnologia é racista?

Tecnologias estarem no meio de críticas devido ao comportamento discriminatório ainda é comum. Pesquisadores e entidades de direito à diversidade reaquecem o debate exigindo mudanças a cada fato publicado.

Com os produtos do Google não foi diferente. Eles já estiveram nesse papel e a empresa precisou rever suas práticas e corrigir falhas.

Em um exemplo recente, o sistema de visão computacional da empresa etiquetou uma imagem de uma pessoa negra segurando um termômetro como "arma" enquanto uma imagem similar com uma pessoa branca segurando o mesmo objeto foi classificada como "dispositivo eletrônico". O Google pediu desculpas e disse que iria analisar o caso.

Em 2019, se você fizesse uma busca por tranças feias, o resultado que aparecia tendia a ser tranças em pessoas negras. Se você buscasse tranças bonitas, o resultado apresentava imagens de brancos. A empresa também corrigiu.

O trabalho de Baptiste é evitar problemas como esses. Para a chefe de inclusão, a tecnologia sozinha não é racista. O que acontece é que ela não foi testada o suficiente.

"É claro que queremos sempre construir equipes [diversas] que refletem o mundo. Mas, mesmo que a sua equipe não seja tão diversificada quanto você gostaria, você pode criar produtos mais inclusivos. Você precisa estar sempre focado em se questionar para descobrir quais vozes estão faltando nesses pontos-chave do processo"

As experiências pessoais de exclusão quando jovem continuam servindo como motivação. À medida que foi crescendo, Baptiste diz ter ampliado o olhar para outras realidades e comunidades, como a LGBT e de deficientes, e passou a aprender também com as experiências deles.