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Por que falar com chatbots é tão frustrante para as pessoas

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Imagem: iStock

Tainara Rebelo

Colaboração para Tilt

29/09/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Máquina já começou a substituir o homem, pelo menos no atendimento ao cliente
  • Mas pandemia mostrou que chatbots sozinhos não fazem verão
  • Clientes contaram a Tilt perrengues que rolaram por causa dos bots
  • Para especialistas, fator humano ainda importa e precisa ajudar robôs na ponta

Falava-se que no século 21 robôs dotados de IA (inteligência artificial) substituiriam pessoas em tarefas do dia a dia. Isso até está acontecendo, mas não do jeito que imaginamos. Quando queremos solucionar uma passagem aérea cancelada ou uma compra online atrasada, é com chatbots que conversamos em muitos casos. E são eles que mais nos irritam também, por estarem longe do ideal de eficiência.

Eles ficam ali, no canto inferior do site da empresa, perguntando se pode ajudar em algo e te responde como se fosse um humano. Poderiam ser bastante úteis, mas a pandemia de coronavírus reduziu (ou até esvaziou) escritórios, call centers e outras formas de atendimento humano aos clientes, deixando os bots ao Deus dará, com todo o trabalho nas costas.

O designer Dennis Vecchione, 42, viveu momentos de raiva e frustração ao ter que lidar com chatbots (e apenas com eles) quando comprou um novo tênis para o filho no site de uma loja. Dois dias depois da compra, recebeu um email da loja informando que a numeração do tênis não estava mais disponível. Foi oferecido um voucher para que adquirisse outro produto.

O designer procurou no site outras opções, mas não encontrou nada que servisse no filho. Então entrou em contato com a loja para pedir o reembolso. Foi aí que começou o calvário. Os chatbots que o atenderam, tanto por telefone quanto por chat e email, não davam a opção de solicitar reembolso, e não havia atendimento humano disponível. "Eles deveriam ser capazes de resolver tudo online, da mesma maneira que facilitam a compra via internet", disse.

Dennis Vecchione só conseguiu contato com uma pessoa de carne e osso quando mandou um email para o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) da empresa. "Precisei aguardar quase uma semana para ter o estorno finalmente solicitado. Agora é torcer para dar certo", contou. Essa novela toda já dura mais de um mês.

A experiência da analista de logística Isabela Fernandes foi um pouco menos frustrante. Ela comprou um casaco de tamanho M no site de uma loja de roupas. Quando o produto chegou, percebeu que ele tinha ficado grande. No mesmo dia, Isabela entrou no site e foi atendida por um bot que, por email, lhe deu a troca como opção.

Foi dado um prazo de dez dias úteis para a troca, mas o produto não chegou. Foi nesse momento que o bot deu lugar ao atendimento de carne e osso. O produto foi postado no dia seguinte. "O problema maior foi na espera do envio, mas em relação à troca da peça, fui bem atendida", lembra.

Falta de integração online-offline

O professor Ulysses Reis, coordenador do MBA de Gestão de Varejo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), explica que problemas desse tipo são comuns no Brasil —e pioraram com o aumento das compras online causado pela pandemia.

O motivo é que as empresas ainda têm dificuldades de trabalhar no formato omnichannel, nome dado à estratégia de comunicação que integra lojas físicas, virtuais, aplicativos, ferramentas digitais e redes sociais para facilitar a experiência do usuário.

Quando uma empresa é omnichannel, o consumidor tem acesso a ela tanto por meios online quanto offline, de acordo com suas necessidades. Assim, em vez de trabalhar em paralelo e sem sintonia, os canais de comunicação e seus recursos de suporte são projetados e orquestrados para cooperarem entre si.

"Existem ainda muitos problemas na integração de canais de vendas do comércio eletrônico, e isso gera conflito. O que as empresas estão fazendo, para resolver? Nada. A maioria delas está ignorando que isso existe ou usando essa falha em proveito próprio", afirmou Reis.

Um chatbot sozinho não faz verão

Os chatbots podem ser uma mão na roda para resolver algum problema mais simples do cliente. Eles são ágeis e atendem independentemente do horário, além de reduzirem os custos da empresa com call center. Mas eles não fazem milagre: precisam ser instruídos a lidar com determinadas situações para, assim, aprender com elas.

"Os desafios estão em relação à parte de treinamento dos chatbots, que podem não ter ainda contexto para atender ao cliente, como no caso do Dennis", avalia Pollyana Notargiacomo, professora da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Há que se considerar os investimentos na área. Segundo a Forrester, uma das empresas de pesquisa e consultoria mais influentes do mundo, o desenvolvimento de aplicações de chatbots envolve orçamentos que vão de US$ 500 milhões a US$ 5 bilhões. A maioria do investimento é destinado a robôs para o callcenter e a área de operações. Os EUA lideram neste mercado, totalizando 61% das iniciativas mundiais.

A solução: bots e humanos de mãos dadas

Quando bots e humanos caminham de mão dadas, o cliente sai satisfeito. Apesar da demora no envio, Isabela Fernandes disse que voltaria sim a comprar roupas com a empresa. Já o designer Dennis Vecchione, o consumidor frustrado, contou que vai passar longe do site da loja de sapatos. "A não ser que o desconto seja muito bom", brincou.

Fernando Capez, secretário de defesa do consumidor do Procon-SP, explica que casos como o de Vecchione configuram uma violação ao Código de Defesa do Consumidor. As empresas estão passíveis de multa, não importando se o atendimento (ou a falta dele) veio de um humano ou de um robô.

"O atual documento [o Código de Defesa] assegura o consumidor em qualquer compra que se enquadre a troca cliente-fornecedor, independente da tecnologia usada. Elas [as lojas] precisam resolver o problema, independente do canal", disse.

Não importa se a empresa é grande ou pequena, quem não tiver o atendimento integrado está cavando a própria cova, segundo Ulysses Reis, da FGV. "O consumidor hoje compara preços e tenta negociar, gerando um consumidor mais bem informado e mais inteligente. Essas lojas que não providenciarem ajustes no seu atendimento integrado estão cavando o próprio buraco", afirmou.

Por isso, não adianta se empolgar com a tecnologia e se armar com um exército de robôs sorridentes e solícitos, abrindo mão do trato humano. Segundo Pollyana Notargiacomo, do Mackenzie, as empresas precisam de uma infraestrutura mínima de atendimento humano para situações em que o chatbot ainda não tem repertório para realizar o atendimento sozinho.

"Além disso, é preciso que as empresas documentem o problema ao fornecedor da tecnologia para incluir o novo contexto no chatbot por meio de treinamento de processamento de linguagem natural da IA, que possibilita o robô interpretar a necessidade do usuário", explicou.